Basta de massacre aos povos indígenas!

imagemQUESTÃO INDÍGENA: MAIS DO QUE NUNCA, UM ASSUNTO DE TODA CLASSE TRABALHADORA

Gustavo Velloso – militante do PCB de São Paulo

Na terça-feira passada (27/08), um jornalista espanhol publicou em um periódico de grande circulação de seu país (o jornal ABC) um artigo intitulado “Há canibais”. Nesse texto, o autor comemora os recentes incêndios ocorridos na Amazônia brasileira, argumentando que essa poderia ser a oportunidade para levar de uma vez por todas a modernidade para uma região que, em suas palavras “esconde a maior concentração de atraso da Terra”.

O articulista (cujo nome não vale a pena mencionar, pois isso o ajudaria a conquistar a atenção desejada) justifica que o “atraso” da região amazônica consiste na existência dentro dela de “feiticeiros” e “tribos de canibais”. Ele propõe uma invasão militar da floresta, a condução para a cadeia de todos os líderes espirituais que fossem encontrados e a exibição pública das “práticas satânicas” realizadas pelos índios como forma de desmascarar a “esquerda” que os apoia.

Esse discurso (embora extremo, de tão absurdo) já é um velho conhecido nosso. Desde o período colonial brasileiro, os grupos sociais hegemônicos elaboram argumentos desse tipo para justificar e legitimar a submissão das populações indígenas aos poderes dominantes. Inicialmente, a estrutura de exploração colonial subordinada às monarquias portuguesa e espanhola (séculos XVI-XVIII). Depois, o Estado nacional brasileiro atrelado à economia mundial capitalista em suas diferentes fases (séculos XIX-XXI).

A estratégia ideológica desses grupos hegemônicos, embora tenha sofrido algumas transformações ao longo dos séculos, possui uma lógica fundamental que se mantém: associar as populações tradicionais ao “mau” (1), à “vadiagem” (2) e ao “atraso” (3) seria para eles o caminho mais fácil para justificar o uso da violência para impor aos indígenas o “bem” (1), o “trabalho” (2) e a “modernidade” (3).

Quem conhece a história do capitalismo mundial sabe bem para onde leva e o que significa o uso dessa violência: a desorganização das comunidades tradicionais, a desapropriação de suas populações, a conversão das coletividades em uma simples soma de indivíduos isolados, a propriedade privada da terra, a imposição do trabalho estranhado, proletarização. É o que Karl Marx classificou como “A assim chamada acumulação primitiva”. Nesse processo, a história dos povos indígenas americanos encontra-se com a dos camponeses europeus, dos cultivadores africanos e asiáticos etc.

Voltando à questão do pseudojornalista espanhol, o seu discurso não expressa apenas um profundo desconhecimento antropológico e etnográfico a respeito das populações indígenas da Amazônia (o último registro seguro de práticas antropofágicas na região data da época colonial). Ele expressa também uma visão de mundo e um projeto de sociedade que são compartilhados pelos setores mais reacionários e obscurantistas do planeta. Entre eles – sem dúvida o principal e mais interessado exemplo –, o atual (des)governo brasileiro de Jair Bolsonaro e sua turma. Uma visão de mundo que interpreta tudo e todos (incluindo a natureza e a força de trabalho humana) como mercadorias dotadas de valor e passíveis de apropriação para a finalidade exclusiva da acumulação de capitais. Um projeto de barbárie que pretende levar ao limite extremo a submissão completa da humanidade e dos recursos naturais aos interesses econômicos das classes hegemônicas do capitalismo.

Desde o início do mandato, Bolsonaro adotou como adversários “privilegiados” dois setores da classe trabalhadora e declarou guerra aberta contra eles: os intelectuais (incluindo professores, artistas, cientistas e produtores de cultura e conhecimento em geral) e as populações indígenas. Os motivos dessa escolha não são nada casuais, muito menos de ordem cultural ou identitária. Os intelectuais são aqueles cujo ofício envolve mais diretamente a compreensão do real, das diferentes formações sociais e de sua historicidade, condição essencial para o vislumbre de uma possibilidade de organização alternativa à ordem a mando do capital. Os povos indígenas, por sua vez, são aqueles que efetivamente vivenciam de diferentes formas outras dessas lógicas, demonstrando (a par com as experiências socialistas exitosas que historicamente conhecemos) que o mundo organizado em torno da propriedade privada não é a única realidade social possível. Muito menos a mais justa e desejável.

Um governo orientado a realizar a todo custo os interesses do lucro e do capital, utilizando para isso os mais bárbaros meios de violência e coerção, não pode aceitar a existência de agrupamentos humanos organizados em torno da propriedade coletiva dos recursos naturais em relação orgânica com o meio natural. Para combatê-los, compactua com queimadas de área florestal, com o assassinato de lideranças, extingue demarcações de terras, realiza ameaças de genocídio.

Hoje, mais do que nunca, a questão indígena entre nós não é um assunto secundário. É um problema de toda esquerda e de toda classe trabalhadora. A defesa dos grupos ameríndios é a defesa de outras vias possíveis e não capitalistas para o futuro da humanidade. É a defesa da propriedade coletiva, do trabalho não estranhado, da ampliação das nossas capacidades e possibilidades de realização humana. É também, por isso, parte indispensável da nossa defesa do socialismo.

Foto: Mayke Toscano/ GEMT (14/11/2013)

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