8 DEMARÇO – 100 ANOS DE LUTA
HISTÓRICO DO 8 DE MARÇO
O Dia Internacional da Mulher tem sua origem nas lutas e na militância das mulheres socialistas. Vai ser a militante socialista Clara Zetkin que, na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910, encaminha e é aprovada a instauração de um dia das mulheres, tal como a proposta já encaminhada pelas mulheres socialistas dos Estados Unidos. A partir daí, todo ano, em especial as mulheres européias, comemoravam um dia como o dia da mulher.
A fixação do dia 8 de Março ocorre na Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, em 1921, como homenagem às mulheres de São Petersburgo que desencadearam a greve geral de 1917, saindo às ruas de Petrogrado contra a fome, a guerra e o czarismo, desencadeando a Revolução Russa. A partir de 1960, essa tradição recomeçou como um grande acontecimento internacional, tirando, pouco a pouco, a sua origem socialista. E, em 1975, as Nações Unidas decidiram consagrar o 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher.
Quando olhamos para trás, nestes 100 anos, percebemos que os passos foram gigantescos – direito de estudar, direito ao voto, não precisar de autorização do marido para trabalhar, criação de espaços próprios no Estado para traçar políticas públicas para as mulheres, política de Saúde especializada, etc.
Para nós, brasileiras, um grande avanço foi conquistado na Constituição de 1988 garantindo igualdade a direitos e obrigações entre homens e mulheres perante a Lei.
NOVA ETAPA DO MOVIMENTO FEMINISTA
O livro de Simone de Beauvoir, “O Segundo Sexo”, com sua síntese teórica que: “Não se nasce mulher, torna-se mulher” vai dar as bases para esta nova fase do movimento que, a partir dos anos 60, incorpora amplos setores de classe média e mulheres profissionais. A bandeira de que “o nosso corpo nos pertence” questionava as visões morais/religiosas e culturais limitadoras das possibilidades de plena expansão e expressão própria da sexualidade feminina. E de que “o pessoal é político”, trazia para o espaço da discussão política as questões até então vistas e tratadas como específicas do privado, quebrando a dicotomia público-privado, base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da política e do poder político. Nesta mesma lógica é a discussão sobre “produção e reprodução”, trazendo o debate do individual e do social.
O movimento também colocou na agenda social o caráter político da opressão vivenciada de forma isolada e individualizada no mundo do privado, identificada como meramente pessoal pelas mulheres. As feministas fincaram o pé em mostrar como as circunstâncias pessoais estão estruturadas por fatores públicos, por leis, pela divisão sexual do trabalho no lar e fora dele, por políticas relativas ao cuidado
das crianças. E, ao trazer estas relações para o mundo da política, questionavam a hierarquia e a centralização, construindo novas práticas que pudessem comportar o mundo das mulheres. E reafirmavam sua autonomia frente a outros movimentos e ao Estado.
No Brasil e na América Latina enfrentávamos ditaduras militares, que procuravam silenciar e massacrar todos os movimentos sociais que apresentavam práticas transformadoras. A repressão vai instaurar as marcas de gênero na experiência da tortura, não apenas sexualmente, mas, sobretudo, pela utilização da relação mãe e filhos. Estes são anos difíceis. De um lado, juntas com a esquerda,
enfrentávamos a violência da repressão e da exploração e, de outro, deparávamos com a discriminação
na família, nos partidos, nas diferentes organizações de esquerda, na igreja progressista, vivendo sob permanente tensão.
Assim, as mulheres se organizam nos grupos de estudos e na reflexão feminista, nos grupos populares vinculados às associações de moradores e aos clubes de mães, que começaram a enfocar temas ligados a especificidade de gênero tais como creches, sexualidade e trabalho doméstico. Floresce a imprensa feminista como o Brasil Mulher e Nós Mulheres. De outro lado, estão também nas organizações de esquerda, no Movimento Feminino pela Anistia lutando diretamente contra a ditadura militar.
Constroem assim, no movimento autônomo, um espaço próprio para a articulação, troca, reflexão
e definição de estratégias. E, se desdobrando na militância, levam estas definições para dentro das outras organizações: sindicatos, partidos, organizações da igreja, associações de bairro.
Nesse momento de autoritarismo militar, a discussão sobre a autonomia em relação ao Estado, “o inimigo comum”, não era sequer colocada. Nos anos 80, este tema volta à tona. A eleição de partidos políticos de oposição para alguns governos estaduais e municipais recoloca a questão da autonomia e divide o movimento entre as que ficam apenas no movimento, as que assumem os partidos e a participação no aparelho do Estado, em especial, nos Conselhos da Condição Feminina. No VII Encontro Nacional Feminista, realizado em 1985, em Belo Horizonte, esta foi a grande polêmica: a
participação das feministas no CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher). O temor de todas nós, da perda de autonomia não se concretiza devido ao compromisso das feministas que assumiram o conselho, que não só respeitaram, mas fortaleceram e garantiram a autonomia do movimento.
Dentre as lutas diversas das mulheres nesta nova etapa, uma vai se destacar pela sua organicidade e pelas importância das conquistas: Assembléia Nacional Constituinte. O trabalho conjunto entre o movimento autônomo, o CNDM e as mulheres parlamentares que agiram durante todo o tempo como um bloco, sem intermediação dos partidos políticos, possibilita um envolvimento com grandes conquistas na Constituinte, como a igualdade entre homens e mulheres como direito fundamental. Este grande mérito do CNDM de respeito aos movimentos vai ser a base de sua condenação quando no Gov. Sarney, através de atos autoritários, vai paulatinamente retirando a força e destruindo o CNDM.
