Emanuel Melato: A classe trabalhadora, do mesmo jeito que já construiu grandes organizações, vai saber superar esse momento também, pra gente poder retomar a discussão da questão do Estado capitalista, pra quem ele serve
Entrevista de Emanuel Melato, dirigente sindical dos metalúrgicos de Campinas e membro da coordenação da Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora para Intervozes.
Eduardo Stotz/Intervozes – Na sua visão, qual a situação econômica, a situação material por assim dizer, em que se encontram os trabalhadores?
Emanuel Melato – Primeiro que, em termos de situação econômica, nós podemos dizer que hoje a gente está um pouco pior do que estava há três anos. Existe uma situação no país na qual os trabalhadores, no último período, se endividaram ao extremo por conta da política de consumo a que fomos submetidos. E esse endividamento extremo leva ao fato de que uma boa parte da classe trabalhadora hoje esteja pagando ou um carro, ou uma casa, ou alguns gastos, ou até pagando a comida no cartão de crédito. Então existe um endividamento muito grande, e isso somado à questão de desemprego altíssimo faz com que os trabalhadores estejam mais ou menos nesse momento, de certa forma, recuados em relação às suas reivindicações. Assim como quando os antigos colonos ficavam devendo para o dono da fazenda e todos os seus ganhos, salários, não fossem suficientes para chegar ao final do mês.
Eduardo Stotz/Intervozes – E, nesse sentido, qual é o balanço que você faz das campanhas salariais até o momento?
Emanuel Melato – O problema das campanhas salariais que estão ocorrendo nos últimos anos é que, por conta desse endividamento que foi provocado por políticas do Estado no sentido de produzir mais apostando num consumo interno, tais campanhas hoje têm agradado aos patrões do país. Primeiro, porque uma boa parte das campanhas não repõe nem as perdas inflacionárias, e você não consegue ter um aumento real de salário que supere o INPC, que é o menor índice para a reposição da inflação que existe no país. E ao mesmo tempo atendem a uma coisa que os empresários buscam há muito tempo, que é você ter um salário variável e não um salário fixo e, nesse sentido, as campanhas acabam se inserindo nessa lógica, na discussão da participação no lucro, onde os trabalhadores se mobilizam porque acaba entrando um dinheirinho mais rápido, que não é dividido mês a mês, e vai direto cobrir o rombo nas contas bancárias, cobrir empréstimos. Mas se esquecendo de que todas as vezes que você não tem uma reposição da inflação e não consegue um aumento real de salário, essa “Participação nos Lucros e Resultados” (PLR) desaparece no 13º, nas férias, na aposentadoria. Então está se criando, nesse momento, uma situação que no futuro levará esses trabalhadores a ter uma situação ainda pior.
Eduardo Stotz/Intervozes – Isso significa também que o piso salarial dos trabalhadores está se mantendo em baixa?
Emanuel Melato – Olha, por exemplo, se você pegar agora os metalúrgicos que estão numa discussão de campanha salarial, ao mesmo tempo em que tem uma pauta de reinvindicação dos trabalhadores, vem outra pauta dos empresários; e a pauta dos empresários prevê o quê? Que não haja uma recomposição da inflação total, que haja um congelamento do piso salarial. Você tem uma crise política e econômica, uma alimentando a outra, e mesmo sem a gente ter uma crise internacional, no sentido da crise cíclica do capital, você tem uma crise no país que está perdurando por algum tempo. Então, nesse aspecto, a reivindicação dos empresários é que haja congelamento e rebaixamento do piso. Além de tudo isso, existe muito desemprego crescente por conta dessa situação que não é culpa dos trabalhadores, mas uma situação colocada no país. Daí que, mesmo sem essa reivindicação deles, isso é uma coisa que já acontece há anos. Você tem um reajuste salarial durante a campanha, e mesmo que se consiga um aumento real de salário, por rotatividade eles conseguem demitir aqueles que ganham mais e contratar pessoas que ganham menos. E, depois, todos os demitidos são recontratados com salários menores. O nível de rotatividade nas principais empresas do país chega a 20%; é muito grande. Isso vem acontecendo em nosso país a longa data.
Eduardo Stotz/Intervozes – Nesse caso então a gente pode dizer que, mesmo havendo um processo de retomada da economia, a situação dos trabalhadores vai continuar bastante desfavorável?
