Zuleide Faria de Melo, uma Revolucionária!
Zuleide Faria de Melo, uma Revolucionária!
(Ivan Pinheiro)
A querida amiga e camarada Zuleide completa, em 6 de janeiro de 2021, 89 anos de uma vida digna e generosa, tendo dedicado à Revolução Socialista seus melhores e mais intensos esforços.
Zuleide reúne as principais qualidades que distinguem a militância comunista: firmeza ideológica, referência nos fundamentos do marxismo-leninismo, exercício do internacionalismo proletário, respeito ao centralismo democrático, nenhuma ilusão na possibilidade de humanizar e democratizar o capitalismo ou de superá-lo gradualmente pelas vias institucionais.
Zuleide tem outras qualidades que valorizo: nunca deixou de expor francamente suas opiniões nas instâncias partidárias, mesmo quando as sabia minoritárias. Nunca desqualificou nem desrespeitou qualquer camarada, mesmo nos debates mais duros e difíceis. Como militante e dirigente comunista e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, nunca fez qualquer concessão às muitas facetas do reformismo, do oportunismo e do academicismo. Zuleide é a melhor definição de intelectual orgânico comunista.
Em termos de contribuição teórica e prática, de exemplo, coragem e doação pessoal, Zuleide foi a principal referência do Movimento Nacional em Defesa do PCB que, em 25 de janeiro de 1992, derrotou os que queriam acabar com o Partido, dando início à sua reconstrução revolucionária. Durante quase quatro anos – antes, durante e depois dessa vitória – sua residência foi na prática a sede nacional, primeiro do Movimento de Defesa do PCB e depois do próprio Partido, até superarmos as dificuldades materiais para termos nossa primeira e modesta sede pública, depois da cisão que chamamos de “racha”, em que fomos o lado que saiu com a roupa do corpo, mas com muita firmeza ideológica, garra e determinação política, apesar dos escombros da contrarrevolução na União Soviética, que só caíam sobre nossas cabeças.
Com a contribuição decisiva e generosa da sua querida mãe, Dona Dolores, quase camarada, ali se davam as articulações e reuniões do núcleo duro da resistência ao reformismo e ao liquidacionismo: recebíamos camaradas e amigos, entre os quais Álvaro Cunhal, Miguel Urbano Rodrigues, dirigentes do PC cubano e de outros partidos irmãos, muitas vezes com a presença querida e inestimável do saudoso Horácio Macedo. Para quem não sabe, Zuleide é uma verdadeira dama, uma elegante anfitriã que se preocupa com os mínimos detalhes.
O escritório da sua ainda atual residência funcionou como a sede do secretariado político e de organização da resistência e, depois do “racha”, da direção do PCB que comandou a reconstrução. O escritório ainda é o mesmo, como uma espécie de museu de parte da história do PCB. Estão lá, quase intactos, sua mesa de trabalho, o fax, o telefone, os símbolos soviéticos, as imagens de Lenin, a biblioteca, os arquivos e uma histórica máquina de escrever IBM 82, em que, além de redigir fluentemente, ela datilografava com maestria panfletos, atas, correspondências, circulares, o que fosse necessário. E ainda ia para as ruas agitar e panfletar. Zuleide carregava e tocava o piano!
Não era só no trabalho intelectual e de organização que ela se superava. Na luta em defesa do PCB e em sua reconstrução, foi a mais eficiente na captação de finanças, agitação e propaganda, no contato com simpatizantes, nas relações internacionais, na formação política e ideológica da militância, sobretudo da juventude. Foi Presidente Nacional (¹) do PCB por mais de dez anos, a partir de 1985, sucedendo o camarada Horácio Macedo, por razões de saúde.
Embora sempre muito afinados nas questões estratégicas e ideológicas, eu e Zuleide tivemos algumas divergências na tática, em discussões reservadas ou no âmbito do Comitê Central e de Congressos partidários. Nenhuma delas afetou o carinho, o respeito e a confiança que sempre marcaram nossa relação. Na formação de minha consciência política e ideológica, a revolucionária Zuleide Faria de Melo foi uma das principais referências.
