A Revolução de 1871: construção histórica e cena política

A história da França é marcada pela procura da república e 1848 seria diferente de 1830. Agora a luta se reinventava com a esperança de transformações sociais e humanas. O movimento de 48 descortinou as questões dos operários e dos camponeses, entra em cena a descoberta da França. Todavia, a procura constante da república como possibilidade do sonho da igualdade social esbarrou no projeto da burguesia que se veste do manto da dominação, perde suas características progressistas e assume-se como classe dominante, lançando mão de um projeto conservador.

A burguesia consegue constituir-se em força hegemônica com a vitória na última revolução burguesa do século XIX. Esse fenômeno se aprofunda com o golpe de 18 brumário e em especial com o surgimento de algo que passamos a chamar de bonapartismo. Essa reação é na verdade a primeira forma de ditadura burguesa, e constitui-se também, num acordo das frações de classe para impor um projeto de dominação. O bonapartismo que nós conhecemos, aparece de forma concreta na história das lutas entre a burguesia e o proletariado, confirmando-se como uma ação para executar as tarefas da revolução burguesa. Trata-se de uma forma política para impedir um novo ascenso das massas, em particular no decorrer das contradições que imperavam na sociedade francesa de 1848 a 1870.

O bonapartismo se concretiza a partir de algumas características do processo político, podemos afirmar que a existência de equilíbrio entre os projetos em disputa, onde nenhuma das classes, ou frações de classe, consegue ter a hegemonia social e a capacidade para impor a sua dominação política é denotativa dessa perspectiva. Além disso, o bonapartismo se apresenta como uma alternativa populista, construindo pontes com segmentos populares, pela capacidade de articulação com o campesinato, base social de extrema relevância na França do último quartel do século XIX. Napoleão III, um líder carismático, com grande percepção conjuntural, articulado pela presença do campesinato na sua base social, na sua base de sustentação, se estabelece até 1870. Ou seja, o bonapartismo é consequência do equilíbrio entre as classes, da falta de hegemonia política e de um líder com base social a serviço de uma articulação das diversas frações de classe da burguesia.

¨Em realidade, era a única forma de governo possível, num momento em que a burguesia já havia perdido a capacidade para governar o país e a classe operária ainda não a havia adquirido. O Império foi aclamado de um extremo a outro do mundo como o salvador da sociedade. Sob sua égide, a sociedade burguesa, livre de preocupações políticas, atingiu um desenvolvimento que nem ela mesma esperava. Sua indústria e seu comércio adquiriram proporções gigantescas; a especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a miséria das massas ressaltava sobre a ultrajante ostentação de um luxo suntuoso, falso e vil. O poder estatal, que aparentemente flutuava acima da sociedade, era de fato o seu maior escândalo e o viveiro de todas as suas corrupções¨.(Marx, 1977: 196)

Essa forma política de gerência do Estado implementou algumas ações estabelecendo um projeto de dominação, que levou até as últimas conseqüências, medidas que se afirmam como execução das tarefas da revolução burguesa. Temos a partir daí um amplo desenvolvimento capitalista que se consolidou com o avanço da industrialização, com o desenvolvimento das relações capitalistas de produção, com a grande urbanização e com a aventura da perspectiva de conquista colonial (tentativa de colocar um imperador austríaco no trono do México)2.

Essas ações de afirmação do capitalismo vão ter implicações culturais, sociais e políticas. A burguesia se fortalece de forma acentuada no período de 1850 a 1870, quando seus lucros ultrapassaram os 300%, enquanto o salário cresceu apenas 45%.

A partir de 1862, os trabalhadores franceses já tinham conhecimento do que ocorria na Inglaterra. Começaram a desenvolver lutas específicas e conquistam algumas vitórias. Entram em contato com o conjunto das lutas que ocorriam no continente. Em 1864 é fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)3, que passa a ter um papel preponderante na organização das lutas dos trabalhadores. Todavia, logo vão sofrer, na França, uma grande repressão política, comandada por Napoleão III, chegando ao acontecimento da Comuna, muito desorganizada e frágil.

O bonapartismo enquanto forma de Estado, pelo conjunto de contradições e concessões da luta política e do avanço do proletariado na França, em especial em Paris, começa a sofrer desgaste com a burguesia e com setores monárquico/clerical e, ao mesmo tempo, enfrenta o descontentamento do campesinato e o enfrentamento dos trabalhadores. Luís Bonaparte inaugura na era contemporânea, a criação da disputa externa como instrumento político para vencer a disputa interna. E este é um dos fatores que impulsionaram a contenda de Napoleão III contra Bismarck.

