Quando a modernização representa tempos de escravidão
Por Daniel Araújo Valença, colaborador dos Jornalistas Livres*
Quem imaginaria que, após tanta nova tecnologia, teríamos que expor a mulheres, fetos e crianças a ambientes de trabalho prejudiciais à saúde?
A Lei 13.287/2016, promulgada no governo Dilma e antes do golpe de Estado, alterava a CLT para prever que:
“Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”.
Perceba que uma das maiores mentiras dos defensores da reforma trabalhista cai por terra em poucas linhas. A CLT nasceu em 1943, mas, de lá para cá, foi sempre alterada, inclusive imediatamente antes do golpe de Estado bancado pelos proprietários de empresas, latifúndios e meios de comunicação.
Se a Lei 13.287/2016 protegia as mulheres, fetos e crianças – em verdade, a toda a população que trabalha, pois ninguém quer ver alguém da família desenvolvendo doença grave simplesmente para assegurar um lucro maior de um patrão – a reforma trabalhista nos leva de volta a tempos de escravidão, em que tudo pode vir a acontecer:
“Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação”.
Ao permitir o direito de mulheres afastarem-se de atividades insalubres caso apresentem atestado médico, a reforma cumpre, de maneira sutil, o papel oposto: permitir que mulheres em estado de gravidez trabalhem em atividades insalubres de grau baixo e médio, bem como, em período de amamentação, trabalhem em atividades insalubres de até grau máximo – exceto se toparem arcar com o ônus de apresentar atestado médico à empresa e todas as conseqüências de ir de encontro aos interesses de seus patrões.
Mas tem mais, cara trabalhadora, trabalhador ou parente de trabalhadora: a reforma trabalhista diz que acordos e convenções coletivas prevalecerão sobre a lei quando se tratar, dentre vários outros temas, de enquadramento do grau de insalubridade:
“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: […] XII – enquadramento do grau de insalubridade”
Em 2016 avançamos quanto à proteção da mulher – e de toda a sociedade que vive do seu próprio trabalho. Mas, agora, este governo ilegítimo e os parlamentares que o apóiam querem uma escravidão modernizada; um país de pessoas doentes – uma sociedade doente – e, para completar, sem seguridade social para resguardá-las. É claro que estas previsões – e outras mais que veremos nos próximos textos – são inconstitucionais; mas, apenas a organização, consciência de classe e mobilização de trabalhadores e trabalhadoras farão as elites brasileiras recuarem.
Nota
1. Trata-se do primeiro texto de uma série voltada a popularizar as alterações provocadas pela reforma trabalhista, a partir dos interesses de trabalhadores e trabalhadoras, e contribuir para a campanha da CUT de anulação dessa medida nefasta às trabalhadoras e trabalhadores brasileiros em geral.
*Daniel Araújo Valença, professor de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-árido, colaborador dos Jornalistas Livres.
https://jornalistaslivres.org/2017/11/quando-modernizacao-representa-tempos-de-escravidao/