Zuleide cumpriu, durante a clandestinidade absoluta dos anos 1970, tarefas perigosas que salvaram vidas de camaradas perseguidos pela ditadura e documentos do Partido que foram mandados para um arquivo da Universidade de Milão. A partir de 1979, durante a chamada abertura política que a ditadura definia como “lenta, segura e gradual”, o PCB criou ou reanimou várias instituições de caráter legal, que contaram com o trabalho anônimo e decisivo da camarada Zuleide. Refiro-me ao Instituto Brasil-União Soviética, ao CEBRAD (Centro Brasil Democrático), ao CONDEPAZ (Conselho de Defesa da Paz Mundial) e à ACJM (Associação Cultural José Marti, de Solidariedade a Cuba).
Durante muitos anos ela presidiu a Associação Cultural José Marti, de solidariedade ao povo, ao governo e ao partido cubanos. Seu amor, fidelidade e dedicação à Revolução Cubana sempre foram incontestes e incondicionais. Brinquei muitas vezes com ela, “acusando-a” de dupla militância, no Partido Comunista Brasileiro e no Partido Comunista de Cuba. Ela apenas sorria, com ar orgulhoso!
Em plena ditadura, Zuleide disponibilizou a mesma residência de que falamos nestas linhas para funcionar como uma espécie de embaixada clandestina de Cuba no Brasil. Sua casa era a principal base a partir da qual aqui se movimentavam discretamente os queridos camaradas cubanos, primeiro o Cervantes, depois o Ferreira, por delegação do governo e do partido cubanos.
Em 1984, já membro do CC, fui convocado pelo então Secretário Geral, Giocondo Dias, para uma reunião com ele e Hércules Correia, Secretário Sindical, em um escritório reservado na Rua Pedro Lessa, no centro do Rio de Janeiro. O objetivo, alcançado a meu contragosto, era me “enquadrar” em uma questão sobre articulações intersindicais.
Tocando a campainha, atende-me uma discreta senhora que não se apresentou, mas gentilmente me introduziu na sala de reunião. Alguns anos depois, com a volta da legalidade do Partido, encontrei-a num evento político e descobri que se tratava de uma camarada, chamada Zuleide Faria de Melo, cuja tarefa militante era auxiliar a Secretaria Geral do partido durante a clandestinidade, a partir da volta dos dirigentes comunistas exilados com a anistia, em 1979. Primeiro, por um breve período, junto ao camarada Luiz Carlos Prestes e, depois, ao camarada Giocondo Dias.
Era preciso muita confiança para escolher a quem atribuir esta tarefa. E muita coragem e responsabilidade para aceitá-la!
Longa vida à camarada Zuleide!
6 de janeiro de 2020
P.S. – A foto que ilustra este texto foi tirada na casa da Zuleide, no início de março de 2020, portanto, antes da pandemia. Foi a última vez que a visitei. Em contato recente, sua filha me informou que Zuleide continua fisicamente com saúde, mas que segue a perda da audição e da memória. Percebendo que ela infelizmente não poderia mais registrar suas memórias, mesmo através de entrevistas ou gravações, naquele dia decidi começar a escrever sobre episódios ligados à minha militância, uma modesta contribuição para as novas e futuras gerações de revolucionários valorizarem nossos acertos e não repetirem nossos erros.
O PCB deve assumir o desafio de criar as condições para a edição de uma biografia da camarada Zuleide. Não faltará documentação, registros nem depoimentos dos que tiveram a honra de conhecer essa grande revolucionária.
(¹) – Presidência Nacional era a nomenclatura estabelecida no então Estatuto do PCB, alterada para Secretaria Geral, em 2008, pela Conferência Nacional de Organização do Partido.