A guerra franco–prussiana tem os seus primeiros sinais com a derrota da Áustria em 1866 para a Prússia. A partir daí, Bismarck parte efetivamente para unificação daquilo que se chamava de Prússia, onde ele, em 1867 criou a confederação alemã do norte, faltando apenas à anexação dos Estados do sul, e o chancelar prussiano precisava dessa unificação para formar o que seria a poderosa Alemanha. A França não queria um Estado agressivo, com essas características do Estado prussiano unificado, colado em sua fronteira.

Entram em produção de cena aspectos relevantes para a guerra franco-prussiana. Ou seja, os interesses da burguesia prussiana, representada nos canhões de Bismarck, e o desespero de Napoleão III em recuperar o seu prestígio com a burguesia francesa. O imperador via na guerra uma forma de, derrotando a Prússia, voltar a ter força política, e daí reafirmar, mais uma vez, o seu projeto de dominação burguesa sobre esse país, e talvez assim, articular a expansão da França enquanto potência capitalista e imperialista. Estamos diante, a partir dessa produção de cena, de uma iminente guerra inter-imperialista. E para o concreto da guerra apenas faltava o requinte das provocações de teor nacionalista, afinal o patriotismo burguês é o último refúgio do canalha, e isso terminou ocorrendo4.

Inicia-se assim a guerra franco-prussiana, no teatro de operações as tropas francesas mostraram-se taticamente incompetentes, apesar da enorme quantidade de soldados mobilizados, mas inferior nos equipamentos bélicos. Com esse roteiro, a guerra não se prolongou por muito tempo. Após várias derrotas, chegamos à batalha final com grande mortandade, o aprisionamento de 100 mil soldados franceses e a prisão do imperador Napoleão III, a França é derrotada e humilhada no dia 2 de setembro de 1870 na batalha de Sedan.

Emile Zola faz uma dramática descrição daquela fuga em sua novela O Desastre. Diz assim:

¨Como uma torrente turva fluía a multidão para os fossos de sedan, fazendo pensar nos montões de lôdo dos e pedras que a corrente arrasta do alto das montanhas e leva à profundidade dos vales… Acaso era possível censurar algo a esses infelizes que tinham permanecido imóveis, esperando durante doze horas consecutivas, sob os projéteis de um inimigo invisível e frente ao qual sabiam-se impotentes? Agora, as baterias inimigas os dizimavam de frente, dos flancos e pela retaguarda; o fogo cruzado era cada vez mais denso à medida que o exército fugia em procura da cidade. O extermínio, que tinha lugar no fundo do sujo fosso para o qual ia sendo precipitada essa massa humana, era total. (Jvostvov & Zubok, 1976:11)

Esse fato histórico que foi a derrota em Sedan contribuiu para que o bonapartismo feche o seu ciclo e inicie o seu colapso. Na França, a repercussão da guerra e a prisão do imperador, alimentaram manifestações políticas, forçando o término da monarquia, e a formação de um governo provisório no dia 14 de setembro de 1870, iniciando assim a III república. Mesmo com instalação da república, as lutas continuaram, agora com o protagonismo dos trabalhadores de Paris que lutavam contra a burguesia e a sua aliança retrógrada com seguimentos monárquicos. É assim que percebemos que o relógio da história está sempre em contraste com a harmonia dos conservadores.

Apesar de termos, durante esse período, um governo provisório, instala-se, pelas contradições sociais e políticas, um vazio político. Os movimentos da história se manifestam de forma célere. As massas demonstram insatisfação com as condições da derrota, o governo de defesa nacional fracassa na tentativa de acordo com Bismarck e as tropas prussianas estão nos portões medievais de Paris. Temos o levante de Lyon. Em Paris as massas trabalhadoras exigem armas para enfrentar o inimigo. No último dia de outubro Paris está em ação direta, agora contra o governo de defesa nacional, que capitulou no campo de batalha em Metz, os operários e a guarda nacional, tendo a frente às lideranças blanquistas5 formam uma Comuna ao tomar o palácio municipal, mas logo são derrotados e expulsos pelas tropas do governo de defesa nacional. Ainda durante o ano de 1870, tivemos outro levante, em Marselha, logo também derrotado.

No limiar da bandeira vermelha

O ano vermelho de 1871 começa com o bombardeio de Paris pelos prussianos que, no dia 18 de janeiro, ocupam Versalhes e proclamam o surgimento do império alemão6.

