Hipersexualização do corpo da mulher negra

imagemPor Paula Santos*

A hipersexualização da mulher negra teve seu início no sistema escravista, onde foram objetificadas e tiveram seus corpos coisificados e abusados. Isto perpetuou aos dias atuais, através de todo um legado histórico. Dentro dos chamados navios negreiros, homens e mulheres eram trazidos à Colônia em condições de extrema barbárie para serem vendidos ou trocados como mercadoria e separados em funções de acordo com a divisão sexual do trabalho. As mulheres negras, vendidas ou trocadas, exerciam a função de lavar, passar, cozinhar e servir. Mas sempre visualizadas como objeto. Para além do trabalho durante o dia, as mulheres negras recebiam visitas noturnas tanto dos senhores de engenhos, quanto dos filhos deles. Para melhor sondar esta parte da história, a miscigenação traz com ela um legado colonial perverso, o racismo e violência sofridos pela mulher negra, que iniciavam a vida sexual dos homens brancos. O país que exalta tanto a miscigenação ignora como ela se perpetuou, por meio de uma das piores formas de violência que uma mulher pode sofrer, em cima da violação de corpos negros e indígenas.

Devemos ressaltar aqui a história de Saartije Baartman, nascida na África do Sul, em 1789. Observamos um exemplo da vida de uma mulher negra submetida a servidão e a crueldade, com seu corpo violentamente hipersexualizado, cujas características físicas tornaram-na objeto de exibição em circos, feiras e teatros. Devido aos traços físicos, a Vênus Hotetontes como passou à posteridade, era exibida numa jaula, acorrentada para acentuar seu suposto caráter animalesco. Mesmo depois de sua morte, aos 26 anos, Saartije teve o corpo vilipendiado ao ser distribuído em frascos de formol e exibido em museu.

Atualmente, a hipersexualização da mulher negra também se mantém nos espaços midiáticos e reaparecendo nos mais diversos contextos. Isso inclui assédio e abuso na infância, violência sexual, tráfico humano e exploração, violência por parceiro íntimo, entre outras. A violência do racismo, a humilhação social às mulheres negras, traz consigo caráter histórico abusivo e perverso que se articulam na perpetuação da ideologia dominante e do sistema capitalista, numa construção social que interfere de forma desumana na vida da mulher negra, humilhando e inferiorizando a mesma, por sua cor, por seus traços e sua classe.

Segundo os dados da Central de Atendimento à Mulher, relativos ao ano de 2013, apontam que 59,4% dos registros de violência doméstica no serviço referem-se a mulheres negras. O Dossiê Mulher 2015, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, aponta que 56,8% das vítimas dos estupros registrados no Estado em 2014 eram negras. O Ministério da Justiça aponta ainda que esse segmento populacional é maioria entre as vítimas de tráfico de pessoas. E, de acordo com o Ministério do Trabalho, são também a maioria entre as vítimas de assédio moral e sexual no trabalho. Os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) de 2012 indicam que as mulheres negras são 62,8% das vítimas de morte materna. Correspondem também 58, 86% das mulheres vítimas de violência doméstica; 53,6% vítimas de mortalidade materna; 65,9% das vítimas de violência obstétrica; 68,8% das mulheres mortas por agressão; 56,8% das vítimas de estupros registrados no Estado do Rio de Janeiro em 2014 Dossiê Mulher RJ (ISP/2015).

Acreditamos que as discussões sobre a sexualização do corpo negro devem ser cada vez mais intensas, resgatando a força de várias mulheres negras que resistiram assim como Saartije, por nunca terem sido tratadas como um ser humano, que deixou uma história indispensável às mulheres negras, para que entendamos o quanto isso afeta todos os aspectos de nossas vidas, tanto pessoal, profissional, emocional e outros. O combate ao racismo precisa ser organizado junto com a classe trabalhadora, para que com esta força gigantesca possa libertar dos grilhões da escravidão moderna os setores mais oprimidos de nossa sociedade composto por milhões de mulheres negras que carregam em suas costas uma deixa desumana de raízes escravistas. E isso só será possível acerca de uma imensa transformação de todas as bases sociais que condicionam a humanidade!

Resistimos e lutamos. Não nos calaremos.

*Estudante secundarista do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), militante do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e da União da Juventude Comunista (UJC).

Fontes:

BRASIL. Dossiê Violência e racismo. Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/…/violencia-e-raci…/> Acesso em: 27 nov. 2017

FERRAZ, A. As Vênus negras. Carta Capital, 2015. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/…/as-venus-negras-556…/@@amp>
Acesso em: 27 nov. 2017

PEREIRA, J. Premissas históricas sobre a relação de exploração e opressão de gênero raça/etnia e sexualidade no Brasil. Desfazendo o gênero, 2017. Disponível em: <http://desfazendogenero.com/…/up…/2017/08/ARTIGO-DG-ST40.pdf> Acesso em: 27 nov. 2017

TRISTAN, J. Mulheres negras, capitalismo e revolução. Esquerda diário, 2017. Disponível em: <http://www.esquerdadiario.com.br/Mulheres-negras-capitalism…> Acesso em: 26 nov. 2017.

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