Emanuel Melato – A gente tem analisado o processo de retomada da economia e nós estamos numa situação assim… um pouco complicada. Por exemplo, se você tem uma crise perdurando e, de repente, você tem uma crise internacional nos moldes da crise de 2008, com o país na situação em que está, a coisa tenderia a piorar muito. Mas, os trabalhadores têm se movimentado. O problema é que as mobilizações e greves ainda são muito isoladas. Greves de resistência contra demissões, contra desemprego… E a gente tem visto que o Estado, enquanto defensor desse capital, enquanto representante dos patrões, tem feito com que até o judiciário tire algumas sentenças, onde, nas campanhas salariais, não há reposição da inflação. Estou dizendo que mesmo naqueles lugares onde os trabalhadores não conseguem se mobilizar e pedir uma garantia, e se esperaria que da Justiça do Trabalho sairia alguma coisa, hoje o próprio Estado tem atuado no sentido de dizer que a redução de salários, que a redução de direitos é uma forma de garantir emprego. E nós temos um problema hoje, pois uma boa parte dos sindicatos do país tem entrado nessa lógica, que não é uma lógica de agora, é uma lógica que começou no início da década de 90 quando uma boa parte dos sindicatos começou a discutir nas câmeras setoriais uma série de coisas como se fosse função dos trabalhadores resolver os problemas criados pelo capital. E aí, só pra deixar claro que nesse aspecto uma boa parte dos sindicatos, na lógica daquele ditado popular de que “é melhor perder o anel para não perder os dedos”, tem feito acordos no sentido da redução de salários.
Eduardo Stotz/Intervozes – É o caso de proteção ao emprego, por exemplo, quando é implantado?
Emanuel Melato – O programa de proteção ao emprego é um dos casos, mas já tivemos outros, que vai de Lay-off [Suspensão temporária do contrato de trabalho] a banco de horas. No começo da década de 90, dentro do movimento sindical, isso saiu de um setor na Central Única dos Trabalhadores (CUT), que começou a tentar discutir a necessidade de uma “anualização” de jornada. Na “anualização” você acabaria com a jornada semanal e passaria a ter uma jornada anual de trabalho, onde quando eu tenho mais trabalho, eu trabalho 70 horas por semana ou 80 – como falou o presidente da CNI recentemente –, e quando não tenho trabalho, eu fico em casa sem ganhar hora-extra. E nesse processo do programa de proteção ao emprego que foi implementado em vários locais houve uma redução de até 30% do salário, com o governo pagando 15% e os trabalhadores perdendo 15%. Só que, para efeito de cálculo da aposentadoria, ele [o trabalhador] perdeu 30%, porque é o que vai para efeito de cálculo da aposentadoria. Mesmo onde foi implementado, como é o caso da Região do ABC, o sindicato lá está dizendo que é necessário aprofundar isso e poder reduzir em até 40% o salário, porque 30% não foi suficiente. E não é suficiente porque não é dessa maneira que se resolve. A gente costuma dizer o seguinte: “Se não tiver produção na empresa, os trabalhadores podem aceitar até a voltar aos tempos da escravidão, trabalhar só em troca da comida que o empresário não vai querer que fique lá dentro”.
Eduardo Stotz/Intervozes – Mas você acha que, nesse momento, nas empresas, está acontecendo alguma mudança do ponto de vista tecnológico, da organização do processo de trabalho e nos postos de trabalho?