O governo provisório convoca eleições para Assembléia Nacional, são eleitos 750 deputados, dos quais 450 são monarquistas, e o restante, republicanos das mais diversas posições. Todavia, em Paris são eleitos 46 deputados, dos quais apenas 06 são aliados do governo provisório. Continua no espaço da luta um vazio político, com indefinição e improvisações. As lutas de classe se acirram em França, em particular em Paris, apontando para a dualidade de poder. O povo em Paris está em armas para combater as tropas prussianas, o governo provisório se vê na obrigação de formar batalhões da guarda nacional, passam a existir mais de 200 batalhões, é um momento de profunda divisão de classe. Cada classe, proletariado e burguesia, levantam táticas e estratégias para construir o seu poder, afirma-se então, a conjuntura da dualidade de poder.

Nesse contexto de confronto, a AIT que já havia anteriormente lançado um manifesto, – escrito por Marx e lançado em Londres, em 23 de julho de 1870 – documento em que Marx alertava os trabalhadores da Alemanha e da França para não aceitarem a provocação da guerra, salientando que essa ação era imperialista. Agora é lançado outro manifesto da AIT também escrito por Marx, cujo conteúdo estava claramente solicitando a paz e fazendo um ataque frontal ao governo de defesa nacional, e avisava que seria loucura derrubar esse governo com o inimigo nas portas de Paris. Percebe-se nesses comunicados a visão arguta de Marx, primeiro na defesa da integridade física dos trabalhadores e na avaliação da conjuntura em tela; segundo, na avaliação do tabuleiro da guerra com as tropas invasoras nas portas de Paris. É nesta luta concreta dos trabalhadores que podemos perceber como Marx parte da análise do real para construir a sua análise política e elaborar os primeiros passos de uma teoria da revolução.

Marx movimenta-se em diversos momentos da história, como homem de ação e teórico da revolução, no estreito limiar do desenrolar da luta, e a história não tem clemência com aqueles que claudicam. Marx sempre demonstrou não ter receio do relógio da história. Suas análises no fogo da luta sempre souberam responder ao processo em curso. Percebemos como um episódio histórico extraordinário, a Comuna, é típico do que compreendemos como revolução permanente, esse principio que pode ser encontrado no jacobinismo e na guerra de movimento. Uma das possibilidades para entender esse princípio, é a existência de um Estado frágil, onde a luta pela hegemonia se estabelece de acordo com o conceito gramsciano, a partir do controle da produção, mas não somente na produção7.

Em Paris a contra-revolução tenta encetar os seus golpes, Thiers, agora chefe do governo em Versalhes8, manda tropas para recuperar as armas que estavam nas colinas de Montmartre. Os trabalhadores, em dias anteriores, já tinham resistido em diversas partes da cidade a essa tentativa das tropas de Thiers. Portanto, na madrugada do dia 18 de março de 1871, as forças de Versalhes sob o comando do general Lecomte tentam se apoderar dos canhões de Montmartre e encontram uma vigorosa resistência de homens e mulheres que partiram para o enfrentamento, e sob o comando de Louise Michel9, dirigiram aos soldados do governo impedindo-os de atirar contra o povo. A tropa não aceitou massacrar os Comunardos e passou para o lado da rebelião da cidade, o general que ordenou o massacre foi preso e fuzilado, eclodia a autodefesa dos trabalhadores diante da contra-revolução, começava assim a Comuna de Paris, e o rastilho dessa forma de resistência se espalhou pela cidade: na Bastilha, em Belleville e em outras partes.

O comitê central da guarda nacional assume o poder em Paris, e logo em seguida convoca eleições que são realizadas no dia 26 de março para o conselho da Comuna.

¨Votaram duzentos e oitenta e sete mil (287.000) eleitores. Número relativamente superior ao de fevereiro de 1871 nas eleições à Assembléia Nacional. No dia 27 de março, na presença de cerca de duzentas mil (200.000) pessoas em clima de grande festa, os eleitos são empossados no hotel de Ville e é proclamada a Comuna¨ (Costa, 1998:69).

