A feminização do trabalho
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – SP
A classe trabalhadora não é uma massa homogênea e, para entender o mundo do trabalho na sociedade capitalista, há a necessidade de se aprofundar sobre as particularidades da exploração da força de trabalho da mulher, que é superexplorada e se apresenta de forma diferente. Ou, conforme Antunes (1999 apud CISNE, 2013):
As relações entre gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a infância e a escola, diferentemente qualificados e capacitados para o ingresso no mercado de trabalho. E o capitalismo tem sabido apropriar-se desigualmente dessa divisão sexual do trabalho.
Sabemos que as mulheres, em virtude da divisão social do trabalho, aqui entendida de acordo com Karl Marx como parte constitutiva da organização do processo de trabalho, ocupam um lugar no qual sua força de trabalho serve ao capital para a produção de riqueza, mas também para a manutenção e reprodução de sua própria força de trabalho, bem como de outros trabalhadores.
Engels (2012), em “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, aponta que a família monogâmica foi a primeira forma de família baseada em condições econômicas e no triunfo da propriedade privada sobre a coletiva. A entrada das mulheres no mercado de trabalho capitalista se deu durante a Revolução Industrial, já que o uso das máquinas e equipamentos possibilitaram substituir a força muscular. Assim, o capitalista começou a utilizar sua força de trabalho, como a das crianças, aumentando o contingente de trabalhadores assalariados ou, nas palavras de Marx, “lançando à máquina todos os membros da família do trabalhador no mercado do trabalho, repartindo o valor da força de trabalho do homem adulto pela família inteira” (MARX, 1971 apud NOGUEIRA, 2004).
A partir de então e, tendo em vista ainda as etapas de desenvolvimento das forças de produção capitalistas, podemos dizer que houve uma ampliação da exploração do trabalho da mulher, erigindo, aí, uma intensificação desse fenômeno a partir das características também da divisão sexual do trabalho, que leva em conta as características atribuídas socialmente às mulheres, tais como o cuidado, a paciência, a possibilidade de realização de várias atividades ao mesmo tempo e a resiliência. Ou seja, a feminização do trabalho.
Nesse sentido, a feminização do mundo do trabalho tem determinações importantes para a produção e reprodução do capital. Na esfera pública, a força de trabalho da mulher é superexplorada, devido aos baixos salários, desvalorização, subordinação e, na esfera privada, a mulher é responsável pela manutenção da força de trabalho dos filhos, do marido e de si própria. Claudia Mazzei Nogueira, em seu artigo “A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização”, situa essa etapa da exploração na crise do taylorismo/fordismo, o que levou, nos anos 80/90, o capital a se reorganizar com a desregulamentação dos direitos trabalhistas e as privatizações do Estado, causando uma precarização das condições de trabalho, que recaiu também e principalmente sobre as mulheres trabalhadoras.
Assim, apesar do aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, esse quadro desvalorizou o trabalho feminino e o pauperizou, flexibilizando cada vez mais suas condições, sendo um exemplo disso o trabalho em tempo parcial realizado majoritariamente por mulheres. A autora cita ainda que as mulheres foram utilizadas pelo capital como instrumentos para flexibilizar as condições e as leis de trabalho, atingindo inclusive a força de trabalho masculina (NOGUEIRA, 2004).
No mundo do trabalho, segundo pesquisa do Dieese (2013 apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, 2015), as mulheres hoje representam cerca de 50% da força de trabalho, no Brasil. Deste contingente, 40% das mulheres trabalham em situação precária. Das que trabalham em situação precária, 70% são negras e 15% são trabalhadoras domésticas. Além disso, a mulher sofre dentro de seu local de trabalho com o machismo e as relações de poder. Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego (apud Caderno de Resoluções do Coletivo Feminista Ana Montenegro, 2015) revelam que 73% dos assédios morais são sofridos por mulheres, na sua maioria negras. E quando se fala dos assédios sexuais, os números são mais assustadores: 99% dos casos denunciados são de mulheres assediadas por homens.
A inserção das mulheres no mundo do trabalho pode parecer uma grande conquista de emancipação, mas é necessário que se vá para além das aparências para entendê-la como parte da própria contradição do capital e de que a entrada de uma parcela cada vez maior de mulheres no mundo do trabalho não resolve sua emancipação. As mulheres têm de aceitar os salários mais baixos, as mais precárias condições de trabalho e os diversos tipos de violência que se pode experienciar. Além disso, a mulher continua sendo a mantenedora da esfera privada, na família nuclear, onde realiza a reprodução social da vida, na qual o trabalho doméstico, realizado majoritariamente por mulheres trabalhadoras, não é reconhecido pelo modo de produção capitalista. Isso faz com a mulher tenha uma jornada no mínimo 8 horas maior que o trabalhador médio.
Isso evidencia que o capital se opõe ao processo de emancipação da mulher: a falta de vagas em creches, a falta de restaurantes e lavanderias públicas são algumas provas desse fato, além do retrocesso e da volta da força de ideias como a que diz que mulher deve ser bela, recatada e do lar. O movimento para uma emancipação das mulheres surge da condição implacável de expansão desse sistema, que tem a necessidade de absorver a força de trabalho da mulher em um numero cada vez maior. Para que essa alteração se realize é necessário que nesse processo se resolvam algumas questões sobre a igualdade da mulher e a extinção de alguns tabus.
“A mulher é a proletária do proletário”. Assim Flora Tristan, em sua obra “União Operária”, escrita em 1843, descreve a situação da mulher trabalhadora na sociedade na qual reina o modo de produção capitalista. Ela ainda completa afirmando que a mulher não conseguirá sua emancipação se não for pelas mãos da classe trabalhadora. Tristan, precursora da I Internacional Socialista, é uma das lutadoras que nos inspiram a afirmar que, para a luta da emancipação da humanidade e da mulher trabalhadora, não é necessário apenas o combate da opressão masculina sobre a feminina, mas, também, ter como horizonte de luta a superação da relação capital/trabalho.
Bibliografia:
CISNE, Mirla. Feminismo, luta de classes e consciência militante feminista no Brasil. Tese de Doutorado. UERJ. 2013.
ENGELS, Friedrich. A Origem da família, da propriedade privada e do estado. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. 1 ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
NOGUEIRA, Cláudia M.. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização. In: ANTUNES, R.; SILVA, M. A. M. O avesso do trabalho. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
Para assistir:
Terra Fria.
Outra ode ás costureiras. https://www.youtube.com/watch?v=UpRd8UfHg7o