Emanuel Melato – Olha, as grandes inovações tecnológicas dentro do mercado de trabalho já se sucederam; é só uma questão de uma tecnologia nova que surge aqui ou ali. Mas para além das 14 Suspensão temporária do contrato de trabalho. tecnologias que foram implantadas, principalmente a partir do início da década de 90, tem uma outra questão dentro do local de trabalho, que é o processo que deixou de ter aquilo que existia anteriormente, um chefe com chicote na mão mandando nos trabalhadores; e agora tem um processo de convencimento dos trabalhadores muito grande, que é todo mundo dizer que somos todos uma grande família e tal. Esse processo vem junto com algumas discussões, como a questão da requalificação profissional. No início da década de 90, convenceram os trabalhadores que o desemprego naquele período era por conta de que a força de trabalho não era qualificada. E aí os sindicatos, incentivados pelo governo, embarcaram nessa. As centrais sindicais embarcaram nessa, no sentido de pegar muitos recursos do Estado para fazer curso de qualificação profissional. Eram cursos que podiam qualificar um pouco aqui ou ali, porém não enfrentavam a nova fase do desemprego. Essa situação mostrou também que não é dessa maneira que se resolve essa questão. É óbvio que a qualificação é importantíssima, a educação formal é importantíssima. Mas, no Brasil acontece uma coisa: podemos dizer que existem dois Brasis, não tem um só. Porque não existe mais disputa de entre o Brasil e a China, o Brasil e os Estados Unidos, a China e a Europa, não existe mais essa disputa. Você tem hoje de 150 a 200 empresas multinacionais que estão instaladas no mundo todo, e a disputa é entre plantas dessas empresas, para saber onde eles conseguem produzir mais barato. Como agora, por exemplo, o setor de autopeças, que reclama muito da produção de carros no Brasil, aumentou muito a sua exportação, mas aumentou não porque alguém saiu vendendo lá fora, aumentou porque as matrizes ficam analisando onde está mais barato para produzir e transferem a produção de um lado para outro. Então esse é o motivo do aumento agora da exportação. Eles seguram um pouco agora essa questão das demissões e você tem uma produtividade nessas indústrias multinacionais que não tem nada a ver com a discussão que fazem os empresários de que a produtividade da força de trabalho no Brasil é muito baixa, que precisa de cinco brasileiros para se comparar com um norte-americano ou um europeu. Isso não é real; isso só é real naquelas empresas terceirizadas, porque elas ficam com o trabalho que não interessa para as multinacionais fazerem. Por exemplo: só eu tenho um cliente pra quem eu fabrico um milhão de peças, e eu tenho interesse de manter esse cliente. De repente, ele me pede cinquenta peças de um determinado tipo; essas cinquenta peças não me compensa fazer; eu faço então nessas terceirizadas. São empresinhas que a gente pode chamar de “boca de porco”, empresinhas que não tem nenhuma estrutura e segurança no trabalho, não tem nada e também fabricam para essas multinacionais. A produtividade é muito mais baixa. Agora, nas multinacionais, montadoras de veículos e em todos os setores mais avançados da economia, a produtividade no Brasil não deixa nada a desejar a nenhum outro país.
Eduardo Stotz/Intervozes – Isso significa dizer que essa situação econômica na qual o trabalhador se encontra hoje, desemprego, salários baixos e, ao mesmo tempo, alta produtividade, significa dizer que para o capital internacional o Brasil é um país interessante?
Emanuel Melato – O Brasil sempre foi interessante para o capital internacional e para o capital nacional também. Pra discutir esse momento do capitalismo do Brasil já se tem vários livros escritos e nenhum concorda com o outro. O problema é que aqui, desde o final da Segunda Guerra Mundial, passando por vários momentos até o golpe militar, toda a tarefa de construção da infraestrutura do país coube ao Estado, e, após o final da ditadura militar, passou-se para o processo de privatização, de passar isso para a mão do capital privado. Esse processo todo faz com que o Estado gaste muito nessa questão da infraestrutura e depois repasse a conta para o capital privado. Então, quando as multinacionais vêm para o Brasil, elas vêm já com uma infraestrutura garantida na questão de energia, de transporte “e tal”, e tudo isso depois vai sendo passado pra mão desse mesmo capital. Qual é o “abacaxi” que nós temos? A discussão hoje é que é necessário ter investimento e o país não tem dinheiro pra investimento, e não tem como ter investimento num país que gasta 400 bilhões por ano pagando juros de dívida interna. Então, a grande solução que tínhamos antigamente, que era o não pagamento da dívida externa para que sobrasse dinheiro para investimento interno na área de saúde, educação e também para a própria infraestrutura, hoje estamos pagando muito mais só de juros, por conta dos juros altíssimos que estão colocados aqui. Então aqui é um país onde tanto o capital nacional quanto o internacional têm muitas benesses, como, por exemplo, na questão dos dividendos, que eles não pagam imposto de renda sobre dividendos. Então você tem dois países hoje que não cobram imposto sobre dividendos: o Brasil e a Estônia, e isso não é nenhuma discussão de ser socialista ou não. Os Estados Unidos cobram, a Europa cobra e aqui, se cobrasse os dividendos dos acionistas, imposto sobre os dividendos, se cobrasse a mesma coisa que é descontada da folha de pagamento dos trabalhadores, o governo arrecadaria 50 bilhões de reais por ano. E não cobra por quê? Recentemente foram divulgados dados do Ministério da Fazenda que levaram à demissão ou à renúncia de um dos diretores da FIESP de São Paulo – o qual é pessoa física que deve nove bilhões para o governo, e tem outras 13.500 pessoas físicas ou jurídicas no país que devem juntas 812 bilhões de reais pro governo. Então nós temos um governo que privatiza tudo, que garante benesses para o capital, e que também não cobra as dívidas.
