REPRESSÃO EM BUENOS AIRES E NO RIO: UM ALERTA

… a paz sem voz não é paz é medo …

O RAPPA

… não se brinca com o poder,

que o poder do povo é bem maior …

SÉRGIO RICARDO

Em Buenos Aires, o prefeito direitista Mauricio Macri criou, há 4 anos, uma Polícia Metropolitana. Para chefiá-la, convocou Fino Palácios, colaborador da Ditadura argentina. A pressão da opinião pública, à época, obrigou Palácios a renunciar, mas foi ele quem armou, treinou e motivou a nova força, como tropa de choque contra a parcela mais pobre da população, os moradores de rua e os que, de alguma maneira, realizam protestos públicos. A tropa agia às escondidas, na repressão aos pobres, mas já agora atua abertamente contra eles ou para dissolver manifestações.

Três episódios recentes e ilustrativos – do terceiro é preciso falar mais, porque emblemático das atitudes fascistas do prefeito Macri.

1. Durante a expulsão de ocupantes dos terrenos do Parque Indoamericano, ordenada pela Justiça, a atuação da Polícia foi tão violenta que duas pessoas morreram. Jornalistas ficaram feridos.

2. No bairro de classe média Caballito, Macri mandou construir grades para limitar o acesso de pessoas à noite e para reprimir o trabalho dos camelôs. Grande parte dos moradores aliou-se aos trabalhadores de rua. Houve resistência à construção das grades. Na repressão, mais uma vez, manifestantes e jornalistas ficaram feridos por balas de borracha.

Nos dois casos, Macri justificou a violência com seu mote xenófobo. Culpou a imigração descontrolada: esta traria “delinquentes de países vizinhos”, que se aproveitariam das necessidades do povo argentino para provocar distúrbios.

3. Na semana passada, intentou-se destruir as oficinas dos pacientes do Instituto Psiquiátrico José T. Borda, para erguer em seu lugar um “centro cívico” – na verdade, uma sub-sede da Prefeitura. No hospital, os internos aprendem a trabalhar com madeira e ferro; fabricam camas, cadeiras, armários e demais objetos hospitalares; e operam uma rádio, usada como ferramenta de tratamento através da palavra.

O hospital já vinha sendo asfixiado pela falta de manutenção e de serviços básicos. Seus trabalhadores ainda protegiam a última oficina, com barricadas de madeira, pedaços de ferro e alvenaria, cadeiras empilhadas e montes de livros velhos.

Na madrugada de sexta-feira, 26 de abril, em frente ao hospital, concentravam-se em silêncio caminhões de transporte das forças de choque da Polícia Municipal. Oito dias antes, a Polícia, embora avisada, não aparecera para conter um grupo de barras bravas (torcedores violentos) que ameaçavam jogadores e o técnico do Huracán. Para o hospital Borda, entretanto, foram deslocados 300 policiais, com escudos e capacetes. Dois pesos e duas medidas.

À tentativa de desocupação, pacientes, trabalhadores e médicos reagiram, apoiados por deputados de oposição a Macri e na presença de jornalistas. A repressão foi violentíssima. A Polícia do prefeito usou balas de borracha, cassetetes e gás de pimenta contra resistentes (inclusive pacientes) e manifestantes. Pelo menos 50 pessoas ficaram feridas, várias foram internadas e houve detenções.

Convocado pela Câmara de Deputados e pressionado a renunciar, o secretário de segurança afirmou que não o faria porque a Polícia agira “segundo as normas” para casos como aquele. Logo depois, foi revelada a existência de liminar que impedia a destruição das oficinas. Além da repressão criminosa, desrespeito a decisão judicial.

Para Macri, “a Polícia apenas se defendeu dos violentos que a agrediram”. Não surpreende que ninguém tenha sido punido, após a violência criminosa – como se ela tivesse virado rotina, em Buenos Aires. A grande mídia argentina oferece a Macri blindagem escandalosa, pelo simples motivo de que não há hoje ninguém, além dele, que possa aglutinar as forças de direita e os grupos de oposição ao governo Cristina Kirchner. Figura de grande visibilidade – prefeito da cidade mais importante do país e principal representante dos interesses afetados pelas políticas do governo central – Macri fica imune aos desmandos que promove. É o queridinho do Clarín e do resto da mídia negocista e reacionária, a maior aposta do conservadorismo e dos que estão sob pressão do governo populista.

O episódio do hospital Borda não deve ser tratado como “excesso” do governo portenho, e sim como recado político de grande simbolismo. A direita não se deterá diante de nada para voltar ao poder, na Argentina.

Alguns vídeos sobre a tropa de choque fascista de Macri.

http://www.youtube.com/watch?v=HIkpQjqYF6o

http://www.youtube.com/watch?v=do64tIuZsbM

http://www.youtube.com/watch?v=F18aurqCvmE

(atenção para o policial de cavanhaque)

Mas a população reagiu. No dia 30, milhares de portenhos foram às ruas em repúdio a Macri. Sindicatos, trabalhadores da saúde e membros da sociedade civil fizeram uma grande passeata – que terminou na Plaza de Mayo, em frente à sede do governo local – para pedir seu impeachmente a renúncia do secretário de segurança.

“Para além das diferenças políticas, os trabalhadores dizemos ao prefeito Macri ‘chega de repressão’, afirmou o secretário geral da Associação de Trabalhadores do Estado. “A sociedade exige o fim da repressão policial”, disse um deputado nacional. “Esta ação foi a gota d’água que transbordou o copo. Não podemos mais tolerar uma administração que persegue trabalhadores e pobres com sua política neoliberal”, pronunciou-se uma trabalhadora da saúde. “Há responsabilidade política em toda esta violência. Exigimos o impeachment de Macri”, eram as palavras dos manifestantes anônimos.

Qual é a relação entre a violência da Polícia Metropolitana de Macri e a violência contra diversas   manifestações recentes, no Rio de Janeiro? Aparentemente nenhuma – salvo o fato de tratar-se de violência contra o povo, em ambos os casos. Em Buenos Aires, violência filha do fascismo; no Rio, conseqüência da omissão, do oportunismo e do eleitoralismo dos poderes políticos estadual e municipal, e do jogo de interesses entre eles e o poder econômico.

Mas há uma relação mais profunda. Quando, no Rio, reprimem-se protestos contra o despejo do Museu do Índio e a tentativa de derrubar o prédio que o abrigava; quando alunos e professores da Escola Municipal Friendereich são reprimidos em sua manifestação contra a demolição do prédio para a construção de um memorial; quando atletas e desportistas são ameaçados por protestar contra a demolição do Parque Aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros; quando a PM joga bombas de efeito moral sobre 400 pessoas que do lado de fora do Maracanã gritavam palavras de ordem contra Sérgio Cabral, Eike Batista, a FIFA e as empreiteiras, e protestavam contra a privatização do estádio, no dia de sua “reinauguração”; quando a população é impedida de se manifestar contra a remoção arbitrária de bairros pobres; quando a grande mídia escamoteia a força dos protestos e reforça seu posicionamento de classe ao lado dos poderosos; quando tudo isso acontece e o Rio começa a se parecer com Buenos Aires, sob o aspecto da repressão às lutas populares, é porque os saudosos das trevas, lá como cá, se agitam e agem.

É preciso cortar esta tendência pela raiz. Com o povo nas ruas, em Buenos Aires e no Rio.

(Felipe Oiticica – militante do PCB-RJ)

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