A Comuna construindo a história

Podemos tirar nesse momento algumas primeiras lições desse contexto antecedente da Comuna de Paris. A primeira é que a Comuna se apresenta como conseqüência da guerra franco-prussiana, a segunda é que o momento aberto pela derrota em Sedan consolida um vazio político, onde se manifestam na arena da batalha as forças do governo de defesa nacional e depois do governo provisório, por um lado, e o poder que se estabelece a partir das massas insurretas no seu espontaneismo, e no governo operário da Comuna, por outro. A terceira é que também se apresenta nesse ciclo uma perspectiva de padrão histórico para entender as revoluções, todavia, sem se constituir em um dogma. No entanto esse padrão nos dá sinais para compreender como a revolução proletária, em especial nesses períodos mais recentes da história, nos apresenta um novo roteiro histórico pautado em lutas democráticas e revolucionárias, em guerras e revoluções. Esses sinais de um padrão histórico vão se manifestar na revolução russa e em outras revoluções no decorrer do século XX. Mas em especial, podemos tirar como lição e não como exemplo desse contexto, um conjunto de sinais históricos que partem da Comuna em Paris, e se confirma na revolução russa de 1917.

O ano de 1870 foi típico do embate que gerou um vazio de poder, ou seja, a falta de hegemonia de alguma classe em disputa. Logo no inicio, já em janeiro, o assassinato de um jornalista pelo primo do imperador gerou grandes manifestações, com mais de 200 mil pessoas nas ruas10. A necessidade de compreender que a guerra não era interessante para a França mobilizou o conjunto das forças populares, e principalmente operária, que procuraram articular muitas ações diretas, que contavam com a participação massiva dos agitadores dos clubes de debates11, em que se transformaram as reuniões públicas que existiam em Paris e na França.

A Comuna está no exercício do autogoverno dos trabalhadores, tomando medidas, e implementando ações que entraram para a história da humanidade. As comissões de trabalho da Comuna tiveram preocupações excepcionais com a questão da justiça, da segurança pública, finanças, instrução pública, medidas militares, saúde, trabalho e comércio, serviços públicos e relações exteriores, tudo isso articulado numa comissão executiva. Esse papel executivo estava imbricado com a função legislativa, e todos os mandatos eram revogáveis, temos aqui uma forma política que entra para a história.

Essa forma política e esse poder confirmam uma dualidade de poder. Essa dualidade nasce em Paris, afirma-se no contraponto à ordem burguesa e avança quando a Comuna começa a destruir o aparelho do Estado da burguesia. O conjunto de medidas tomadas contra a ordem burguesa e as ações para impor uma nova democracia passa, de certo modo, a se configurar como uma possibilidade de transição. Portanto, medidas e ações da natureza política constituídas pela Comuna, principalmente aquelas advindas da comissão de trabalho e produção, avançam na ruptura com a ordem burguesa e encontra ressonância na história das idéias marxistas, com as variadas formas de se analisar o processo de transição12. Esse processo de transição pode ser entendido como uma marcha da história que cria situações para um entendimento dos acontecimentos democráticos, das lutas radicais, de guerra e revolução, quebra do aparato de Estado da burguesia, dos trabalhadores se constituindo em classe dominante e da socialização do poder político.

Todavia, no fogo da batalha, a Comuna cometeu erros na sua efêmera existência de 72 dias. Avaliamos que esses equívocos se constituem no respeito que a Comuna demonstrou em não confiscar a propriedade dos meios de produção, apenas controlando socialmente aquelas fábricas (oficinas) que os donos haviam abandonado na fuga de Paris; não ter marchado no primeiro momento sobre Versalhes, quando as tropas do governo de Thiers encontravam-se desorganizadas; o não confisco do dinheiro do banco de França, que estava financiando as ações contra-revolucionárias do governo de Versalhes; a completa desarticulação entre o campo e a cidade; a falta de vontade política em abrir os arquivos da França, nos quais estavam as mais sórdidas estórias da burguesia e da monarquia; e por fim, a desorganização das tropas da Comuna, que não conseguiam ter uma disciplina para colocar em ação/combate o poderoso conjunto de homens e mulheres que estavam com sede de luta e motivados para transformar o mundo em que viviam.

¨Mas muitos batalhões estavam sem chefes desde 18 de março; os guardas nacionais, sem quadros; os generais improvisados, que assumiam a responsabilidade de liderar quarenta mil homes, não tinham qualquer conhecimento militar, nem jamais haviam conduzido um batalhão ao combate. Não tomaram as providências mais elementares, não reuniram nem artilharia, nem carregamento de munição, nem ambulâncias, esqueceram de fazer uma ordem do dia, deixaram os homens sem víveres por várias horas numa bruma que lhes penetrava os ossos. Cada federado seguiu o chefe que quis. Muitos não tinham cartuchos, pois acreditavam, como diziam os jornais, que se tratava de um simples passeio militar¨(Lissagaray, 1991:143).

