Primavera dos Trabalhadores

Os sindicatos vieram ao mundo, originariamente, por meio das tentativas espontâneas dos trabalhadores de suprimirem ou, ao menos, limitarem essa concorrência, com o objetivo de imporem condições contratuais que os elevassem, no mínimo, acima da posição de meros escravos.

Marx. Sindicatos: seu passado, presente e futuro.

A greve dos garis no Rio de Janeiro nos leva a refletir sobre a luta dos trabalhadores e sua relação com seus sindicatos. Marx aponta “Capital é poder social concentrado, ao passo que o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho individual.” Logo, a luta dos trabalhadores passa por sua capacidade ante seu maior poder numérico unificar sua luta em um espaço comum.

O próprio não deixava de ver que o futuro dos sindicatos se traduzia na sua transformação em “centros de organização da classe trabalhadora, atuando no grande interesse de sua completa emancipação.” Essa transformaçãotornaria os “sindicatos a vanguardas e representantes de toda a classe trabalhadora, atuando de acordo com essa concepção, haverão de conseguir arrastar os excluídos para o interior das suas fileiras.”

Ora, o que assistimos ao longo da últimas duas décads no movimento sindical brasileiro? A incorporação da lógica do principal partido de esquerda do país que vê na governabilidade, isto é, na manutenção da ordem burguesa sua principal tarefa ao conquistar o poder. A principal central sindical e os sindicatos a ela filiados, trocaram a a luta pela acomodação, a organização dos trabalhadores pela política de gabinetes.

Mas o que essa realidade tem a ver com a greve dos garis? A história está posta aos olhos para que não nos enganemos com as brumas da burguesia. A prefeitura do Rio, administrada por um tecnocrata neoliberal que atua muito mais como empresário do que um gestor da coisa pública, implementou uma forte política de contenção salarial.

Enquanto isso, essa mesma prefeitura ampliou os seus gastos com equipamentos do mobiliário urbano atendendo ao acordado para a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas de 2016. Já em 2013, a greve dos professores municipais explicitou a falácia dessa política e angariou tímido apoio da sociedade. Não se pode, portanto, acreditar que era novidade a insatisfação de certos setores entre os servidores municipais.

Se o SEPE se apresenta – com erros e acertos inerentes ao movimento sindical – como um sindicato preocupado com a organização da luta de seus afiliados, o mesmo não se pode dizer do Sindicato de Empregados de Empresas de Asseio e Conservação do Município do Rio de Janeiro (SEEACMRJ) que se caracteriza pela postura de negociação sem confronto quer com o setor privado, quer com a prefeitura.

Um sindicato assistencialista que se orgulha em ostentar em seu sítio a distribuição, para seus sindicalizados em dia, do kit volta às aulas para os filhos de associados – composto por canetas, lápis, lápis de cor, caderno, mochila, etc,. Assistencialista e pouco combativo. Com direções que se revezam entre si e com o isolamento do trabalhador de seu sindicato. O SEEACMRJ não é o único nessa prática.

O sindicato deve “convencer todo o mundo de que suas aspirações encontram-se muito distantes de serem limitadas e egoístas, estando direcionadas, pelo contrário, para a emancipação dos milhões de oprimidos.” Marx não tergiversava em sua leitura de mundo. Nem os trabalhadores que podem se acomodar, mas que no momento em que tomam consciência de seu papel histórico assumem a luta como condição central de sua ação política.

Em pleno Carnaval, esta instituição icônica carioca e brasileiria, onde as diferenças de classes são esquecidas, onde todos se unem em torno do reinado de Momo, foi deflagrada a greve. O SEEACMRJ pego na contramão de sua prática política, negociou e conseguiu um arremedo de acordo. A prefeitura com o explícito apoio da mídia declarou-se vencedor e proclamou o fim da greve.

Não contavam com novos sinais que assomam o céu dos movimentos sindicais. O Comando de Greve recusou o acordo que não satisfazia os trabalhadores e manteve a greve. Pronto. Demissão, pautas midiáticas culpando os garis pela sujeira do Carnaval, esquerdistas de meia pataca reclamando do momento inoportuno da greve, repressão. Conhecido autor de biografias, Ruy Castro vociferou na mídia que os garis deveriam pagar a multa pelo lixo não coletado, ou seja, lixo zero pra quem luta. Acusações de ligações políticas com um partido ligado ao campo progressista e com um ex-governador não tão progressista assim. Tentativas de desqualificar os garis e sua luta. As velhas armas da burguesia brasileira.

Acusando os grevistas de ameaças aos trabalhadores que voltavam ao trabalho, defendendo o sindicato dos garis contra um pretenso “motim” dos grevistas, o prefeito foi pego na mentira quando a toda poderosa rede Globo entrevistou duas garis que trabalhavam apesar da greve. Elas foram claras: “todos apoiamos a greve, mas temos medo de perder o emprego por que fomos ameaçadas pelos supervisores.” Para completar o quadro de fiascos da repressão pública, o gari icônico entre os garis, Renato Sorriso, apesar de furar a greve, declarou ao vivo e a cores seu apoio aos grevistas.

A opinião pública, emergindo da ressaca momesca começava a se posicionar em favor dos grevistas e questionando a ausência de uma alternativa para a limpeza urbana. Resultado disso: Um acordo que incorporou parte das demandas – 40% de insalubridade, vale refeição de 20 reais – e que avançou nas bases salariais – 1.100,00 reais. E qual a importância da greve? Simples. Após março de 2014 os sindicatos ou se assumem como espaço de defesa e luta dos trabalhadores ou serão desmoralizados. A mídia nos brindou com uma Primavera árabe, com uma primavera juvenil nas ruas, pois bem, cabe-nos enquanto marxistas proclamar que nasce uma nova Primavera dos Trabalhadores. Uma Primavera de retomada dos sindicatos enquanto lócus da ação política contra luta de classes, uma primavera onde os sindicatos se apresentam, como assinalava Marx, indispensáveis para a “guerra de guerrilha travada entre capital e trabalho, são eles tanto mais importantes enquanto força organizada para a eliminação do próprio sistema de trabalho assalariado.”

OBSERVAÇÂO. As citações de Marx foram tireadas de Sindicatos : seu passado, presente e futuro. In: http://www.scientific-socialism.de/MarxSind.htm

(*) Fernando Vieira é diretor do SIMPRO-RJ e militante do PCB-RJ

Categoria