O último cavalo encilhado!

imagemIvan Pinheiro (*)

Leonel Brizola dizia sempre que quando a um ser político a vida oferece uma oportunidade de ouro ou ele a agarra ou vai pagar um alto preço perante a história. Na sua linguagem dos pampas, a oportunidade era tão sedutora como um cavalo pronto para ser montado.

Por sua sensibilidade e coragem pessoal, ele talvez tivesse montado o fogoso cavalo que passou encilhado para Lula, em 1º de janeiro de 2003. Mas Lula rasgou neste dia as propostas do chamado Programa de 100 Dias, preparado por um Conselho Político formado, durante as eleições de 2002, pelos cinco partidos daquela coligação (PT, PSB, PDT, PcdoB e PCB). O novo Presidente jogou no lixo o Conselho, junto com o Programa. Neste, destacava-se a imediata promoção de um plebiscito para decidir a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, com participação popular.

Foi assim que Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, aproveitando correlações de forças favoráveis – mesmo também eleitos com minoria parlamentar -, promoveram alterações constitucionais capazes de garantir mudanças progressistas e com aspectos antiimperialistas e, ao mesmo tempo, uma governabilidade respaldada na mobilização popular. Mas Lula, já antes da posse, optara pela governabilidade da ordem, assumindo o balcão de negócios para, no toma-lá-dá-cá, garantir uma maioria parlamentar com a centro-direita. Que o diga a carta pública que, antes do segundo turno, dirigiu aos banqueiros e investidores, sobretudo internacionais, chamando-os de brasileiros.

Mesmo com o caudilho gaúcho, se ele montasse o cavalo, não teríamos sequer iniciado o trânsito ao socialismo. Se é que entendemos o socialismo como caminho a uma sociedade sem classes, uma tarefa do proletariado, para muito além da institucionalidade burguesa.

Mas, dependendo de vários fatores, poderia ter restado algum modesto legado, ao menos de natureza progressista e nacionalista, de forma que pudéssemos valorizá-lo frente aos planos do governo puro sangue do capital que deveria advir, como em geral acontece com os governos que se elegem prometendo mudanças a favor do povo e não as efetivam.

Que correlação de forças um eventual governo da direita na Venezuela enfrentaria para desmontar as conquistas da chamada revolução bolivariana e golpear a organização popular? Em quanto tempo? E com que custo político e social?

E qual é o legado que ficará dos governos petistas?

Até na Argentina, onde as mudanças foram moderadas, o novo governo direitista está sendo obrigado ao desgaste de desmontar o legado de Nestor e Cristina, como as medidas contra o monopólio da mídia, entre elas o canal aberto à programação contra-hegemônica da Telesur e a Lei dos Meios (um terço da transmissão em rádio e televisão para as organizações sociais e outros terços para os setores públicos e privados).

Mas voltemos às metáforas, porque o cavalo está passando novamente encilhado para o PT, talvez pela derradeira vez, simbólicos 13 anos depois: o PMDB, que estava “costeando o alambrado”, desembarcou do governo em que era importante coadjuvante, planejando ser o ator principal dentro de pouco tempo. Possivelmente trata-se do mesmo cavalo, sem a mesma exuberância, mas ainda com alguns sonhos e ilusões. Voltou com a saída do PMDB, imaginando que não há mais esse obstáculo que impeça o governo petista de, pelo menos, como a mulher de Cesar, parecer reformista.

Infelizmente, não acredito que o PT vá aproveitar esta oportunidade para virar alguns centímetros à esquerda: é presa e vítima de sua política de conciliação de classe. Lamentavelmente, continuará à frente do balcão de negócios, desta vez com outros políticos e legendas de aluguel, de terceiro escalão, que não têm ao menos a história, o charme discreto e a coerência política do velho sem vergonha PMDB. O PT pode até garantir a manutenção do seu governo, mas será mais e pior do mesmo. O seu discurso de esquerda só voltará se for para a oposição ou, como sempre, nas próximas eleições.

Como tem insistido o PCB, o resultado do processo de impeachment, seja qual for, será contra os trabalhadores, para os quais a correlação de forças e a ofensiva do capital será pior.

Diferente de outros países da América Latina, no Brasil um eventual governo com a cara própria do capital não precisará mudar a política econômica neoliberal herdada de FHC nem as leis privatizantes e restritivas das liberdades, como a lei antiterrorista, a da abertura do pré-sal, da “reforma política”. Basta assumir a máquina e acelerar.

Quanto mais se aprofundar a crise do capitalismo, mais se acirrará a luta de classes. Para os trabalhadores, a única saída é a organização e mobilização, de forma independente, para enfrentar a conjuntura adversa e criar um novo patamar da luta pela superação do capitalismo, com o Poder Popular, a caminho do Socialismo e da sociedade sem classes, o Comunismo.

(*) Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB

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