A Comuna é o primeiro Estado operário13 e inicia o processo histórico de revolução proletária da era contemporânea. A posição de Gramsci (Gramsci,1987), assim como a do historiador francês, Jacques Rougerie (Rougerie, 1977), ao que me parece, de que a Comuna concluiu a revolução burguesa, que começou em 1789, não se comprova com as características da Comuna: composição social, medidas e ações. Creio que, a Comuna inicia o ciclo das revoluções proletárias e se consolida enquanto perspectiva revolucionária. A Comuna de Paris desnudou, no limiar dos tempos atuais, que a reprodução social do sistema, passa pela afirmação da ordem do capital, pela submissão do trabalho assalariado e pela dominação de classe, através do Estado.

Paris e a Comuna foram derrotadas. Essa tragédia tem nos elementos circunstancias que já falamos especificamente aqui, uma relação de causa e efeito. A Comuna é a representação das idéias comunistas, e a Comuna levou a sério a questão ontológica, ou seja, a Comuna compreendeu que a problemática da revolução é a questão da exploração, que esta ligada ao mundo da produção, compreendeu também nesse momento que o trabalho, já que era uma Comuna operária, era efetivamente uma categoria fundante do ser social, e que a política efetivada pela esfera pública era um instrumento de classe a serviço da propriedade privada. Todavia, é importante analisar que uma revolução nunca é igual à outra, em sua forma de produção e em suas perspectivas sociais, mas a Comuna mostrou o seu caráter proletário, e internacionalista14. Percebeu aquilo que está no manifesto comunista, ou seja, que o Estado é um comitê para administrar os negócios da burguesia, portanto, os Comunardos insistiram em destruir esse Estado moderno que estava efetivamente a serviço da propriedade privada e da sua hegemonia moral. Efetivando assim o que Marx, nas palavras de Lenine, afirmou,¨A idéia de Marx consiste em que a classe operária deve quebrar, demolir a ¨máquina de Estado que encontra montada ¨, e não limitar-se simplesmente à sua conquista¨ (Lênin, 1980:247).

Os Comunardos tiveram a conseqüência social de, quando da conquista do poder, destruíram o instrumento que é conhecido como dominação política, no sentido do que é dado pela burguesia, ou seja, a prática do poder público quebrou-se o caráter de classe do poder público, passando a ser um poder socializado, ao derrotar aquilo que conhecemos como Estado burguês. Assim, a Comuna compreendeu que a revolução é uma troca de estruturas, e ela se concretizou na contramão do estado burguês. A Comuna socializou no seu curto tempo a produção, e tentou de certo modo destruir a burocracia, afinal como dizia G. Lukács, ¨ a burocracia é um impedimento a vida¨ .

Na Comuna surgiu a possibilidade de efetivação de um poder socializado que emergia da produção, tirando o caráter político de classe e transformando o poder, no poder dos trabalhadores associados de toda Paris. Mas a Comuna, mesmo com a sua derrota colocou na lixeira da história o espasmo reacionário de Thiers de que o socialismo estava acabado por muito tempo, o que não se confirmou. Logo em seguida, no começo do século XX, com o mesmo padrão histórico, entram em cena os trabalhadores, camponeses e soldados da Rússia, que se levantaram para constituírem os sovietes. A revolução russa atualiza a Comuna como um instrumento teórico de um novo momento histórico, definido como contribuição de uma nova vaga revolucionária.

A forma política encontrada por Marx, a partir do exame do que representou a Comuna de Paris que quebrou a estrutura do Estado burguês, foi a ditadura do proletariado. Então as lições da Comuna, e não seus exemplos permitem-nos construir uma noção daquilo que passamos a conhecer como transição. De uma forma de Estado para outra forma de Estado, no sentido de se constituir, mais à frente, numa sociedade sem Estado.

A ditadura do proletariado, como forma altamente avançada de democracia, tem em Marx uma formulação da primazia da classe trabalhadora no controle do Estado, para possibilitar a questão da transição para uma sociedade sem Estado. Todavia, uma outra forma de Estado é encontrada por Marx, quando a partir do entendimento do que seja o bonapartismo, a burguesia inaugura uma forma de ditadura de classe. Podemos afirmar, a partir de Marx, que todo o governo da burguesia, a partir do fenômeno do bonapartismo pode ser considerado como ditadura de classe15. A Comuna é um evento de caráter universal, e em verdade consolida aquilo que Marx entende como momento intermédio, como momento de transição, que é a ditadura do proletariado. Termina sendo para Marx, a conquista do aparato do Estado através da luta, um regime político de transição, um governo dos trabalhadores em armas, isto é, a constituição de um exército popular que vai fazer e executar novas leis.

