Jirau e a Revolução dos Orelhas-Secas

O movimento grevista explodiu no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau – distante cerca de 100 quilômetros da capital do Estado de Rondônia. Os operários gritavam por justiça e dignidade. Os patrões vociferavam por eficiência e produtividade. De um lado o Capital. Do outro, o Trabalho. Aproximadamente 20 mil homens estavam paralisados. Apenas os serviços essenciais foram mantidos em funcionamento – informava a empresa Camargo Correia. O aparelho policial atacou os grevistas. A tragédia era anunciada a cada momento. Todos temiam um quebra-quebra generalizado, a exemplo do que ocorreu no ano passado, atraindo as lentes e repórteres da imprensa nacional e internacional.

A maldição de Espártaco ronda o canteiro de obras. Diz a lenda, e o professor Dante Fonseca, que Espártaco era um escravo filho de outro escravo e que era um homem castigado pelos capatazes, pelo chicote e pelo trabalho árduo na minas de ouro do Império Romano. Um dia ele liderou uma histórica revolta contra o poderio de César. Que os homens trabalhadores de Jirau trabalham como escravos, aqui em Rondônia todos sabem, e uma boa parte finge que não sabe. Parece que só o Everton Leoni é que não sabe, por isso vive a defender com unhas e dentes as empresas construtoras das usinas, como se fosse um beneficiário direto do líquido leitoso que flui de uma das tetas profanas desse grupo empresarial.

Mas a miopia e o conservadorismo servil não é privilégio de Everton Leoni; os senhores juízes da justiça do trabalho parecem ser caolhos também. Acompanham a procissão dos cegos outros setores da sociedade organizada como a Assembléia Legislativa do Estado e o próprio Governo do senhor Confúcio Moura – que teve a infeliz idéia de doar, a título de isenção, a soma de quase um milhão de reais a essas paupérrimas empresas, que fecharam com o governo federal um negócio de 25 bilhões de reais para fazer essas malditas usinas. O Partido dos Trabalhadores fez ouvido de mercador ao clamor e à insurreição dos obreiros por quem deveria lutar.

Segundo fontes fidedignas, existem informações de que os 20 mil operários da obra estão em situação de superexploração, com salários extremamente baixos, longas e desumanas jornadas de trabalho e péssimas condições de trabalho. Há denúncia de que existe epidemia de doença dentro da usina e não há atendimento adequado de saúde, que o transporte dos operários é de péssima qualidade, sofrem com a falta de segurança e que mais de 4.500 operários estão ameaçados de demissão. Essa é a realidade da vida que aqueles homens levam no canteiro de obra de Jirau.

Esta situação tem como principal responsável os donos da usina de Jirau, o Consórcio formado pela transnacional francesa Suez, pela Camargo Corrêa e pela Eletrosul. As revoltas dos operários dentro das usinas tem sido cada vez mais frequentes e isso é fruto da brutal exploração que estas empresas transnacionais impõem sobre seus trabalhadores.

Há pouco tempo houve revolta na usina de Foz do Chapecó, também de propriedade da Camargo Corrêa, em 2010 houve a revolta dos operários da usina de Santo Antonio e agora temos acompanhado a revolta dos operários da usina de Jirau.

As empresas construtoras de Jirau são as mesmas que foram denunciadas em recente relatório de violação de Direitos Humanos, aprovado pelo Governo Federal, que constatou que existe um padrão de violação dos direitos humanos em barragens e de criminalização, sendo que 16 direitos têm sido sistematicamente violados na construção de barragens. Os atingidos por barragens e os operários tem sido as principais vítimas.

A empresa Suez, principal acionista de Jirau, é dona da Barragem de Cana Brava, em Goiás, e Camargo Corrêa é dona da usina de Foz do Chapecó, em Santa Catarina. Essas duas hidrelétricas também foram investigadas pela Comissão Especial de Direitos Humanos em que foi comprovada a violação. Estas empresas tem uma das piores práticas de tratamento com os atingidos e com seus operários.

Em junho de 2010, o MAB já havia alertado a sociedade que em Jirau havia indícios e denúncias, que circularam na imprensa local, de que as empresas donas da Usina de Jirau haviam contratado ex-coronéis do exército para fazer uma espécie de trabalho para os donos da usina de Jirau e não seria surpresa se estes indivíduos contratados pelas empresas promovessem ataques ou sabotagens contra os operários e atingidos, para jogar uns contra os outros e/ou criminalizar nossas organizações e sindicatos.

No canteiro de obras os operários são chamados de “orelhas-secas”. Pois bem, a revolta dos Orelhas-Secas é reflexo desse autoritarismo e da ganância pela acumulação de riqueza através da exploração da natureza e dos trabalhadores.

Prova desse autoritarismo e intransigência é que estas empresas se negam a dialogar com os atingidos pela usina e centenas de famílias terão seus direitos negados. As consequências vão muito além disso, pois nesta região se instalou os maiores índices de prostituição e violência.

Em 2011, O Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB completa 20 anos de luta e os atingidos comemoram a resistência nacional, mas também denunciam que essas empresas não tem compromisso com a população atingida e nem com seus operários. Recebem altas taxas de lucro que levam para seus países e o povo da região fica com os problemas sociais e ambientais.

O MAB uma vez já veio a público exigir o fim da violação dos direitos humanos em barragens. O que todo esperam é que as reivindicações por melhores condições de trabalho e vida dos operários sejam atendidas.

Os grevistas de Jirau não são orelhas-secas, são trabalhadores brasileiros lutando desesperadamente com o grande capital por um naco do pão da dignidade. Não são vândalos, são escravos do capitalismo financeiro que, inspirados talvez na insurreição de Espártacus, como nos ensina o professor Dante Ribeiro Fonseca, declaram guerra à opressão, à escravidão, à exploração e à humilhação a que cotidianamente são submetidos. Não são animais, homens é que são, pensantes, amantes, crentes, viventes e esperançosos – como todos nós. Toquem o meu coração. Façam a revolução.

*Antônio Serpa do Amaral Filho é jornalista de Rondônia

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