Repúdio ao PL que proíbe casamento homoafetivo
COLETIVO LGBT COMUNISTA SP
SIMESP – SINDICATO DOS MÉDICOS DE SÃO PAULO
No dia 11/10, a Comissão de Previdência da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 580/2007. Originalmente, esse PL buscava alterar o código civil para que duas pessoas do mesmo gênero pudessem estabelecer contrato matrimonial. Porém, em 2009, o texto foi revisitado por meio da emenda 5167/2009, proposta pelo ex-deputado Capitão Assumção, e sustentava que “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”. [1]
Desde então, o PL ficou parado na comissão até ganhar novo relator, o deputado Pastor Eurico (PL-PE), que ignorou o texto original e considerou somente a emenda de 2009. Seu objetivo é questionar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2011, já havia equiparado uniões estáveis entre pessoas do mesmo gênero às uniões reconhecidas entre homens e mulheres. [2] Juristas avaliam que o PL nega à população LGBT pelo menos 37 direitos.
Esse projeto, dentro de um bojo mais amplo de ataques às minorias, é uma ameaça cruel à vida de milhares de brasileiras e brasileiros que têm suas sexualidades, experiências afetivas e constituições familiares questionadas, subjugadas e inferiorizadas quando comparadas àquelas cisheteronormativas. O direito à união civil entre pessoas do mesmo gênero não privilegia nenhuma pessoa em detrimento de outra. Pelo contrário, equipara o acesso à constituição de famílias.
Vale pontuar que essa pauta não é secundária ou meramente identitária. Ela, juntamente a outras como o Marco Temporal, a descriminalização do aborto e do porte de maconha, somente para citar alguns exemplos, está localizada no centro de uma disputa de defesa e ataque à classe trabalhadora. O atual governo, inserido em uma frente amplíssima, a fim de supostamente garantir a governabilidade, demonstra que as minorias que subiram a rampa 1º de janeiro, no ato da posse, “valem menos”.. Mais uma vez, as populações originárias, as mulheres, a negritude e a população LGBT são usadas como moeda de troca por uma suposta e frágil governabilidade.
Além disso, precisamos ir mais além nesse debate para analisar essas questões, que atingem a população LGBT trabalhadora, e sair da superfície, a fim de explicitar algumas características históricas que definiram o “hoje”. Sabe-se que o direito existe, em última instância, para manter o status quo e garantir aos grupos minoritários e marginalizados socialmente alguns direitos básicos, baseados no binômio idealista de liberdade e igualdade irrestritas a todos os cidadãos.
A partir dessa premissa, é possível atestar que o casamento, enquanto uma instituição contratual na estrutura burguesa na sociedade em que vivemos, é uma instituição capaz de padronizar a família em um modelo nuclear, heteronormativo e monogâmico a partir da divisão do trabalho entre homens e mulheres e a decorrente definição de espaços masculinos e espaços femininos que não poderiam se misturar. É então interessante perceber que o reconhecimento de outras formas de família, que não a patriarcal, não é um horizonte que se encaixa nesse modelo; demonstrar a sexualidade para além do comportamento heterossexual foi e ainda é algo altamente reprimido e desencorajado, a partir de um campo moral e altamente abstrato.
É também necessário colocar que, embora destacando o caráter laico do Estado, o direito sempre se pauta pela tradição e pela moral religiosas que impõem a obrigação da heterossexualidade, a partir de padrões rígidos, que limitam e impedem a manifestação verdadeiramente livre da sexualidade de cada pessoa. Desta maneira, também podemos chegar a uma conclusão simples, mas fundamental para essa temática: todos os padrões familiares são também construídos socialmente. Logo, é necessário quebrar a hegemonia do discurso dominante de que o reconhecimento civil da união estável ou do casamento entre pessoas do mesmo gênero é uma conquista definitiva; não é.
Essa aparente “ordem vitoriosa” é uma ilusão e, como sabemos, atualmente há uma atuação conjunta de parlamentares da extrema-direita no Brasil que atacam não só a questão do casamento homoafetivo, mas também outros tantos direitos e conquistas que deveriam ser garantidos à comunidade LGBT em geral. Vale destacar que,de janeiro a março deste ano, cerca de 69 PLs antitrans foram apresentados nas esferas federal, distrital/estadual e municipal. [3]
Todavia, é necessário, mesmo diante dessas contradições, defender os direitos já adquiridos e lutar pela ampliação de tantos outros ainda necessários. Desde o reconhecimento do STF, em 2011, até a Resolução 175, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, nenhum cartório ou juiz de paz pode negar a realização do casamento homoafetivo no país. É por meio dessa decisão – e por leniência do Parlamento, que evitou ao máximo avançar com essa pauta, apesar de sua urgência social – que casais do mesmo gênero podem ter acesso a direitos básicos (os mesmos de uma família cisheteronormativa), tais como: a partilha de bens, herança de parte do patrimônio da ou do cônjuge em caso de morte, participação em plano de saúde, adoção de crianças e adolescentes, pensão alimentícia, entre outros. [4]
Assim, o atual movimento de parlamentares da extrema-direita brasileira funciona como um espantalho que se mantém por meio da imposição de um pânico moral que não se configura na realidade. Além disso, o atual projeto em que o Pastor Eurico é o relator cria categorias perigosas ao desumanizar pessoas que compõem a comunidade LGBT, torná-las uma categoria de “segunda classe” e ainda nega um princípio básico e pétreo da Constituição de 1988: o de que todas e todos são iguais perante a lei. [5] Aqui, a história se impõe novamente como uma ferramenta de análise crítica da sociedade: esse tipo de pensamento já foi usado no Brasil para impedir mulheres de votar ou até mesmo para legitimar a escravidão, abolida aqui somente em 1888. [6]
Desta maneira, o Simesp e o Coletivo LGBT Comunista, como fazem há anos, seguem na defesa concisa dos direitos da população LGBT trabalhadora, pela inclusão desses direitos em legislação e pela ampliação deles. Somado a isso, se opõem à articulação da extrema-direita que quer impor um ideal de sociedade que não cabe mais aos tempos atuais e ainda nega a atual diversidade da sociedade brasileira. Basta de recuar, é hora de avançar!
NOTAS
[1] https://www.camara.leg.br/
[2]
https://www.camara.leg.br/
[3]
https://www.instagram.com/p/
[4]
https://www.jusbrasil.com.br/
[5] Mais especificamente, o artigo 5º:
https://www.planalto.gov.br/
[6]
https://observatoriog.bol.uol.