Mas algumas questões ainda se colocam como emblemáticas, para além dos seus erros ou incompreensões extremamente plurais, que se tem a respeito dessa façanha histórica. A Comuna é inspiradora da luta pelo socialismo, além de ter sido uma Comuna operária, fato esse comprovado pela sua composição social (Rougerie, 1964); as suas medidas, que partem do contexto da luta de classes, e efetivam essa dimensão de representação dos trabalhadores16. Para aqueles que questionam a Comuna como socialista por que não encontraram medidas com esse caráter advindo do campo da produção, a partir das relações de produção, como Marx escreveu no prefácio do livro Para a Critica da Economia Política, poderíamos entender que a transformação nas relações de produção de uma determinada época possibilitaria a transição. Todavia, pode haver um questionamento sobre o papel das lutas de classe nesse contexto. E creio que a Comuna nos sinalizou com a importância dessas lutas no processo de transição, não compreendemos que em Marx exista uma perspectiva de marcha linear do desenvolvimento das forças produtivas objetivamente construindo a transição. Marx de certo modo nos acena para o papel do desenvolvimento das forças produtivas e seu choque com as relações de produção, mas não abandona, pelo contrário, reforça o papel das lutas de classes no processo que vai se constituir como transição. Portanto, fica muito claro a inspiração da Comuna na formulação sobre a teoria da revolução em Marx. A Comuna empreendeu em seus princípios uma luta pelo socialismo, rompendo com o igualitarismo dos lutadores sociais anteriores a esse período. Podemos então entender que as ações que caracterizam a Comuna sempre foram no sentido de que a história da luta dos trabalhadores é uma história das lutas contra-hegêmonicas.

Esse momento transicional se manifesta pela destruição do aparato burocrático da burguesia, e da confecção de medidas e ações que estabelecem a ruptura com a ordem do capital. Portanto, ¨A simultaneidade destas transformações não é uma petição teórica acidental. Traduz a requisição, inferida de análises sócio-históricas particulares, que pode garantir o trânsito à sociedade sem classes, onde a promessa de felicidade se torna uma possibilidade concreta e objetiva¨ (Netto, 1980:87).

A Comuna surge dos episódios anteriormente citados, e ela é constituída a partir da dualidade de poder e se efetiva na práxis revolucionária e no conjunto de medidas implementadas pela conquista possibilitada pela vitória nas lutas de classe, mesmo que momentaneamente. Efetivamente essa transição não se concluiu, ela foi derrotada. Todavia, a radicalidade da prática dos Comunardos pode apontar para a o sentido da auto-emancipação dos trabalhadores, que pelas contendas da história não tiveram oportunidade de marchar para o socialismo.

Ao analisarmos as lutas empreendidas pela Comuna, no seu curto poder, nós podemos confirmar a profunda grandeza com que se revestiu essa façanha emancipatória: a junção inovadora que a Comuna fez das atribuições executivas e legislativas, ou seja, quem executa são os mesmos que fazem as leis agem de forma única, não existindo a tradicional separação burguesa dos poderes em questão, isso pode se aprofundar pela revogabilidade dos mandatos, a qualquer momento a partir do interesse daqueles que elegeram. O judiciário passou a ter eleições, e os juízes eram eleitos para os tribunais civis; a ordem pública foi mantida sem abalos, pois, a partir da fuga do governo provisório para Versalhes, Paris se transformou numa cidade muito segura e a ordem pública era mantida pelo povo em armas, o crime do individuo contra o indivíduo é um produto da ordem burguesa, a fuga dessa escória para Versalhes, contribuiu para que Paris tivesse um índice extremamente diminuto de delitos. As comissões da Comuna desenvolveram práticas seminais no campo da democracia direta, a partir do seu funcionamento.

Essas comissões compunham em representação direta uma comissão executiva, e essa comissão executiva era na verdade o poder central da Comuna, esse poder central tomou muitas medidas, dentre as quais, a partir da fuga da burguesia e o abandono das suas fábricas, a reorganização da produção em oficinas coletivas, esse é um dado importante para que se possa entender a transição a partir das lutas de classe, quando surgiu um vazio político e se consolidou uma dualidade de poder, mas também dentro da produção, de uma hegemonia que saía vitoriosa também na produção.

É preponderante resgatar o papel extraordinário que a mulheres tiveram na Comuna, em particular figuras como Louise Michel (enfermeira), como Jeanne-Marie que lutou nas barricadas da semana sangrenta, e muitas outras, que criaram a união de mulheres para defesa de Paris, em oito de abril de 1871. Ao lado do revolucionário papel da mulher, tivemos como uma das primeiras medidas da Comuna a separação do Estado da Igreja, e a transformação do ensino confessional em ensino laico e gratuito, levando-se em consideração as contribuições aprovadas no congresso de Genebra da AIT, no sentido de uma educação para a emancipação humana.

