O lado político de Mário Lago
A escritora, Mônica Velloso, doutora em história e pesquisadora do CPDOC/FGV, tem vários trabalhos sobre a cultura carioca e em 1977 publicou “Mário Lago – Boemia e Política”, reeditado em 1988 e reimpresso em 2011, tudo pela editora da Fundação Getúlio Vargas.
O livro fala da vida e trajetória do grande compositor, autor, boêmio, carioca “na acepção mais romântica da palavra”, no dizer de Sérgio Cabral, pai, parceiro de Custódio Mesquita, conhecido pelos gestos de solidariedade e lealdade aos amigos.
Mas há um lado do famoso compositor de “Amélia”, em parceria com Ataulfo Alves, desconhecido do grande público e das novas gerações, o de militante político, na esquerda, na clandestinidade, nos quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), atividade que o levou a muitas prisões, constrangimentos, discriminações, toda sorte de risco a que estava sujeito o militante esquerdista, sobretudo na fase áurea da guerra fria.
Mário Lago ingressou no PCB, em 1934. No ano de 1948, quando Prestes completou 50 anos de idade, organizou uma festa para homenagear o seu líder, juntamente com o jornalista Pedro Motta Lima e Diógenes Arruda Câmara e escreveu um artigo sobre o seu líder, “Do cavaleiro ao camarada, em tempos de legalidade. Esse período ele relembra à autora: “ainda não existiam os programas eleitorais gratuitos no rádio e na televisão, os candidatos iam buscar votos na rua, ombro a ombro cara a cara com o povo”. E romanticamente acrescenta: “Oscar Niemeyer estava soberbo num alto de uma escada, armado de uma broxa e de uma lata de cola de farinha de trigo, participando de uma colagem de um grupo de intelectuais artistas plásticos, fez um dia de semana. As ruas cheias de gente, o céu transbordando de sol…”.
Em 1947 casa com Zeli, filha do dirigente comunista, Henrique Cordeiro, sua companheira, também, de luta, nos 40 anos seguintes que o PCB amargou na clandestinidade somente voltando à retomada da legalidade, em 1985. Em 1950, foi candidato à deputado estadual, em São Paulo, pela legenda do PST (Partido Social Trabalhista) e apesar de ter realizado uma campanha bem planejada e movimentada, não obteve êxito.
Em 1964 foi preso novamente. Esteve na Ilha das Flores, depois no presídio da Frei Caneca. Permaneceu quase 60 dias isolado, trancafiado. Libertado, começou a viver a fase mais difícil de sua vida, por momentos cruciais, desempregado, já com cinco filhos, na rua das amarguras. Os amigos o ajudaram a recompor sua vida profissional, aos poucos.
Em 1968 estreou no Teatro Municipal, no Rio, com a peça, “Os inconfidentes”, com roteiro e direção de Flávio Rangel, poesia de Cecília Meireles e música de Chico Buarque de Holanda. Vale a pena registrar o que o grande artista e compositor manifestou em discurso, numa das sessões, no final da peça. O texto foi gravado por um agente do SNI, Serviço Nacional de Informações: “Acabamos de apresentar um espetáculo que fala e luta pela liberdade. Lutar pela liberdade é uma obrigação que o homem tem diante da vida, uma luta permanente como o próprio texto diz: uma voz se despediu, uma outra nasceu. A mocidade estudantil brasileira luta juntamente com todos pelas liberdades gerais, mas também tem as suas lutas específicas por mais verbas, para que se estude melhor; contra os aumentos das anuidades, para que todos possam freqüentar as escolas… Os atores apóiam a luta dos estudantes. À saída do teatro os senhores encontrarão vários estudantes recolhendo fundos para essa luta que eles estão travando. Que as palmas que nos foram dadas se transformem em contribuição para essa luta tão importante. Muito obrigado”.
Sobre Carlos Lacerda, ele disse: “Em 1968 tive ilustres colegas de cela. Carlos Lacerda foi um. Não nos falávamos desde 1937, quando ele rompeu com o PCB. Agora estávamos do mesmo lado. Ou melhor, éramos, por motivos diferentes, inimigos da mesma Revolução”.
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