Nos anos 90, com as drásticas mudanças impostas à sociedade brasileira pelo projeto neoliberal, há uma reconfiguração dos movimentos sociais. O movimento feminista, passa agora a ter sua visibilidade através do feminismo negro, indígena, lésbico, popular, acadêmico, eco feminismo, assessoras governamentais, profissionais das ONGs, católicas, sindicalistas, partidos.
Essa diversidade esteve muito presente nos preparativos do movimento para intervenção na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em setembro de 1995, em Beijing, na China. O processo preparatório para Beijing trouxe novas energias, estimulando a reorganização do movimento. Importantes setores das feministas autônomas vão agora estar profissionalizados nas ONGs e vão
procurar a crescente articulação ou entrelaçamento entre os diversos espaços e lugares de
política feminista através de uma grande quantidade de redes, muitas vezes, fomentadas por organismos bilaterais e multilaterais.
O Fórum Social Mundial vai ser um novo espaço para a rearticulação do movimento. Em 2002, em Porto Alegre, as mulheres se organizam e chamam a Conferência das Mulheres Brasileiras, onde se elabora uma Plataforma Política Feminista a ser entregue formalmente a todos os candidatos à presidência da República, aos governos dos Estados, aos dirigentes partidários, deputados e senadores. Os candidatos a presidente encampam a plataforma encaminhada. Mas a relação com o presidente eleito não tem sido fácil. Logo ao assumir o governo, à revelia de toda a articulação e mobilização do movimento de mulheres, Lula não indicou,como se esperava, uma feminista para a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, agora com o status de Ministério. Para o cargo indicou uma senadora petista. Com pouco mais de um ano, a substituiu por uma professora universitária, também sem ligação com o movimento. Além disto, o PT tem se mostrado extremamente conservador na implementação de políticas; nem a Lei de Cotas, aprovada no partido desde os anos de 1980,estabelecendo um mínimo de 30% de mulheres nos espaços de decisão foi aplicado no âmbito governamental.
A MAIS LONGA DAS LUTAS
O feminismo ajudou a mudar a sociedade, democratizando-a. E ajudou muitas mulheres a mudarem suas vidas. O feminismo ao questionar o controle masculino, ao mostrar como isto serve à acumulação da riqueza, renda e poder, levou a mudanças profundas na sociedade. Conseguiu espaços legais, como a igualdade conquistada na constituição e a Lei Maria da Penha; espaços institucionais de participação, como os conselhos de direitos da mulher e de proteção como as delegacias. Além disto, as creches, restaurantes populares reduzem a sobrecarga do trabalho domestico.
Sabemos que a democratização é fruto da organizaçao dos movimentos sociais. Entretanto, do ponto de vista da situação das mulheres, o feminismo foi crucial, pois, percebendo a exclusão das mulheres na democracia formal, denuncia e busca sua superação. Mostra, também, que o confinamento das mulheres na esfera doméstica, limitava sua presença no espaço público tornando-a um ser humano parcial. E, mesmo com a tripla jornada – de dona de casa, profissional e militante – não se amedrontam e continuam no processo de organização lutando contra toda forma de opressão e exploração. Este caminho, que não é simples nem fácil, tem enfrentado mudanças, dilemas, embates, ajustes, derrotas e também vitórias.
O feminismo enfrentou o capitalismo mostrando o espaço da produção e reprodução Durante a ditadura militar luta pelos espaços públicos democráticosao mesmo tempo em que se rebelava contra o autoritarismo patriarcal presente nafamília, na escola, nos espaços de trabalho, e no Estado. Descobriu que não era impossível manter a autonomia ideológica e organizativa e interagir com os partidos políticos, com os sindicatos, com outros movimentos sociais. Rompeu fronteiras criando, em especial, novos espaços de interlocução e atuação, possibilitando florescer de novas práticas, novas iniciativas e identidades feministas. Analisar, entender, mudar e saber dar respostas às novas situações são os grandes desafios para os movimentos sociais. As feministas vão saber utilizar a mesma criatividade que encontrou ao longo da história para conseguir novos avanços.
CONCLUSÃO
O que eu deixo como pergunta é se o fato de ter cada vez mais mulheres fazendo política nos partidos, nos sindicatos, ocupando alguns espaços de poder significa que não tem mais discriminação? Eu acho que não. Como já foi dito, “muda-se o confeito mas não muda o conteúdo”. Primeiro, todos os dados mostram que o espaço da mulher ainda é pouco importante. Que aumenta a violência. E que, apesar de todos os avanços conseguidos, os espaços de poder são masculinos e o da execução são femininos. E, não é por ser mulher que ao ocupar determinados espaços ela vai ter praticas transformadoras. Podem estar fazendo a política tradicional e, aproveitando deste espaço para fazer seus ganhos particulares de poder e de influências, tal como fazem os homens. E isso tende a despolitizar a luta feminista. Se não tivermos um projeto renovado muito claro do que queremos transformar, poderemos perder a possibilidade de seguir contribuindo para as mudanças sociais. Para a construção de um novo mundo que seja igual, solidário e fraterno.
Por tudo isto que esta é a mais longa das lutas. Por isto, as feministas fazem a diferença.
Um outro mundo é possível. Um outro Brasil é necessário!
*Profa. Universitária e da coordenação do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial