O pelego vermelho
Nos anos 70, com a retomada em maior escala da luta contra a ditadura militar-empresarial no campo político, começam a surgir lideranças sindicais realmente representativas dos trabalhadores, algumas compostas por participantes das organizações clandestinas de esquerda. Seus adversários eram os pelegos, os interventores, seus sucessores e antigas lideranças, indicados e protegidos do autoritarismo.
Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo desde 1965, era o principal ícone desse período, do sindicalismo atrasado, pelego, acusado de vender greves e fazer o jogo dos patrões.
Joaquinzão presidiu o maior sindicato da América Latina de 1965 a 1987. Apesar de todos os erros que marcaram sua trajetória, três momentos de sua atuação merecem ser lembrados: o protesto contra o assassinato do operário Manoel Fiel Filho nos porões da ditadura, em 1976, a ação judicial, também durante a ditadura, reivindicando perdas salariais e a greve pela redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, consubstanciada na Constituição de 1988.
Morreu em 1997, em um asilo, deixando poucas posses: um carro, uma casa em um bairro popular e um pequeno sítio.
Joaquinzão foi execrado particularmente pelos sindicalistas ligados à CUT, até mesmo antes de sua criação, não somente por ser uma direção atrasada, mas pelo tempo à frente do sindicato, marcam indeléveis de um pelego.
Da mesma maneira, outros sindicalistas também foram caracterizados como pelegos, alguns advindos do período pré-1964, que naquela época se juntaram ao sindicalismo combativo, porém que mais do que depressa aderiram ao golpe.
Tive a oportunidade de conviver com alguns do final dos anos 70 até meados dos anos 80. Eram pelegos mesmo.
Hoje, passados tantos anos, o que vemos? Mais de dois mil sindicatos filiados à CUT, outros mais à CTB, a maioria com dirigentes encastelados em suas direções há décadas, mudando de cargos em uma mesma entidade ou de uma para outra, vários candidatos a mandatos partidários – notadamente dos partidos governistas -, há muitos e muitos anos sem trabalhar, não somente afastados das bases, mas sem conhecer, inclusive, o método de produção de suas categorias, alterados pela introdução de novas tecnologias.
As grandes greves se foram, com raras exceções, o movimento sindical se encontra desarticulado e enfraquecido, não somente pela ofensiva do capital, mas também pela inoperância dessas pseudo lideranças.
Aqueles que compõem as diretorias dessas entidades, aí inclusas federações e confederações, não têm formação política, viés ideológico, de classe. São burocratas chapa branca, identificados com o governo federal, aliados e integrantes da sua base de sustentação, não têm qualquer compromisso, nem mesmo verbal, com qualquer transformação social em prol dos trabalhadores, do socialismo. São a aristocracia operária, braço sindical da burguesia, cuja tarefa principal é atuar como ‘bombeiros da luta de classes’. Eles a cumprem fielmente.
Alguns, de destaque, ganhavam salários condizentes com suas categorias profissionais e, do dia para a noite, deram-se ao luxo de fumar charutos cubanos, comprar carros blindados de última geração, apartamentos em áreas nobres, fazendas, até mesmo empresas de grande porte. Confundem-se com a elite dominante, antagônica dos trabalhadores e de suas reivindicações.
Lamentavelmente, usam camisas vermelhas, alguns a foice, o martelo e a estrela como enfeites, ultrajando a história de lutas que os tornaram símbolos da classe trabalhadora em nível internacional.
Eles não usam mais a expressão pelegos ao combater seus adversários. Vestiram a carapuça.
Afonso Costa
Jornalista