Manifestações brandas

imagemPascual Serrano

Publicado em Mundo Obrero, 20/03/2018

O problema das manifestações de aluvião, isto é, sem estrutura organizativa, sem objetivo definido e sem ativismo estável, é duplo. Por um lado, a pouca eficácia; com o mesmo ímpeto com que é criada, a manifestação acaba e se dilui. A ambiguidade dos objetivos, a renúncia à “contaminação” com organizações previamente existentes, a indefinição nos assuntos mais polêmicos permitem despertar simpatia em uma base social maior. Mas isso, por sua vez, supõe uma coesão mais fraca e uma imaturidade para começar a tempo ou enfrentar o debate ou a complexidade de implementar uma organização estável. São como esses grupos de Facebook, que são criados para causas pontuais, crescem de forma exponencial e esfriam com a mesma velocidade.

Por outro lado, se os setores reacionários percebem que a reivindicação é tão massiva quanto ambígua e abstrata, vão se somar para não ficar fora da foto e assim colaborar, ainda mais, para sua desmobilização e sua inofensividade para o sistema.

Começou com os chamados Fóruns Sociais no início dos anos 2000. Toda uma galáxia de coletivos de diversas naturezas, que negavam os partidos políticos (especialmente na Europa), que inclusive tinham como princípio, não tomar o poder, mas criar uma sociedade desde baixo, que se reunia de tempos em tempos sem uma grande estrutura formal, sem líderes e sem hierarquia. Depois de alguns anos, as ONGs financiadas por fábricas de pensamento (“think thanks”) conservadoras estavam presentes com a palavra de ordem “outro mundo é possível”. “O que tem de errado dizer que outro mundo é possível?”, pensaram muitos poderosos, “se nem querem derrubar os governos”. Hoje não resta nada disso.

Veio o 15M na Espanha, vieram as primaveras em outros países. Concentrações massivas sob os gritos de indignados. Horizontalidade, heterogeneidade, diversidade, pluralidade, cirandas, saudações ao sol… Aversão a partidos políticos e sindicatos, não importava de qual campo político eram. Houve umas eleições e um gesto era pintar um nariz de palhaço nos candidatos de todos os cartões eleitorais, a todos, sem distinção. Nas assembleias, o marionetista e o jovem gerente indignado e frustrado, com três idiomas e outros três mestrados, eram mais aplaudidos que o sindicalista veterano. Proclamavam a indefinição política e a rejeição aos parlamentos e deputados, proibiram as bandeiras sob as quais lutaram para que hoje eles possam ser livres. Não pediram a estatização dos bancos nem a expropriação dos latifúndios, mas sim que não houvesse subsídio para os partidos políticos nem para os sindicatos. Eles já são passado.

Há algumas semanas vivemos a greve feminista. É verdade que havia um documento de quase 30 páginas de reivindicações, mas quase nada foi lido. O clamor era que as mulheres recebessem o mesmo que os homens, que seus parceiros não as agredissem ou matassem, que não fossem coisificadas, que tivessem mais representação em todos os setores e esferas da sociedade. Não foram apresentar concretamente quais medidas legais seriam necessárias para executar tudo isso, ou quais leis deveriam ser revogadas, quem deve renunciar por não trabalhar para estes objetivos (começando com a ministra da Igualdade, que manifestou ser contra o feminismo), quais normas os meios de comunicações devem cumprir para combater o machismo, como deve terminar a arbitrariedade empresarial para realizar a igualdade… Novamente, falta de especificidade, de estabilidade organizativa, de escalada de mobilizações. Sem essas medidas concretas, com uma mera declaração de intenções e com todo clamor para sustentá-las, era inevitável que se convertessem em campeãs do feminismo a Rainha Letizia, Albert Rivera, as emissoras de TV que alardeavam a greve das mulheres em suas redações (nunca visto, uma empresa orgulhosa de exibir uma greve entre seus trabalhadores), Ana Rosa Quintana e até mesmo Rajoy desaprovando seus ministros que criticaram a greve. Com a exceção de quatro reacionários da direita, todos terminaram o dia satisfeitos. As pesquisas disseram que 85% dos espanhóis concordaram com as reivindicações, ou seja, incluindo os empresários que pagam menos para as mulheres, homens que se beneficiam de desigualdade e os publicitários que usam o corpo da mulher como uma isca.

É curioso: os cientistas políticos falam de golpes de Estado brandos, para aqueles em que chegam a derrubar governos legítimos. Por outro lado, nós acreditamos que estamos fazendo fortes revoluções, mas deixamos o sistema intacto. Eu acho que o inimigo nunca age de forma branda e nós nunca agimos com força suficiente.

Comentário de Atílio Boron: “[As manifestações brandas] podem ser qualificadas como protestos catárticos que não modificam, a não ser no plano teatral da vida política, a correlação de forças existentes”.

Texto Original: http://pascualserrano.net/es/noticias/movilizaciones-blandas/

Comentário Atílio Boron <https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=1829313343787588&id=158512757534330>

Tradução de Gabriel Colombo – Secretário Político do PCB de Piracicaba