A Comuna não ocorreu apenas em Paris, tivemos também em França outras Comunas, como Lyon, Saint-Etienne, Marselha, Creusot, Toulouse, Narbonne e Limoges, mas todas elas de curta duração, de tempo bastante diminuto17.

A Comuna foi derrotada, tivemos o massacre final entre 27 e 28 de maio de 1871 mais de 30 mil assassinatos, 40 mil presos, trabalhos forçados, deportação. Todavia, em várias partes do mundo os trabalhadores saíram às ruas em solidariedade aos Comunardos, mesmo com a violenta derrota, e com o papel da imprensa burguesa, tivemos manifestações de solidariedade aos Comunardos em Londres, Bruxelas, Berlim, Genebra, Zurique e outras localidades.

Primeiras reflexões

Consolida-se a contra-revolução burguesa a partir da derrota da Comuna em 1871, mas com o advento da primeira guerra mundial uma nova vaga revolucionária vai começar, agora com a presença do sujeito coletivo, o operador político que passamos a chamar de partido da classe que chega ao poder com a revolução russa de 1917, construindo os sovietes. A Comuna nos traz a lição, mais uma vez, de um poder de transição, e esse poder de transição que desarticula a repressão política, socializa o exercício do poder político, é o primeiro passo para a transição, o governo operário é uma democracia de novo tipo, tendendo a ser socialista como diria Marx. A Comuna consegue se atualizar de forma brilhante com a revolução russa, afirmaria o comandante da revolução de outubro, Lenine. E esta compreensão política foi realçada por Trotski, ¨Por fim, tínhamos por trás de nós a heróica Comuna de Paris, de cuja queda havíamos tirado a dedução de que aos revolucionários prever…¨(Trotski, 2002: 155).

Os Comunardos que tombaram nas trincheiras de Paris, e que foram fuzilados no muro do cemitério de Père-Lachaise, a sua história, é a luta dos trabalhadores modernos. Afinal vocês, heróis do muro dos federados, estiveram lá em defesa da humanidade. Para todos que levantaram a bandeira vermelha, o grito da história sempre será de vida longa à memória dos que lutaram.

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1 É professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia – Uneb, coordenador do Centro de Estudos Marxistas – Cemarx/Uneb, é editor da revista Novos Temas, pesquisador do Neils da PUC-SP e autor/organizador, entre outros livros, de Outubro e as Experiências Socialistas do século XX e Caio Prado Júnior – História e Sociedade, ambos pela Editora Quarteto.

2 Aliada à Inglaterra e à Espanha, a França desenvolveu uma ação imperialista no sentido da expansão colonial, quando em 1861, mandou tropas para o México, para derrubar o governo republicano de Benito Juarez, e colocar no trono mexicano o arqueduque austríaco, Maximiliano. Todavia, a resistência dos mexicanos foi heróica, conseguindo impingir às tropas invasoras, sucessivas derrotas, que leva o imperador francês a retirar suas tropas do México em fevereiro de 1867. Em junho do mesmo ano os guerrilheiros mexicanos prendem o imperador Maximiliano, e o fuzilam.

3 A AIT foi fundada pelos trabalhadores que se encontravam desenvolvendo várias jornadas de luta durante os anos sessenta em diversas partes da Europa. Na AIT, militavam correntes políticas de concepção teórico-práticas bastante diferenciadas, umas das outras. Marx e Engels deram uma importante contribuição na formação desse instrumento de luta internacionalista. Anos depois, a AIT, ficaria conhecida como a I Internacional Comunista.

4 Por diversas vezes, Bismarck provocou a França em julho de 1870, e como resposta, Napoleão III declarou guerra a Prússia, em 19 de julho do mesmo ano.

5 Louis-Auguste Blanqui (1805-1881) foi um combativo líder revolucionário do século XIX. Teórico centrado no papel da violência era de origem muito simples, e sempre foi ligado aos movimentos carbonários desde o início do século. Passou 36 anos de sua vida preso, e seus seguidores, os blanquistas, tiveram um papel muito grande na direção da Comuna. Recaí sobre Blanqui, a origem do termo, ditadura do proletariado. Ele defendia uma organização clandestina, centralizada, coesa e preparada para tomar o poder.

