Breve História da OTAN (partes V e VI)
Manlio Dinucci
Com a guerra no Afeganistão a OTAN concretiza o seu novo «conceito estratégico»: intervir em todo o lado em que os EUA e as outras potências imperialistas ocidentais considerarem estar em causa os seus interesses. Seguiu-se o Iraque. Em ambos os casos a OTAN passa por cima e apropria-se de competências das missões da ONU. Na sequência da intervenção na Jugoslávia, prossegue e intensifica-se a destruição de estados soberanos e o massacre dos seus povos.
Afeganistão: a primeira guerra da OTAN fora da zona euro-atlântica
O motivo real da intervenção EUA/OTAN no Afeganistão não foi a sua libertação dos talibans, que tinham sido treinados e armados no Paquistão numa operação dirigida pela CIA para a conquista do poder em Kabul, mas a ocupação desta zona de importância estratégica primordial para os EUA.
O Afeganistão é o ponto de cruzamento entre Médio-Oriente, Ásia central, meridional e oriental. Nesta zona (no Golfo e no Mar Cáspio) encontram-se as maiores reservas petrolíferas do mundo. Encontram-se também três grandes potências – China, Rússia e Índia – cuja força se encontra em vias crescimento e de aumento de influência na organização mundial. Tal como o Pentágono previra no seu relatório de 30 de setembro de 2001, «existe a possibilidade da emergência na Ásia de um rival militar com uma base de recursos formidável».
A decisão de deslocar forças para o Afeganistão, como primeiro passo para estender a presença militar dos EUA na Ásia central, será tomada em Washington não depois do 11 de setembro, mas antes dele. É isso que revelam fontes fiáveis, segundo as quais “o presidente Bush, dois dias antes do 11 de setembro, estava prestes a assinar um plano detalhado que previa operações militares no Afeganistão» (NBC News, 16 de maio de 2002): antes portanto do ataque terrorista que oficialmente motiva a guerra no Afeganistão estava já sobre a mesa do presidente o «plano de guerra que a Casa Branca, a CIA e o Pentágono puseram em prática após o 11 de setembro».
No período que antecede o 11 de setembro de 2011, surgem na Ásia fortes sinais de uma reaproximação entre China e Rússia que se concretizam quando, em 17 de julho de 2001, os presidentes Jiang Zemin e Vladimir Putin assinam em Moscou o «Tratado de boa vizinhança, amizade e cooperação», definido como uma «pedra angular» nas relações entre os dois países. Embora sem o declarar, Washington considera a reaproximação entre China e Rússia como um desafio aos interesses dos EUA na Ásia, no momento crítico em que os EUA tentam, antes que outros o façam, ocupar o vazio que a desagregação da URSS deixou na Ásia central. Uma posição geoestratégica chave para o controlo desta zona é a do Afeganistão.
Sob a justificação oficial de perseguir Osama Bin Laden, designado como o mandante dos ataques de 11 de setembro em Nova Iorque e Washington, a guerra começa em 7 de outubro de 2001 com o bombardeamento do Afeganistão efetuado pela aviação dos EUA e britânica. Anteriormente tinham sido infiltradas forças especiais em território afegão com a missão de preparar o ataque com a Aliança do norte e outras formações anti-taliban. Debaixo de bombardeamentos massivos e a ofensiva terrestre da Aliança do norte, as forças taliban, às quais se juntam voluntários provenientes do Paquistão e de outros países, são obrigadas a abandonar Kabul em 13 de novembro.
O Conselho de segurança da ONU autoriza então, por meio da resolução 1386 de 20 de dezembro de 2001, a constituição da Isaf (Força internacional de assistência à segurança). A sua missão é a de assessorar a autoridade afegão interina em Kabul e arredores. Segundo o artigo VII da Carta das Nações Unidas, o emprego das forças armadas disponibilizadas por membros da ONU para tais missões deve ser estabelecido pelo Conselho de segurança assistido pelo Comitê de estado-maior, composto pelos chefes de estado-maior dos membros permanentes do Conselho de segurança. Embora este Comité não exista, o Isaf permanece como uma missão ONU até Agosto de 2003, cuja direção vai ser confiada sucessivamente à Grã-Bretanha, Turquia, Alemanha e Países Baixos.
Mas, bruscamente, em 11 de agosto de 2003 a OTAN anuncia ter «assumido o papel de liderança da Isaf, força sob mandato da ONU». É um autêntico golpe de força: nenhuma resolução do Conselho de segurança autoriza a OTAN a assumir tal liderança, ou seja, o comando da Isaf. É apenas após o golpe consumado, na resolução 1659 de 15 de Fevereiro de 2006, que o Conselho de segurança «reconhece o envolvimento continuado da NATO na direção da Isaf».
Após 11 de agosto de 2003 já não é a ONU mas a OTAN quem dirige a missão: o quartel general da Isaf encontra-se de fato inserido na cadeia de comando da OTAN, que escolhe sucessivamente os generais que chefiarão a Isaf. Tal como é sublinhado em um comunicado oficial, «a OTAN assumiu o comando e a coordenação da Isaf em agosto de 2003: esta missão é a primeira fora da zona euro-atlântica na história da OTAN». A missão Isaf encontra-se portanto inserida na cadeia de comando na qual se integram militares italianos atribuídos à Isaf, com helicópteros e aviões, incluindo caças-bombardeiros Tornado.
