8 de março de 2017: as trabalhadoras com as mãos duplamente atadas

imagemPor Ester Kandel / Resumen Latinoamericano/ 28 de fevereiro de 2017 – Dizemos duplamente atadas porque as velhas receitas, endividamento e reformas trabalhistas, voltam a reger nossas condições de vida, portanto, continua a relação classe-gênero, denunciadas cotidianamente pelas trabalhadoras.

Ante a ofensiva do grande capital, através de seus porta-vozes misóginos e racistas, nós mulheres ouvimos novamente nas ruas várias reivindicações, desde poder decidir sobre nossos próprios corpos, garantindo a vida e exigindo uma vida digna através de trabalhos genuínos, educação e saúde, sem violência e sem discriminação laboral, para nós e para o conjunto da população.

Todos os dias dizemos NEM UMA A MENOS e, no entanto, todos os dias a violência de seus parceiros deixa mais uma sem vida.

Também nos colocam como modelo os países desenvolvidos, sendo estes denunciados no domingo, dia 22 de janeiro do corrente ano, na Marcha das Mulheres.

Com emoção lemos o discurso de Angela Davis1 em Washington, liderança dos Panteras Negras na década de 1960 que, entre outros feitos, denunciou a resistência contra os que lucram com as hipotecas multimilionárias, com a saúde privada, os ataques a muçulmanos, imigrantes, deficientes e a violência estatal perpetrada pela polícia e através do complexo industrial penitenciário, como a que se exerce às mulheres, especialmente às trans e de cor. No discurso, também exigiu liberdade e justiça para a Palestina e libertação de presos.2

“Nos próximos meses e anos, seremos convocados para intensificar demandas de justiça social e ser mais radicais em nossa defesa de populações vulneráveis. Será melhor que tenham cuidado os que ainda defendem a supremacia do heteropatriarcado branco (…)”.

Quando comemoramos o 8 de Março – o Dia Internacional das Trabalhadoras – é inevitável nos referirmos a suas origens e relacioná-lo com a atualidade.

Em 1910, durante a Segunda Conferência de Mulheres Socialistas, levada a cabo em Copenhague, Dinamarca, foi aceita a proposta apresentada pela dirigente alemã Clara Zetkin, para comemorar o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora.

A divisão em classes sociais3 também se expressou no movimento feminista: “Igualdade de direitos”, clamavam as mulheres pertencentes à burguesia, enquanto a primeira palavra de ordem das operárias foi “Direito ao trabalho”. Desde os anos 1850, as operárias lutaram pelas seguintes reivindicações:

1. Acesso aos sindicatos nas mesmas condições que os colegas masculinos.

2. Trabalho igual, salário igual.

3. Proteção do trabalho feminino (esta reivindicação apareceu em finais do século XIX).

4. Proteção geral da maternidade.

Em “Os fundamentos sociais da questão feminina”, Alexandra Kollontai se refere à igualdade política: “As feministas buscam a igualdade no marco da sociedade de classes existente. De nenhuma maneira atacam a base desta sociedade”.

Um debate que continua e que se expressa nas organizações e nas ruas de nosso país.

Quem era Clara Zetkin?

Clara Zetkin é conhecida por sua proposta para o Dia Internacional da Mulher, porém também ocultada. Nesta ocasião, temos o propósito de mostrar sua trajetória como militante socialista.

Contemporânea de Lenin, compartilhou várias reuniões internacionais e é citada por este em inúmeros artigos por suas coincidências em muitos temas e pela incidência que tinha em sua atividade pública. Isto não invalidou algumas polêmicas.

Opôs-se à Primeira Guerra Mundial por seu caráter interimperialista e apoiou a Revolução Bolchevique “com a cabeça e com o coração”4. Lenin valorizou seu apoio, pois a Revolução estava “vivendo as semanas, talvez mais difíceis”. Este reconhecimento é novamente expresso em 19185:

“Nossa situação é mais difícil porque a Revolução Russa se adiantou a outras, porém não estamos sozinhos; isso nos é demonstrado pelas notícias que quase diariamente recebemos sobre o pronunciamento a favor dos bolcheviques dos melhores socialdemocratas alemães, (…) na imprensa legal alemã, primeiro por Clara Zetkin, depois por Franz Mehring (…)”. p.471

Da mesma maneira, Lenin reconhece a Liga de Spartacus, da qual pertenciam os citados junto de Liebknecht e Rosa Luxemburgo.6 Em 21 de janeiro de 1919, repudia o “bestial e hediondo assassinato” destes últimos.

Em 1907, no Congresso Internacional Socialista de Stuttgart7 foi participante do debate e resoluções sobre:

· Os regimes de escravidão que defendem os países colonialistas, exemplificando-se que “a burguesia inglesa obtém mais receitas de centenas de milhões de habitantes da Índia e de outras colônias suas que dos operários ingleses”.

· Pelo sufrágio universal simultaneamente para homens e mulheres. Produziu-se um debate entre os/as socialdemocratas alemães e austríacos/as. Estes últimos relegaram a segundo plano a reivindicação de igualar a mulher ao homem. Foram criticados por enfraquecerem a força do movimento de massas.

· A relação entre partidos socialistas e sindicatos.

· Imigração e emigração.

· Sobre as respostas frente a uma guerra, em debate com outras posições, Lenin assinalou: “Não se trata de impedir unicamente o desencadeamento da guerra, mas de aproveitar a crise por ela provocada para acelerar a derrubada da burguesia”.

