Um resultado desconcertante numa falsa democracia

por Jose M. Tirado [*]

Com 94,8% dos votos contados, os islandeses na noite passada deram à coligação governante da Aliança Social Democrata e do Movimento Esquerda-Verde uma derrota paralisante, entregando as rédeas do poder outra vez à mesma coligação que arruinou a economia há cinco anos atrás: o Partido Independência e o Partido Progressivo. Do total do eleitorado, 25,7% apoiou o Partido Independência e 24,4% votaram pelos progressivos, ambos de centro-direita, com profundos interesses no sector bancário, os “barões do mar” e em companhias agrícolas (A coligação governante em conjunto mal ultrapassou os 20%: os sociais-democratas receberam apenas 12,9%, os esquerda-verdes 10,9%).

Vários partidos mais pequenos constituíram-se neste período eleitoral, principalmente do lado populista-esquerda (apesar de um partido direita-verde ter recebido 1,7%) e começaram a juntar-se e dividir-se com previsível regularidade. Exemplo: Dögun ou “Aurora” receberam 3,1% mas perderam membros para o “Sentinela da Democracia” (2,5%), o “O Partido da Família” (3,0%) e o “Partido Pirata” (5,1%) com este último a ganhar três cadeiras, entre as 63 cadeiras do legislativo de uma só câmara. Mas, embora ganhando quase 20% dos votos lançados, o total de grupos de esquerda/reformistas não será reflectivo em qualquer poder parlamentar significativo. Isto agora deixa os centro-direitistas, que já controlam a economia, diluir a recém criada constituição do povo tal como eles abertamente prometiam – e, mais uma vez, enriquecer o seu próprio pequeno bando de proprietários de navios, banqueiros e capitalistas de compadrio.

Então, como é que isto aconteceu?

Bem, embora possa parecer a observadores externos como uma rejeição maciça de ideias à esquerda do centro, a eleição de ontem demonstra que quando a esquerda se move para a direita ela acaba por perder. Inicialmente escolhida por um levantamento populista para voltar a por a catastrófica economia do país no trilho certo (a “Revolução das panelas e frigideiras”), os sociais-democratas e esquerda-verdes começaram com apoio razoavelmente generalizado a processar a elite dos banksters que haviam transformado da Islândia num casino de especulação e gastos loucos. Após um arranque espasmódico, algumas acusações foram apresentadas e alguma facilitação dos fardos sobre famílias trabalhadoras surgiu no horizonte, embora fossem aumentados impostos. Mas antigos adversários da adesão à UE na esquerda-verdes começaram desconcertantemente a apregoar a adesão à União como uma direcção que o país deveria procurar. Isto já era uma política defendida pelos sociais-democratas e portanto, de forma discutível, em meio a pior crise económica desde a Grande Depressão, a coligação reformista ocupava-se a procurar a adesão à UE – uma solução controversa nunca apoiada pela maior parte dos islandeses. Além disso, eles eram encarados como salvadores de bancos enquanto prometiam investigar e processar delinquentes, mas arrastando os pés em relação ao alívio de hipotecas e dando apoio aos mesmos grandes, destruidores da natureza como projectos de fundição de alumínio que o Partido Independência sempre defendeu. Ao retomar as já sensibilizadas aversões dos islandeses médios, que apenas queriam algum alívio nas suas dívidas e empregos, a base para o declínio da coligação estava estabelecida.

Gradualmente, quando o novo governo adoptou medidas de austeridade tipicamente recomendadas pelo FMI, a sua popularidade começou a cair e um desejo contido pelos bons velhos dias começou a retornar, com o público a irritar-se com o novo governo a cada semana. “Eles (o governo reformista da coligação de sociais-democratas e esquerda-verdes) ‘salvaram’ a economia dando mais salvamentos aos bancos ao invés de ajudar a família média” disse-me um amigo, activo no [partido] Sentinela da Democracia”. “Perderam demasiado tempo estupidamente considerando a UE ao invés de desafiar directamente as estruturas de poder existentes”, continuou ele. Assim, tão logo viram esta abertura (o espírito independente dos islandeses sendo picado por temores de dominação estrangeira), o Partido Independência capitalizou com esta situação antigos parceiros júnior a lutarem por posições a fim de derrubar o tradicional par da coligação se porventura vencesse. Os progressivos martelaram as TVs, rádios e jornais com promessas de apagar a dívida familiar. Os dados estavam lançados e os islandeses, desejosos de darem mais uma vez a última palavra, fizeram-se como uma vingança, escolhendo na direita o único outro grupo disponível de velhacos para endireitar exactamente os mesmos erros pelos quais eles foram inicialmente responsáveis. “É como uma máfia”, acrescentou o meu amigo, com o olhar turvo após uma noite em claro o ver resultados eleitorais. “Nada vai mudar, excepto que a nova Constituição morrerá e mais pessoas deixarão o país. Nós perdemos médicos e outros profissionais para a Noruega e isto continuará”, acrescentou.

Quando mencionei a outro amigo que a Islândia parecia mais como uma “democracia de compadrio”, ele respondeu em inglês claro: “isto não é democracia de compadrio, é falsa democracia”.

Os progressivos pelo menos partilham ligeiramente algumas ideias de centro-esquerda com os sociais-democratas mas o receio agora é de que, tendo prometido com firmeza dar alívio aos proprietários de casos a lutarem sob uma montanha de dívida, eles também estejam condenados a fracassar. E se assim for, isto pode provocar mais outro colapso político, possivelmente ainda mais esmagador do que o último.”Somos um povo estúpido”, disse-me um amigo, “queremos acreditar que o Partido Progressivo conduzirá a coligação de acordo com as suas promessas, mas ninguém quer admitir que os números não fazem sentido e que isto também vai acabar mal. Todo o sistema está tramado”.

29/Abril/2013

[*] Poeta, padre e escritor. Está a acabar um PhD em psicologia na Islândia.

O original encontra-se em www.counterpunch.org/2013/04/29/icelands-crippling-elections/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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