Os caminhos e impasses da América Latina
O ANO QUE ABALOU O CONTINENTE E OS CAMINHOS E OS IMPASSES PARA A AMÉRICA LATINA
Casa da América Latina – SC
Acabamos de viver um ano que colocou em cena a classe trabalhadora e os povos de nosso continente. E, para seguir em frente, precisamos remontar rapidamente ao ciclo de lutas anterior, para podermos analisar o momento presente e os desdobramentos que virão no próximo período.
Os anos 1990 foram hegemonizados no continente pelo domínio da ideologia capitalista em sua expressão dita “neoliberal”, com governos e mais governos sendo eleitos com programas políticos de privatização das empresas públicas e de retirada de direitos dos trabalhadores, mas também, dos povos originários, além do saque às riquezas naturais. Esse processo devastou o continente naquela década.
Como resposta a esse processo, começaram a vencer governos chamados progressistas, de corte antineoliberal, que chegaram ao comando dos estados por meio de eleições e em diferentes graus promoveram medidas que conduziram à chamada década de governos “progressistas”. Neste cenário, podemos observar processos políticos que tiveram diferentes radicalidades: Venezuela, Bolívia e Equador, entre estes, vivenciaram a construção de novas Constituições, aumentando a participação popular e promovendo melhorias nas condições de vida da maior parte da população.
No caso de Bolívia e Equador é importante destacar – ainda que de forma mais simbólica do que real – a afirmação dos povos originários como sujeitos políticos. Os demais governos atuaram sob uma forte política de conciliação de classes, o que em todos os casos levou ao retorno da direita/extrema-direita ao poder: casos da Argentina, Brasil, Chile, Peru, Paraguai.
Começamos o ano de 2019, no Brasil, em um cenário muito difícil para os trabalhadores e as classes populares, com a vitória de Bolsonaro, um radical de extrema-direita. Por ser o maior país da América Latina, o Brasil tem um peso geopolítico enorme e influencia na dinâmica de todo o continente. Também vivemos, no inicio do ano passado, a tentativa de derrubada do Governo de Nicolas Maduro, na Venezuela, com ameaça de intervenção militar, que teve apoio inclusive do Brasil. Além disso, tivemos o fechamento do parlamento no Peru, que ainda persiste, o golpe de estado na Bolívia, realizado pelas forças armadas, além do processo de impeachment de Mario Abdo Benítez, e a vitória da direita no Uruguai com LacallePou. Mas também tivemos, no final do ano, a vitória dos Fernandez na Argentina, derrotando eleitoralmente Macri, que expressa uma resposta da sociedade argentina às políticas de desmonte dos direitos, além da política de fome e desemprego generalizado, afinada ao que as elites latino-americanas promovem no continente.
Diante de tantos ataques, as massas trabalhadoras e populares do continente, em 2019, se sublevaram. E isto foi por todo o continente: no Haiti, Porto Rico, Panamá, Costa Rica, Honduras, as grandes greves gerais na Colômbia, as gigantescas manifestações do Equador, em outubro, contrarias ao pacote de austeridade imposto por Lenin Moreno, as mobilizações contra o golpe na Bolívia, atacando os direitos do povo na Bolívia e reiterando o racismo, e as imensas manifestações contrarias as políticas ultra liberais de Sebastian Piñera, ao longo dos últimos meses, no Chile.
O caso chileno merece especial atenção, pois é o país do modelo do que os capitalistas sempre quiseram fazer com todos os povos: eliminar direitos dos trabalhadores, saque aos recursos naturais e ao fundo públicos, serviços públicos completamente privatizados. Tanto que o embate no momento no Chile é por uma assembleia constituinte, pois a constituição vigente é ainda a de Pinochet. No Chile se joga uma batalha importante da luta de classes no continente, pois está em xeque o projeto neoliberal iniciado há 40 anos atrás. A realização de uma Assembleia Constituinte será um processo vitorioso – desde que seja soberana – e não a proposta conciliatória de Piñera.
As revoltas recentes na América Latina expressam, de forma clara e contundente, a insatisfação popular – dos trabalhadores, dos jovens, dos indígenas, das mulheres – face ao ataque aos direitos sociais. Expressam também a urgência histórica da construção de um processo claro, teórico e político, sobre qual caminho seguir daqui em diante. Apontam, a nosso juízo, para um duplo esgotamento: o do projeto neoliberal, que massacra as condições de vida da maioria do povo do continente, mas também, de forma ainda incipiente, dos projetos reformistas, que levaram adiante, ainda que de formas diferenciadas, como colocado antes, políticas de conciliação de classes e de aprofundamento das condições de subalternidade da região no contexto do sistema capitalista. Estes projetos nos revelam a necessidade de ultrapassar propostas de gestão ou administração do capitalismo, que, ao fim e ao cabo, tiveram como resultado o retorno da direita ao poder.
Os movimentos iniciados em 2019 no nosso continente expressam impasses e desafios que dizem respeito aos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo. Trazem elementos universais e originais, mas que somente poderão avançar do ponto de vista humanitário e civilizatório se estiverem articulados com um projeto de ruptura com a ordem capitalista. Começamos, assim, 2020, com um cenário de lutas e de revoltas extremamente importante e desafiador: caberá a todos e todas os que lutam pela Pátria Grande e por Nuestra América um grande esforço político e intelectual para que, para além da necessária resistência, possamos construir um novo projeto de sociedade, a altura do século XXI.
Por uma Constituinte Livre e Soberana no Chile!
Toda a solidariedade aos Povos em Luta na América Latina!
Coordenação provisória da CAL-SC