VI
A guerra EUA/OTAN no Iraque
O plano estadunidense de atacar e ocupar o Iraque torna-se uma evidência quando, depois da ocupação do Afeganistão em novembro de 2001, o presidente Bush em 2002 o coloca em primeiro lugar entre os países integrando o «eixo do mal».
Após a primeira guerra do Golfo em 1991, o Iraque foi submetido a um duro embargo que provocou em dez anos cerca de um milhão de mortos, dos quais cerca de meio milhão eram crianças. Massacre que, além da desnutrição crónica e da falta de medicamentos, foi provocado também pela carência de água potável e pelas doenças infecciosas e parasitárias que daí decorrem. Os EUA – documentos descobertos mais tarde demonstram-no – executaram um plano preciso: antes de mais bombardear as estações de depuração de águas e os aquedutos para provocar uma crise hídrica, e depois impedir, através do embargo, que o Iraque pudesse importar sistemas de tratamento de águas. As consequências sanitárias estavam claramente previstas desde o início e foram programadas de modo a acelerar o colapso do Iraque. Nos anos seguintes à primeira guerra, outras vítimas serão provocadas pelos projéteis de urânio empobrecido, massivamente utilizadas pelas forças dos EUA e aliadas nos bombardeamentos, tanto aéreos como terrestres.
A segunda guerra contra o Iraque revela-se contudo mais difícil de justificar do que a efectuada em 1990-1991. Ao contrário do que sucedera então, o Iraque de Saddam Hussein não realiza qualquer agressão e cumpre a resolução 1441 do Conselho de segurança das Nações Unidas, permitindo aos inspetores a entrada em todos os locais para verificar a eventual existência de armas de destruição massiva (que não serão encontradas). Em consequência, torna-se mais difícil para os EUA criar uma justificação «legal» para a guerra e, nessa base, obter uma aprovação internacional análoga à recebida em 1991.
Contudo, a administração Bush está decidida em chegar às últimas consequências. Fabrica então uma série de «provas», logo de seguida reconhecidas como falsas, sobre a presumível existência de um volumoso arsenal de armas químicas e bacteriológicas que o Iraque teria na sua posse, e sobre a presumível capacidade de o Iraque construir a breve prazo armas nucleares. E, como o Conselho de segurança da ONU se recusa a autorizar a guerra, a administração Bush pura e simplesmente contorna-o.
A guerra começa em 20 de março de 2003 com o bombardeamento aéreo de Bagdá e de outros centros pela aviação estadunidense e britânica e com o ataque terrestre feito por marines entrados no Iraque através do Kwait. Em 9 de abril as tropas estadunidenses ocupam Bagdá. A operação, denominada «Iraqui Freedom», é apresentada como «guerra preventiva» e «exportação da democracia». É assim posto em prática o princípio enunciado no Quadrennial Defense Review Report (30 de setembro de 2001): «As forças armadas estadunidenses devem, sob a direção do Presidente, conservar a capacidade de impor a vontade dos EUA a não importa qual adversário, incluindo estados e entidades não-estatais, de modificar o regime de um estado adversário ou de ocupar um território estrangeiro até que esses objetivos estratégicos estadunidenses estejam concretizados».
Contudo, para além da «vontade dos EUA», há a vontade dos povos em lhe resistir. É o que vem a suceder no Iraque, onde as forças de ocupação estadunidenses e aliadas – incluindo as forças italianas envolvidas na operação «Antique Babylone» – às quais se juntam os mercenários de empresas privadas, deparam-se com uma resistência com que não pensavam ir deparar, apesar da muito dura repressão que provoca (apenas em resultado de acções militares) dezenas de milhares de mortos entre a população.
Como a resistência iraquiana encrava a máquina de guerra estadunidense e aliada, Washington recorre à antiga mas sempre eficaz política de «dividir para reinar», fazendo concessões a certos grupos xiitas e curdos a fim de isolar os sunitas. No caso de essa operação não resultar, Washington tem pronto um plano de reserva: desagregar o Iraque (tal como já fizera com a Federação Iugoslava) de modo a poder controlar as zonas petrolíferas e outras zonas de interesse estratégico por meio de acordos com os grupos de poder locais.
É com esse objectivo que a OTAN oficialmente intervém, embora tenha de fato participado na guerra com as suas próprias estruturas e forças. É instituída em 2004 a «Missão OTAN de treino» com o objetivo declarado de «ajudar o Iraque a criar forças armadas eficientes». Entre 2004 e 2011 serão treinados, em 2000 cursos especiais levados a cabo em países da Aliança, milhares de militares e polícias iraquianos a quem são igualmente entregues armas doadas por esses mesmos países. Simultaneamente, a OTAN envia para o Iraque instrutores conselheiros, incluindo italianos, para «ajudar o Iraque a criar o sei próprio setor de segurança segundo orientação democrática e durável» e para «estabelecer uma parceria de longo prazo entre a OTAN e o Iraque».
(Continua)
https://www.odiario.info/breve-historia-da-nato-de-1991-3/