Uma vez desatada a guerra dentro dos partidos socialistas, existia uma corrente pacifista que apenas propunha a paz. Em torno desta posição, se produziu uma polêmica. Entre outros conceitos, Lenin assinalava que “nas conferências internacionais não podemos limitar nosso programa ao que é aceitável para estes elementos, pois de outro modo nós mesmos seríamos prisioneiros desses pacifistas vacilantes. Assim, ocorreu, por exemplo, na Conferência Internacional de Mulheres celebrada em Berna”.8

No artigo Socialismo e a guerra (1914-1915) 9, Lenin assinalava a seguinte crítica:

“Nela, a delegação alemã, que defendia o ponto de vista da camarada Clara Zetkin, desempenhou de fato o papel de ‘centro’. A Conferência de Mulheres só disse o aceitável para as delegadas do partido oportunista holandês de Troelstra e para as delegadas do I.L.P. (Partido Trabalhista Independente), que – não o esqueçamos – votou a favor da resolução de Vanderverlde na conferência de chauvinistas da ‘Entente’, ocorrida em Londres. Respeitamos profundamente o I.L.P. por sua corajosa luta contra o governo inglês durante a guerra. Contudo, sabemos que este partido não se situou nunca nem se situa atualmente no terreno do marxismo. (…).

A tarefa principal e clareza nas palavras de ordem

E consideramos que a tarefa principal da oposição socialdemocrata no momento atual é alçar a bandeira do marxismo revolucionário, dizer aos operários com firmeza e precisão o que pensamos da guerra imperialista. (…)”.

O 8 de Março de 2017

No início do texto, fazíamos referência às mãos duplamente atadas e à necessidade por parte das classes dominantes de maior controle social e sindical. Também é certo, como afirma Julio Gambina:

“Nos EUA, como em nosso país ou qualquer território, não existe só a vontade dos governantes. Os povos também têm voz e podem ser parte da articulação de projetos sociais, econômicos e políticos que definam processos civilizatórios de caráter alternativo”.11

Com base no assinalado no ano anterior11:

Em todo o tempo transcorrido conquistamos e perdemos, em uma luta permanente na vida cotidiana. Assim, os temas que nos convocam este 8 de Março os podem ser sintetizados da seguinte maneira:

· Relação da economia, o desenvolvimento social e cultural e a inserção laboral das mulheres.

– A dupla opressão, classe e gênero.

– A relação entre a produção e a reprodução.

– O sentido das tarefas domésticas e o cuidado das crianças.

– A relação classe-gênero ou a contradição entre os sexos.

Exigindo políticas efetivas a favor de:

• trabalho digno

• atenção à primeira infância (creches e/ou ensino infantil)

• educação sexual para decidir

• anticoncepção para não abortar

• aborto legal, seguro e gratuito para não morrer

E contra:

• o assédio sexual no trabalho

• a violencia familiar, laboral e obstétrica

• a violência sexual

• o tráfico de mulheres e meninas

30 de janeiro de 2017

Publicado em CTA AUTÔNOMA – Capital – 31 de janeiro de 2017

1. É uma filósofa, política marxista, ativista afro-americana e professora do Departamento de História da Consciência na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, Estados Unidos.

2. “Celebramos a futura libertação de Chelsea Manning e a de Oscar López Rivera e pedimos liberdade para Leonard Pellier, Mumia Abu-Jamal e Assaata Shakur”.

3. Op. cit. “As classes são grandes grupos de pessoas que se diferenciam umas das outras pelo lugar que ocupam em um sistema de produção social historicamente determinado, pelas relação em que se encontram com relação aos meios de produção (relações que, em grande parte, são estabelecidas e fixadas por leis), por seu papel na organização social do trabalho e, por consequência, pelo modo e pela proporção com que obtém a parte da riqueza social de que dispõem. As classes são grupos humanos, um dos quais pode apropriar-se do trabalho do outro em virtude dos diferentes lugares que um e outro ocupam em um determinado regime de economia social”. Po. Cit., Una gran iniciativa, T.29, p.413.

4. Lenin, V. I., A.C. Zetkin, p.351 carta enviada em 26 de julho de 1918. T. 35, Obras completas, Ediciones Cartago, 1960.

5. Op.cit., Palabras de clausura del informe sobre el momento actual [Palavras de clausura do informe sobre o momento atual], 28 de junio de 1918, T. 27, p.468.

6. Op.cit, Carta a los obreros de Europa y de Norteamérica [Carta aos trabalhadores da Europa e da América do Norte], T.28, p.30

7. Op.cit, T. 13, p.69.

8. Kandel Ester, Apresentação no Seminário EL IMPERIALISMO HOY – A 100 años del libro de Lenin: El imperialismo, fase superior del capitalismo – La relación entre la opresión imperialista y la opresión a las mujeres [O Imperialismo Hoje – 100 anos do livro de Lenin: O imperialismo, fase superior do capitalismo – A relação entre a opressão imperialista e a opressão às mulheres], Publicado en ACTA y CTA Capital, em 23 de maio de 2016.

9. Op. cit, T. T. 21, p. 331.

10. Gambina, Julio. Entre Davos, Trump y las expectativas del gobierno Macri – Davos atiende la agenda de la riqueza con preocupación por la desigualdad [Entre Davos, Trump e as expectativas do governo Macri – Davos atende a agenda da riqueza com preocupação pela desigualdade], 20 de janeiro de 2017.

11. Kandel, Ester, 8 de marzo precarizado [8 de março precarizado], Publicado por ACTA, 26 de fevereiro de 2016 – CTA Capital.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/02/28/8-de-marzo-2017-las-trabajadoras-con-las-manos-doblemente-atadas/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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