6Bismarck e o alto comando das forças prussianas, a serviço dos junkers, instalados em Versalhes, proclamam o nascimento do Império alemão.

7 A hegemonia se articula com a possibilidade um modo de produção diferenciado e sob o comando da classe operária. Constituindo assim, um contra-poder, que parte da produção e cria uma alternativa de reforma moral.

8 O historiador e jornalista, Adolfe Thierss, foi eleito em fevereiro de 1871 para a Assembléia Nacional, e logo foi indicado para a chefia do governo, onde teve um papel brutal na repressão contra-revolucionária a comuna.

9 Louise Michel (1830-1905) teve um papel destacado como integrante da comuna. Era professora que organizou a luta e combateu no front. Quando da derrota da comuna, foi presa, e em seu julgamento, retrucando aos seus inimigos de classe, no papel de juízes a serviço da burguesia, afirmou: ¨pertenço por inteira à revolução social e declaro assumir a responsabilidade de meus atos¨. Foi condenada e deportada.

10 O Príncipe Pierre Bonaparte, acreditando na impunidade, assassinou o jornalista republicano, Vitor Noire, o que gerou uma grande comoção entre as massas que, saíram as ruas, gritando ¨ Vingança!¨ e viva a república¨.

11O debate girava em torno de questões que diziam respeito ao socialismo, ocorriam em grandes salões¨, eram reuniões públicas com grande participão popular e contavam com a presença de figuras históricas que se transformaram em grandes agitadores sociais.

12 Como afirma José Paulo Netto, “A transição socialista, ou seja, o período histórico que compreende a realização dessas tarefas, a etapa entre a liquidação do domínio político-econômico da burguesia e a emancipação de todas as classes na supressão do proletariado enquanto classe – a transição socialista, na ótica do pensamento socialista revolucionário nas suas matrizes ‘clássicas’, constitui precisamente o tempo sócio-histórico em que, simultaneamente, se opera a socialização da economia e a socialização da política (do poder político).” (Netto, 1990:87).

13Como afirmava Marx, ¨Eis o seu verdadeiro segredo: a Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, frutoda luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política enfim descoberta para levar adiante dentro de si a emancipação econômica do trabalho¨. (Marx, 1977:67).

14 É importante registrar a presença de militantes internacionais dentro da Comuna que lutaram em suas fileiras, tornando real a frase de Marx, ¨Proletários de todos países, univos¨. Haviam trabalhadores de vários países europeus que trabalhavam em Paris, particularmente, aqueles vindos da Bélgica. Todavia, pela Comuna passaram internacionalistas que tiveram papéis extraordinários, a exemplo de Léo Frankel, operário húngaro que foi o comissário de justiça da Comuna, e que realizou uma grande obra social.

Tivemos os militares poloneses Wroblewski e Dombrowski que lideraram as tropas comunardas, Tendo este último, como comandante militar da Comuna, lutado até os últimos dias da façanha hisórica. Dombrowski morreu em combate no dia 23 de maio, e se transformou em herói da república universal, assim como tantos outros lutadores anônimos.

15 Para Trotski, analisando a forma de governo, a partir de Marx, compreende o bonapartismo é ¨a única forma de governo aceitável numa época em que a burguesia perdeu a capacidade de governar o povo, e em que a classe operária ainda não adquiriu essa capacidade¨. Afinal, dizia Trotski: ¨não é democracia, mas, sim, o bonapartismo que representa, do ponto de vista de Marx, a fase final do poder da burguesia¨. (Trotski, 2002: 174).

16Como discutia Engels, “Assim, o caráter de classe do movimento de Paris, que antes ficara relegado a segundo plano pela luta contra os invasores estrangeiros, ocorreu do dia 18 de março em diante com traços enérgicos e claros. Como os membros da comuna eram todos, quase sem exceção, operários ou representantes reconhecidos dos operários, as suas decisões distinguiam-se por um marcado caráter proletário. Estas decisões, ou decretavam reformas que a burguesia republicana apenas tinha renunciado a implantar por covardia, mas constituíam uma base indispensável para a livre ação da classe operária (como, por exemplo, a implantação do princípio de que, no que diz respeito ao Estado, a religião é um assunto puramente privado) ou iam diretamente ao encontro do interesse da classe operária e, em parte, abriam profundas fendas na velha ordem social.” (Engels, 2003:79).

17 ¨A partir de Paris, o esforço de sublevar a província restringiu-se ao envio de alguns delegados às cidades maiores. Mesmo com a bravura e o heroísmo dos insurgentes não foi possível obter vitória expressiva.” (Costa, 1998:91).

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