Militarização da Educação: vigilância a serviço do capital
Luiz Guilherme Santos*
O projeto de militarização em curso na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro e já anunciado pelo governo federal é mais uma forma do controle e vigilância sobre a juventude negra e pobre do país; uma forma de preparar o país para uma nova fase de acumulação do capital que está em pleno processo de desenvolvimento, cuja retirada dos mais diversos direitos da população é condição necessária para adequação do Brasil na nova divisão internacional do trabalho.
No Estado do Rio de Janeiro, a militarização das escolas avança sob o signo do Projeto Cuidar – que colocará dentro dos colégios egressos do serviço militar para atuar como porteiros, inspetores e psicólogos – e da criação de escolas dirigidas diretamente por autoridades policiais, conforme anunciado pela Secretaria de Educação. Apresentado como forma de resolver os problemas de violência dentro do espaço escolar, este debate não pode de forma alguma ser feito descolado da atual conjuntura política do país, sob o risco de – pela melhor das intenções – estarmos cavando a nossa própria cova, na qual, em poucos anos, estaremos sendo enterrados num aparato de vigilância e controle dentro das escolas, como nos piores momentos da ditadura.
Ao contrário do início da década, quando o governo Cabral implementou o projeto PROEIS (que colocava PMs dentro das escolas como forma de “bico oficial”), o projeto Cuidar se insere num contexto político de avanço do autoritarismo e gradual desmonte do chamado Estado Democrático de Direito, onde as próprias instituições de Estado cada vez mais abrem mão de cumprir algum tipo de papel republicano e servem explicitamente a interesses políticos e econômicos espúrios.
Este desmonte pode ser observado na judicialização dos processos políticos dos últimos anos, que culminaram na queda de Dilma Roussef e a impossibilidade de candidatura de Lula através de sua prisão; e na forma como o STF, o Executivo e o Congresso Nacional tentam de todas as formas blindar o Juiz Sergio Moro diante das acusações de ilegalidades na condução do processo criminal contra o ex-presidente. Nas favelas e periferias das grandes cidades, bem como no campo, no entanto, este Estado Democrático nunca existiu; os moradores destes lugares há décadas vivenciam ações policiais, judiciárias e paramilitares que fogem completamente a qualquer forma de legalidade.
Este desmonte encontra explicação na atual redefinição da divisão internacional do trabalho. Após a crise econômica de 2018, nos EUA, o capital encontra-se em processo de recuperação dos seus lucros e, para isso, necessita de uma ampliação da exploração do trabalho (leia-se, ampliação da extração de mais-valia) e do alargamento das fronteiras de mercado. Como país periférico, não é o Brasil que que vai ampliar seus mercados mundo afora. Ao contrário, é para o Brasil que os mercados estão se expandindo, buscando fazer de nosso país uma nova Índia ou um novo México em matéria de direitos trabalhistas, ou seja, uma mão de obra extremamente barata e volumosa, um prato cheio para empresas transnacionais. Daí explica-se a aprovação da reforma trabalhista do governo Temer e as tentativas de implementação da reforma da previdência e tributária no governo Bolsonaro (vale aqui lembrar a frase de Bolsonaro quando candidato: mais empregos, menos direitos).
Contudo, não se realiza algo deste tamanho sem resistência. Os governos tentam convencer a população – por meio de propaganda – a apoiar algo que será ruim para ela própria, e isto encontra limites. Com o avanço da retirada de direitos, as classes dominantes sabem que não podem descartar no horizonte revoltas populares de maior intensidade, e é aí que entram os aparatos repressivos de estado, como forma de contenção de uma população potencialmente revoltosa.
O sociólogo Francês Loic Wacquant argumenta, em sua obra “Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos”, que o país norte-americano saiu de um estado de bem estar social passando a um estado penal como forma de contenção das camadas mais pobres da população, em meio a conjunturas de desemprego, como forma de controlá-las e que os serviços sociais deixaram de ter função assistencial para se transformar em instrumentos de vigilância das “classes perigosas”, num mundo em que não há mais como superar a miséria, logo, ela precisa ser gerida. Ou seja, numa conjuntura de redefinição do papel de cada país no mundo do trabalho, as classes dominadas podem tornar-se cada vez mais perigosas e precisam ser controladas.
É exatamente neste ponto que entra a militarização das escolas, que encontra em Wilson Witzel e Jair Bolsonaro os personagens ideais para sua implementação; ambos sãos os cachorros loucos da burguesia para a montagem de um estado penal necessário ao atual momento de acumulação de capital. Sem qualquer constrangimento, apoiam-se numa parte significativa da sociedade que, por medo da insegurança, demandam aparatos policiais e penais cada vez mais rígidos.
Neste lento fechamento do processo político no país e nesta etapa de acumulação do capital se insere a entrada de militares para atuar nas escolas ou mesmo dirigi-las. É o controle da juventude pobre e negra disfarçado do combate à violência. A adoção de formas repressivas de fazer este combate ganha apelo emocional com a divulgação, em grandes veículos de comunicação, de agressões a professores.
Entretanto, é uma verdade inquestionável que a violência dentro das salas de aula ou nos demais espaços das instituições de ensino é um problema gravíssimo e que deve ser enfrentado. Mas a saída fácil de enxergar nos aparatos repressivos uma solução acabará se voltando contra a comunidade escolar, pois, numa conjuntura política de avanço do autoritarismo, estaremos nós mesmos, profissionais da educação, corroborando para a construção de um arcabouço militar dentro das escolas. Se a escalada autoritária e a reconfiguração do estado burguês evoluírem para o fim das liberdades civis mais básicas, as escolas já estarão preparadas para vigiar e perseguir alunos, professores e diretores que possam fugir ao controle dos governos.
O que está em jogo no nosso cotidiano de estudo e trabalho é a liberdade de cátedra, a autonomia do professor para trabalhar conteúdos que considere adequados em sala de aula, a organização sindical e do movimento estudantil, a organização por local de trabalho e a liberdade de fazer greves sem perseguições. Resolver os problemas da violência nas escolas pela perspectiva da repressão e da segurança pública é colocar um cavalo de troia dentro de um espaço de formação humana.
É necessário que estas situações sejam resolvidas pela perspectiva pedagógica e não pela via militar. A coletivização dos problemas, a decisão em conjunto sobre o que fazer com estudantes que causem algum transtorno e a antecipação dos problemas que possam vir a acontecer, além de projetos que busquem envolver os alunos e alunas com outros aspectos da vida escolar que não se limitem à sala de aula, tais como música, teatro, leitura, dentre outros, são elementos fundamentais para encararmos de frente um problema que ganha corpo a cada dia. Precisamos de melhores condições de trabalho e concursos públicos para porteiros, inspetores de alunos, servidores técnico-administrativos e professores. É a partir destes pontos que as comunidades escolares devem abordar a questão.
* Professor da rede estadual de ensino e diretor de Saúde e Direitos Humanos do SEPE-RJ