Em defesa da vida da população LGBT!

imagemDETERMINAÇÃO BIOLÓGICA DE GÊNERO:
MAIS UM ATAQUE À POPULAÇÃO T

Coordenação Nacional do Coletivo LGBT Comunista

Mesmo com o crescente número de óbitos da pandemia no país e a inexistência de um projeto real para salvar vidas, a base aliada do governo Bolsonaro segue seu ataque à população LGBT. O deputado Filipe Barros (PSL-PR) apresentou o projeto de lei 2578/2020, que pretende determinar que “tanto o sexo biológico como as características sexuais primárias e cromossômicas definem o gênero do indivíduo no Brasil”. Mas o que isto significa, em termos práticos?
Hoje, a população T possui alguns direitos institucionais conseguidos através de muita luta dos movimentos sociais, como o direito ao nome social e a inclusão da redesignação sexual nos procedimentos do SUS.

Esta realidade jurídica espelha a realidade concreta: a existência e a luta por afirmação das pessoas T não significa um desvio do “natural”, mas sim que esta naturalização das relações de gênero nunca fez sentido em primeiro lugar. Ambas identidades de gênero, masculina e feminina, são fruto de determinadas relações sociais que a humanidade travou em suas formas mais primárias de organização, quando tornou-se necessária uma divisão sexual do trabalho dentre aqueles pertencentes ao grupo, para que se organizasse a produção. Esta divisão sexual do trabalho originou-se de condições biológicas individuais (a presença de uma genitália masculina ou feminina), sobre as quais ergueu-se uma forma de ideologia que fragmenta a humanidade em gêneros opostos e permite, a partir desta distinção, a exploração de um sobre o outro. Tanto as formas de sociedade patriarcais quanto matriarcais apresentam este caráter de dominação, em que determinado grupo faz valer seus interesses a partir da violência, em um primeiro momento, e através do costume e da naturalização dessa violência, em um segundo.

Conforme a sociedade fica mais complexa, altera-se o modo como os seres humanos organizam a produção de suas vidas e, consequentemente, as relações sociais que travam nesta produção. Como uma forma posterior de organização não reinicia a humanidade do zero, esta forma surge a partir das características existentes em germe e que retornam transformadas em momentos futuros. É o que acontece no capitalismo, onde a dominação do gênero masculino sobre o feminino conforma-se no modelo ideológico da família burguesa. Na família burguesa, a mulher é impedida de relacionar-se sexualmente e afetivamente com outros homens, garantindo que seus filhos serão herdeiros de um mesmo pai, a partir de quem é transmitida a propriedade familiar. Este modelo é absorvido pela família trabalhadora no século XIX, quando o trabalho doméstico feminino torna-se uma possibilidade de redução do preço da força de trabalho para o capitalista, uma vez que o trabalhador não precisa gastar dinheiro no mercado para produzir estes serviços e seus frutos, como comida e vestimentas. Esta família ainda é interdependente, e não há possibilidade de um de seus membros se manter sem o auxílio dos demais.

O capitalismo contemporâneo fez do trabalho assalariado a regra. A mercantilização dos serviços somada à popularização do assalariamento feminino faz com que a família deixe de ser um ponto central para a sobrevivência de seus membros e torne-se um lugar de afetividade, operando com isso a separação entre sexualidade e produção social da vida. É somente neste contexto de independência da família que o indivíduo pode assumir identidades de gênero diferentes do sexo biológico sem, com isso, comprometer necessariamente sua própria existência material.

Contudo, a realidade é que, ao mesmo tempo em que o capitalismo cria esta possibilidade de existência para as pessoas trans, ele relega, sobretudo às pertencentes à classe trabalhadora, os piores postos de trabalho, e a ideologia conservadora trata de justificar tal tratamento sub-humano por elas enfrentado. Esta manobra faz com que as pessoas T constituam, junto com outros setores pauperizados da população, uma espécie de “exército de reserva” de força de trabalho, trabalhadores que não têm escolha senão vender sua força de trabalho por preços abaixo do que é necessário para a manutenção de sua existência, de forma a maximizar o lucro daqueles que os empregam. A identidade das pessoas trans forma-se, portanto, na solidariedade de classe constituída entre si na luta pela sobrevivência contra uma sociedade que não cessa de as marginalizar. Apesar disso, são cotidianas as violências motivadas pela ideologia dominante, que, ao justificar a miséria social em sua existência, as tornam alvo de ataques de todos os setores da sociedade alienada.