Eduardo Stotz/Intervozes – E no tocante às reformas dos direitos trabalhistas em pauta no Congresso Nacional, como é que você avalia isso?
Emanuel Melato – Olha, todo o problema é que se chama isso de reforma e, na verdade, não é reforma, é “retirar direitos”. Se a gente for discutir a questão da idade mínima para a aposentadoria, é real que, na Europa, na maior parte dos países, já estão com idade mínima de 65? É real! O problema é: o tempo curto que nós vivemos no Brasil, nós não chegamos no nível do Estado de Bem-estar Social que os trabalhadores europeus chegaram. E também não entro na discussão aqui de que a juventude europeia entra no mercado de trabalho já com uma idade bem mais avançada. A maior parte primeiro sai da universidade antes de entrar no mercado de trabalho. E as condições de vida são completamente diferentes. Eu não posso estabelecer essa comparação: uma pessoa no interior do Nordeste com condições de vida precárias com a pessoa que vive nas melhores cidades europeias, em termos de expectativa de vida. A expectativa de vida é uma métrica, esse é o grande problema. E como as reformas já estão no sentido de falar em até 70 anos de idade, significa que o projeto do governo, o projeto do capital do Brasil, é de não pagar mais aposentadoria pra mais ninguém, a não ser um salário mínimo, daquele em que você se aposenta por idade. E não existem possibilidades, no Brasil, de a maioria dos trabalhadores ter emprego após os 60 anos de idade. Quando é demitido com 50 anos, já “tá” velho pro capital, e “tá” velho por quê? Já tem algumas doenças, algumas adquiridas com o processo de trabalho, e têm outras da própria idade. Então, numa situação como essa, eles (o governo) entram com uma outra discussão, no sentido de dizer que é para fortalecer a negociação entre sindicatos e empresários: é a questão do valor, da vantagem do “negociado” sobre o “legislado”. Isso é a maior “patifaria” que existe, porque ninguém mais conhece tanto os sindicatos como os empresários do Brasil. Nós temos uma quantidade infinita de sindicatos no país, que são os “sindicatos de cartórios”, que assinam qualquer acordo sem ter discutido com os trabalhadores, e podem aceitar a redução dos direitos. É óbvio que tem sindicatos que não vão aceitar de maneira nenhuma, e não tendo acordo, não valeria. Mas imagine a pressão! Vou dar um exemplo: aqui na região de Campinas nós temos a Samsung, que fabrica celulares, computadores. Do lado de Campinas, a 20 km, em Jaguariúna, tem a Motorola. O adicional noturno pra quem trabalha na Samsung em Campinas é de 50%. Em Jaguariúna, também era de 50%, mas abriram mão e baixaram para 35%. Então todo ano a Samsung começa a ameaçar, dizendo que é mais barato produzir em Jaguariúna. E é verdade… mas é mais barato por quê? O sindicato de lá abriu mão de uma coisa que tinha. Mas tem outros direitos, que tem em algumas regiões e não tem em outras. Se no país inteiro você começa a ter sindicatos fazendo acordo, naqueles sindicatos onde não se aceita o acordo, como é o caso daqui de Campinas, de Limeira e de vários outros sindicatos, eu poderia citar um monte aqui, você vai ter uma pressão intensa dos empresários, no sentido de que nós também teríamos que aceitar. E a pressão não só sobre o sindicato; é uma propaganda em cima dos trabalhadores, de que a única maneira de garantir emprego é abrindo mão dos direitos. E o ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, essa semana, teve a cara de pau de dizer que é mentira. E que não vai mexer em direitos como 13º, como fundo de garantia. Que o negociado só valerá para jornada de trabalho e salário. Bom, jornada de trabalho e salário são exatamente o que garantem taxa de lucro dos empresários.
Eduardo Stotz/Intervozes – Isso significa também dizer que o desafio que está colocado é também pra dentro do movimento sindical, quer dizer, como superar essa posição que capitula diante das pressões?
