Repúdio ao assassinato de Keron Ravach

imagemNOTA DE REPÚDIO DO COLETIVO LGBT COMUNISTA

O dia 29 deste mês é marcado pelo Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti. No dia 28, Keron Ravach completaria 14 anos. Mas, em 4 de janeiro, ela foi brutalmente assassinada em Camocim, no Ceará.

Conforme reportado pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Keron foi a vítima mais jovem de transfeminicídio em nosso país nos últimos anos. Ela viveu menos da metade da expectativa de vida da população trans e travesti, de cerca de 30 anos, e quase um quinto da expectativa da população brasileira no geral, de 75 anos.

Mesmo após o STF reconhecer a transfobia como crime de racismo, em 2019, o Brasil continua liderando o ranking de países que mais matam pessoas trans no mundo. É o 12º ano consecutivo em que o país ocupa esta posição, de acordo com a ONG Transgender Europe. No ano passado, ocorreram 151 assassinatos de pessoas trans no Brasil e o Ceará foi o segundo estado com mais mortes deste segmento da população, contabilizando 19 vítimas – atrás apenas de São Paulo, com 21 mortes. Esses números, divulgados no quinto boletim da ANTRA de 2020, foram contabilizados pela Associação por meio de notícias, informações nas redes sociais e dados de parceiros e aliados, visto a negligência do Estado, “que se recusa a registrar e divulgar dados sobre o assassinato de pessoas LGBTI+”, sendo “provável que os números reais sejam bem superiores” (ANTRA, 5/2020).

Ouvida pela reportagem da Ponte Jornalismo, a pesquisadora e secretária de Articulação Política da ANTRA, Bruna Benevides apontou a transfobia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) na investigação do assassinado de Keron: “É sabido que a SSPDS tem um vasto histórico de ignorar e negar os qualificadores de crimes de ódio contra pessoas LGBTI”. O que se verifica no comunicado para a imprensa da Secretaria, no qual confundem orientação sexual com identidade de gênero ao declararem que se “descartou que o ato infracional tenha ocorrido em razão da orientação sexual da vítima”.

O nível de crueldade do assassinato de Keron é comum em casos de transfeminicídio, como o de Dandara dos Santos, espancada e executada a tiros em 2017, também no Ceará (governado por Camilo Santana do PT, desde 2014). Porém, o Ceará não é uma exceção na política direcionada à população trans, mas um exemplo de uma política nacionalizada em que o Estado brasileiro é um legitimador da violência – seja pela conivência ou pela omissão.

Significativa parte da população trans representa uma parcela da classe trabalhadora que está submetida às piores condições de trabalho, de ensino, de acesso à saúde e de moradia. Nesse contexto, escancara-se o lugar que o Estado reserva às trans e travestis, num primeiro momento, com a omissão de políticas direcionadas a essa população, e num segundo, com a falta de seriedade em se tratar a questão – negando inclusive o gênero da vítima, ao confundi-la com homens que se relacionam com homens.

Discursos como os do Presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), tentam normalizar a violência institucional contra essa parcela da população brasileira. Ano passado, Bolsonaro polemizou às custas da perseguição de atletas trans. O que aparece como cortina de fumaça, numa política que se pauta na luta contra moinhos de vento, cumprindo uma função ideológica que tira o foco da catástrofe econômica que vivenciamos e todos os inúmeros ataques que temos recebido, tem também sua função desumanizante. Retira-se a dignidade e a humanidade de algumas vidas, colocando-as num patamar em que a morte é trivializada e passando a imagem de que se trata de uma suposta “escolha de vida” que essas pessoas têm.

O Capital se utiliza de uma série de instrumentos para subjugar setores da população, escalonando vidas, como se algumas valessem mais que outras. A transfobia é, sem dúvidas, uma dessas formas de dominação de classe. As mulheres transexuais, as travestis e os homens trans são um grupo que o Estado brasileiro coloca como sendo sub-humano, como sendo passível às violências de toda sorte, como estando sujeito inclusive à morte, e sem sequer o reconhecimento da verdadeira causa dos homicídios que vitimam essas pessoas.

Trata-se da barbárie institucionalizada! E a barbárie não é a exceção, mas a regra na sociedade do capital. A transfobia que nos vilipendia é oportuna para o capitalismo. Ela fragmenta a luta da classe trabalhadora, uma vez que a discriminação presente entre o conjunto da população trabalhadora afasta da possibilidade de luta esse grupo discriminado; e a mesma transfobia constitui um contingente de pessoas alheias ao mercado formal de trabalho, o que rebaixa o preço da força de trabalho da população como um todo.

Nessa sociedade não há espaço para as nossas. E se aqui não podemos viver e ser quem somos, esse mundo não nos serve. É para que não existam casos como os de Keron, que nos deixa completamente tristes, que destruiremos esse modo de produção e tudo de putrefato que deriva dele. É nosso dever erguer um novo mundo, em que sejamos, nas palavras de Rosa Luxemburgo, “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

PELA VIDA DAS PESSOAS TRANS!
KERON RAVACH, PRESENTE!
NENHUMA A MENOS!

Coordenação do Coletivo LGBT Comunista – Nacional

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