Nesse contexto, as vitórias jurídicas devem ser consideradas, pois são a realização material da luta pela sobrevivência dessa população dentro dos limites do capitalismo. Ainda assim, a ideologia que lhes nega juridicamente a humanidade continuará existindo, independentemente de qualquer vitória institucional, pois está enraizada nas próprias relações de classe sobre as quais se funda o sistema capitalista. Não é a toa que, em momentos de crise econômica como o que estamos vivendo, opere-se na cúpula do poder manobras para retroceder nestes direitos conquistados, de forma a engrossar os exércitos de pauperizados para que se possa explorar de forma mais aguda a miséria do povo trabalhador.

Este projeto de lei, portanto, não só desconsidera todo o acúmulo teórico alcançado nas últimas décadas através da ciência e dos movimentos sociais no Brasil e no mundo, para quem a identidade de gênero se trata de algo determinado historicamente, fruto de relações sociais estabelecidas em contextos específicos, mas fere especialmente a população T, pois esta corre o risco de ter sua identidade de gênero deslegitimada oficialmente pelo Estado. Neste processo, além da questão econômica citada, a população T em especial, e a LGBT de maneira mais ampla, são utilizadas como bode expiatório para toda a crise social enfrentada, como se nossa existência, “não natural”, fizesse surgir uma fúria divina que só pode ser enfrentada caso siga-se o plano da classe dominante, colocando trabalhadores contra trabalhadores.

A realidade concreta nos mostra que essa perspectiva da direita não corresponde à materialidade e liga-se diretamente aos interesses escusos de dominação de classe. Atuamos sobre o mundo, ele também sobre nós. A identidade de gênero é uma construção social, não tendo necessária correspondência com o que a sociedade espera a partir dos órgãos genitais. Ao apresentar a um indivíduo o que é “ser mulher”, também se mostra o que é “ser homem”, ou mesmo o que não se enquadra nos parâmetros sobre “ser homem” ou “ser mulher”. É um processo dialético contínuo, que constrói a subjetividade de todas as pessoas das mais diversas formas ao longo da vida, mesmo em uma sociedade capitalista que reprime violentamente identidades de gênero que não tenham a correspondência esperada pela sociedade por causa dos órgãos genitais.

Gênero, raça e classe são marcadores sociais utilizados pelo capitalismo para hierarquização dos indivíduos na sociedade. Neste sentido, o processo de exploração da força de trabalho da classe trabalhadora opera sob relações patriarcais de gênero, ou seja, relações desiguais em que ocorre a dominação do que é considerado masculino, sobre o feminino. Essa ideologia patriarcal e machista forja a cristalização das concepções de gênero pautadas no cisheterossexismo e da violência contra as LGBTs. A população T questiona esse padrão moral, pois traz em seus corpos a divergência do que é imposto socialmente em relação ao gênero. As assustadoras estatísticas de assassinatos por transfobia ou a quantidade elevada de suicídio no interior dessa população expressam a violência com que a sociedade capitalista tenta manter o controle sobre essas questões.

A apresentação deste projeto de lei também está em consonância com o projeto imperialista de retrocesso dos direitos conquistados pela classe trabalhadora. Não é coincidência que recentemente Donald Trump alterou norma do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA para definir gênero a partir da perspectiva biológica. O Coletivo LGBT Comunista repudia o PL 2578/2020 e todas as tentativas de recuo em relação à construção social de gênero. Posições como as de Trump, governo Bolsonaro e seus aliados colocam as vidas da população LGBT em risco em todo mundo.

Pelo fim do projeto de lei 2578/2020!

Fora Bolsonaro e Mourão!

Em defesa da vida da população LGBT no Brasil e no mundo!

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