Emanuel Melato – É. Então, eu estava dizendo que essa capitulação diante das pressões dos empresários não é simplesmente por traição. Ela faz parte de um projeto. Se eu pegar a CUT [Central Única dos Trabalhadores] como principal organização que os trabalhadores conseguiram construir no país, hoje tem vários sindicatos contrários que romperam com a CUT, inclusive o nosso, por uma questão concreta: não é só agora a pressão dos empresários e a pressão por parte do governo; ela foi gestada dentro da CUT, isso no início da década de 90, que é essa história do sindicato propositivo. Então tem gente que erra ao dizer que isso aconteceu com a CUT, porque a CUT, depois da eleição do Lula, mudou de posição. Mas não! Isso foi gestado ao longo do tempo, numa discussão que tinha a ver com a questão dos sindicatos na Europa, principalmente na Alemanha, ou em algumas centrais sindicais na Itália, que levou a essa lógica de criação de sindicato propositivo. Nós ficamos dentro da CUT até o momento que deu, dentro desse debate incessante. Mas nós temos que lembrar que a discussão de eventuais pactos sociais começa com a eleição do Collor de Melo, com a Zélia Cardozo, que chamou a CUT para uma negociação e a CUT aceitou; acabou sentando com a Zélia pra discutir. Isso só não teve consequência naquela época porque o Collor acabou caindo. Mas naquele momento a CUT deu uma vacilada, aceitou que era necessário discutir um pacto social. Então, na nossa opinião, não tem pacto social possível numa sociedade extremamente desigual como é a brasileira. E o problema no Brasil, em termos de produção, de competitividade e tal, não tem nada a ver com o salário dos trabalhadores, que é um dos mais baixos do mundo. Se eu pegar as multinacionais aqui, se eu pegar o valor em dólar, aqui no Brasil em muitos casos, a gente ganha 1/5 do que ganha o trabalhador lá fora. Isso pegando valores em dólar. Então não dá para culpar o salário como um elemento que leva à crise. Portanto, não é questão de reduzir salário. Esse processo do movimento sindical do Brasil passa, nesse momento, por uma discussão sobre sua reorganização. Qual é o problema? Da mesma forma que, se eu estou num partido político que dê problema, não adianta sair dele e decretar que amanhã existe outro; não adianta romper com uma central sindical e decretar que amanhã já existe outra. A CUT foi construída no Brasil durante um processo de ascensão muito grande, onde os trabalhadores se mobilizaram ao extremo. Eram greves em todo o país e essa mobilização gerou essa central sindical. Hoje o processo de reorganização “tá” sendo quente, mas ainda com lutas isoladas, não é uma luta generalizada. Então, na nossa opinião, é preciso reorganizar a classe trabalhadora, reconstruir as organizações que se viraram, deixaram de ser o que eram e viraram o contrário do porquê nasceram. Porém, não é por decreto, e a gente vê muito decreto. E a gente vê pessoas que rompem com a CUT e fundam no dia seguinte uma central sindical sem nenhuma base na realidade. Então nós, dos metalúrgicos de Campinas, nós estamos há dez anos andando o país inteiro, seguindo aqueles que estão dispostos a continuar na luta e a não aceitar a retirada de direitos. E, nesse momento, eles podem estar filiados à CUT, podem ter se desfiliado da CUT, podem nunca ter tido relação com central sindical nenhuma. Não importa. Porque, ao mesmo tempo em que há uma boa parte dos sindicatos dispostos a entregar direitos, nós achamos que ainda tem muitos sindicatos que estão mantendo uma luta de resistência, e a gente precisa unificar essa luta de resistência pra, no momento em que se retomar as lutas mais gerais da classe trabalhadora, a gente possa, aí sim, reconstruir aquilo que nós perdemos, que são as organizações que construímos a partir da década de 80.
Eduardo Stotz/Intervozes – Muito bom! Eu gostaria de agradecer a entrevista que você está concedendo à Revista Intervozes e, antes de concluir, me diga como você gostaria de ser apresentado aos leitores desta revista, que é composta por um público acadêmico, estudantes e professores de áreas como administração, saúde e cultura?
Emanuel Melato – Sou Emanuel Melato, diretor do sindicato dos metalúrgicos de Campinas, e membro da coordenação da Intersindical – instrumento de luta e organização da classe trabalhadora. Já vou pra 62 anos, portanto, participei das greves desde 79, e quando eu falo que nós estamos vivendo um novo ciclo das organizações que nós construímos, eu não estou falando a partir de livros acadêmicos e livros de história; é um processo que nós vivemos enquanto classe, e que infelizmente o que aconteceu com o Brasil, aconteceu em outras partes do mundo. Então você pode me apresentar como um militante, que continua acreditando no socialismo, e acho que a classe trabalhadora, do mesmo jeito que já construiu grandes organizações, vai saber superar esse momento também, pra gente poder retomar a discussão da questão do Estado capitalista, pra quem ele serve.
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