A práxis revolucionária de Frantz Fanon
Por Adelmo Felipe, Militante do PCB e do CNMO em Pernambuco
Coletivo Negro Minervino de Oliveira
Frantz Fanon nos deixou cedo demais. Aos 36 anos de idade, a Leucemia nos tirou um dos grandes pensadores e militantes anti-coloniais que os povos oprimidos tiveram a honra de forjar. Apesar da tenra idade, sua obra ecoa pelas décadas que sucederam seu falecimento, pois os objetos de sua crítica e combate, infelizmente, ainda nos rodeiam e nos matam.
Assim como todo grande e influente autor, sua obra é reivindicada por uma série de agrupamentos políticos e ideológicos. Muitas vezes recortando aspectos convenientes de sua vida, mas Fanon era um todo que precisa ser estudado, compreendido e divulgado como tal. Acima de tudo, ele foi um revolucionário.
Aqui vamos evitar cair em dois tipos de vícios diferentes. Alguns valorizam mais o caráter guerrilheiro, outros o caráter teórico. Ao nosso ver, não faz sentido separar essas duas características da práxis de Fanon, pois ambas contribuem para os dilemas que temos que lidar no presente.
Enquanto psiquiatra, bastante influenciado pela psicanálise, percebeu as contradições dos métodos de “tratamento” dos considerados loucos pelas sociedades coloniais e metropolitanas. Ao ler “Alienação e Liberdade”, podemos acompanhar o andamento das conclusões do martinicano. Para ele, não basta apenas questionar os métodos inumanos impostos pelo colonizador, mas também questionar os supostos “métodos humanizados” que não levam em consideração os aspectos singulares de cada povo. Será que um “tratamento” comumente oferecido a europeus franceses servirá para árabes do Magreb? Fanon vai muito além disso. Será que aquilo que é considerado loucura para o colonizador de fato deve ser tratado como tal? A “loucura” nada mais é do que a estigmatização de comportamentos, consequentemente de povos e culturas, tachados como anormais e fora do padrão. Qual seria esse padrão? A Europa, é claro. Todos os debates em torno da Luta Antimanicomial passam por um questionamento e combate às imposições subjetivas (senso comum) e objetivas (instituições) a respeito do “bom” comportamento em sociedade.
Esse é um grande ensinamento que precisa permear os revolucionários organizados em várias tendências, especialmente os comunistas: superar o capitalismo não é apenas mudar a forma econômica de apropriação da riqueza, mas superar também a subjetividade colonial manicomial e carcerária. Se a classe burguesa detém o poder material e espiritual, logo, ao tomar os meios de produção, também devemos lidar com a mentalidade burguesa com o objetivo de superá-la. Exemplos terríveis temos diariamente quando governos de “esquerda”, mesmo eleitos com plataformas populares, não se diferem em nada da Direita no que tange aos manicômios e aos presídios. É preciso ser radicalmente contra os manicômios e ao encarceramento em massa.
É importante pontuar que nosso martinicano combateu todas as perspectivas essencialistas e estereotipadas impostas aos povos colonizados. Um empreendimento colonial não obtêm “sucesso” se não buscar naturalizar a condição subalterna da população autóctone dominada. Em outras palavras, o colonizado é colocado como naturalmente inferior ao colonizador, assim como o negro seria inferior ao branco. Em “Racismo e Cultura”, Fanon faz questão de nos lembrar que a “ciência”, mesmo após a Segunda Guerra Mundial, ainda se firmava em pressupostos eugenistas. O essencialismo não para por aqui. Muitos, inclusive setores vastos do movimento negro, acabam tratando a racialização que nos foi imposta como uma espécie de identidade perene, que nos definiria acima de tudo. Um tipo de essencialismo “positivo”. Uma posição verdadeiramente radical pressupõe a superação da racialização à medida que a emancipação do povo trabalhador, em suas particularidades, avance.
Fanon presenciou as contradições da realidade colonial no Norte da África e percebeu que havia um limite em seu trabalho enquanto psiquiatra, por mais crítico que fosse. Tudo isso pode ser resumido em uma frase: “Como podemos tratar o ser humano numa sociedade que adoece?”. É possível manter uma Saúde Mental minimamente sã tendo que se desdobrar em estudos, trabalho, família, transporte público ruim, moradia precária, quedas de energia, falta de água e calor intenso? De forma alguma há aqui um descrédito aos profissionais da psicologia, muito menos um desestímulo à busca por ajuda, mas uma constatação deve ser feita: Para “curar” essa sociedade, de uma vez por todas, só a revolução!
Fanon se associou à guerra de libertação nacional argelina. Não se limitou a teorizar em uma cátedra muito bem remunerada na França.
O imperialismo não abre espaço para os “não-humanos”. Colonialismo é genocídio, destruição, epistemicídio, racismo, exclusão. Tal qual os Sionistas, os franceses se viam no direito de ocupar, anexar e “civilizar” aquele povo “bárbaro”. Nada mais justo que reagir com armas em mãos. Fanon não viu a independência da Argélia, mas os frutos de sua vida em defesa dos povos colonizados e pela superação do racismo permanecem bem vivos.
No Brasil, importantes teóricos como Deivison Faustino e Walter Lippold trabalham com a obra de Fanon e divulgam seu pensamento, incorporando sua teoria à questões da atualidade como o “Colonialismo Digital”, fundamental para pensar como as Big Techs conquistam, mantém e expandem sua influência pelo mundo.
Também é importante saudar os esforços do Grupo de Estudos Frantz Fanon, criado no início de 2023 na UFPE, cujo objetivo é ler, estudar, divulgar e promover a obra do martinicano, sempre demandando que seu caráter revolucionário nunca seja esquecido! Graças ao GEFF esse texto foi possível. Os vários encontros, permeados por descontração, nos permitem pensar a realidade brasileira usando o arcabouço vasto legado por Fanon.
Enquanto Coletivo Negro Minervino de Oliveira, classista e revolucionário, é nossa responsabilidade assimilar essa obra e criar uma práxis que combata os essencialismos dentro do movimento negro, além das pretensões reformistas insuficientes do Campo Democrático-Popular.
Viva Frantz Fanon!
Viva a Luta Antimanicomial!
Viva a Revolução!