Lênin: “Sobre a unidade do Partido”

RESOLUÇÃO DO X CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA RUSSO (BOLCHEVIQUE) – MARÇO DE 1921

1. O congresso chama a atenção de todos os membros do partido para o fato de que a unidade e a coesão das suas fileiras, a garantia da completa confiança entre os membros do partido e de um trabalho verdadeiramente fraterno, autêntica encarnação da unidade de vontade da vanguarda do proletariado, são particularmente necessários neste momento em que por uma série de circunstâncias aumentam as vacilações entre a população pequeno-burguesa do país.

2. No entanto, tinham-se revelado no partido, ainda antes da discussão em todo o partido sobre os sindicatos, alguns indícios de fracionismo, isto é, o aparecimento de grupos com plataformas especiais e com tendência para se isolarem até certo ponto e criarem a sua própria disciplina de grupo. Tais indícios de fracionismo manifestaram-se, por exemplo, numa das conferências do partido em Moscou (em novembro de 1920) e em Khárkov (1), tanto da parte do grupo da chamada «oposição operária» como também parcialmente da parte do chamado grupo do “centralismo democrático” (2).

É necessário que todos os trabalhadores conscientes compreendam com clareza o caráter pernicioso e inadmissível de todo o fracionismo, o qual, mesmo apesar do desejo dos representantes de alguns grupos de manter a unidade do partido, conduz inevitavelmente na prática ao enfraquecimento do trabalho fraterno e às tentativas acentuadas e repetidas dos inimigos do partido no poder, que se infiltram nele, de aprofundar as suas dimensões e de servir-se delas para os objetivos da contrarrevolução.

O aproveitamento pelos inimigos do proletariado de todos os desvios da linha comunista rigorosa e consequente é demonstrado da maneira mais evidente no exemplo do motim de Kronstadt, quando a contrarrevolução burguesa e os guardas brancos de todos os países do mundo se mostraram imediatamente dispostos a aceitar até as palavras de ordem do regime soviético, desde que se derrubasse a ditadura do proletariado na Rússia, quando os socialistas-revolucionários e a contrarrevolução burguesa em geral utilizaram em Kronstadt as palavras de ordem de insurreição pretensamente em nome do Poder Soviético contra o Governo Soviético da Rússia. Estes fatos mostram plenamente que os guardas brancos querem e sabem se disfarçar de comunistas, e mesmo de comunistas mais à esquerda, desde que seja enfraquecido e derrubado o baluarte da revolução proletária na Rússia. Os panfletos mencheviques em Petrogrado às vésperas do motim de Kronstadt mostram também como os mencheviques se aproveitaram das divergências e de certos germes de fracionismo dentro do Partido Comunista Russo para incitar e apoiar de fato os amotinados de Kronstadt, os socialistas-revolucionários e guardas brancos, embora em palavras se apresentassem como adversários do motim e partidários do Poder Soviético, apenas com algumas pretensas pequenas correções.

3. A propaganda sobre esta questão deve consistir, por um lado, em explicar circunstanciadamente o prejuízo e o perigo do fracionismo do ponto de vista da unidade do partido e da realização da unidade de vontade da vanguarda do proletariado, como condição fundamental do êxito da ditadura do proletariado e, por outro lado, em explicar a especificidade dos novos métodos táticos dos inimigos do Poder Soviético. Estes inimigos, convencidos do fracasso irremediável da contrarrevolução abertamente sob a bandeira dos guardas brancos, fazem agora todos os esforços para se agarrar às divergências dentro do Partido Comunista Russo e para pôr em movimento de um ou de outro modo a contrarrevolução, pela entrega do poder aos grupos políticos superficialmente mais próximos ao reconhecimento do Poder Soviético.

A propaganda deve explicar também a experiência das anteriores revoluções, em que a contrarrevolução apoiava os grupos pequeno-burgueses mais próximos do partido revolucionário extremo, para fazer vacilar e derrubar a ditadura revolucionária, abrindo com isso caminho para a vitória completa da contrarrevolução dos capitalistas e latifundiários.

4. Na luta prática contra o fracionismo é preciso que cada uma das organizações do partido respeite com o maior rigor a inadmissibilidade de quaisquer atuações fracionistas. A crítica absolutamente necessária dos defeitos do partido deve ser formulada de modo a que qualquer proposta prática seja exposta com a maior clareza possível e submetida imediatamente, sem qualquer morosidade, ao exame e à decisão dos órgãos dirigentes locais e central do partido. Todos aqueles que intervenham com críticas devem ter ainda em conta, no que concerne à forma da sua crítica, a situação do partido, rodeado de inimigos e, no que se refere ao conteúdo da crítica, devem, com a sua participação direta no trabalho dos Sovietes e do partido, verificar na prática a correção dos erros do partido ou de alguns dos seus membros. Toda a análise da linha geral do partido ou a apreciação da sua experiência prática, a verificação do cumprimento das suas decisões, o estudo dos métodos de correção dos erros, etc., não devem ser submetidos, em nenhum caso, à discussão prévia dos grupos que se formam com base em qualquer «plataforma», etc., mas devem ser submetidos exclusivamente à discussão direta de todos os membros do partido. Para isto o congresso determina que se edite com maior regularidade a Diskussiónni Lístok (3) e coletâneas especiais, procurando constantemente que a crítica vá ao fundo da questão sem assumir nunca formas que possam ajudar os inimigos de classe do proletariado.

5. Repudiando por princípio o desvio para o lado do sindicalismo e do anarquismo, a cuja análise é dedicada uma resolução especial (4) e encarregando o Comitê Central de suprimir totalmente qualquer fracionismo, o congresso declara ao mesmo tempo que, quanto às questões que mereceram uma atenção especial, por exemplo, a do grupo da chamada «oposição operária», a depuração do partido dos elementos não proletários e inseguros, a luta contra o burocratismo, o desenvolvimento da democracia e da iniciativa dos operários, etc., quaisquer propostas concretas devem ser analisadas com a máxima atenção e verificadas na atividade prática. O partido deve saber que, no que se refere a estas questões, não aplicamos todas as medidas necessárias, tendo encontrado toda uma série de diferentes obstáculos que o partido, repudiando implacavelmente a pretensa crítica não concreta e fracionista, experimentando métodos novos, continuará a lutar incansavelmente e por todos os meios contra o burocratismo, pelo alargamento da democracia, da iniciativa, pela descoberta, desmascaramento e expulsão dos que se infiltraram no partido, etc.

6. O congresso declara por isso dissolvidos e determina que se dissolvam imediatamente todos os grupos, sem exceção, que se tenham formado com base numa ou noutra plataforma (como o grupo da «oposição operária», do «centralismo democrático», etc.). O não cumprimento desta decisão do congresso implicará a incondicional e imediata expulsão do partido.

7. Para realizar uma disciplina rigorosa dentro do partido e em todo o trabalho soviético e conseguir a maior unidade com a eliminação de todo o fracionismo, o congresso dá ao Comitê Central plenos poderes para adotar, nos casos de violação da disciplina ou renascimento ou admissão do fracionismo, todas as medidas de sanções partidárias, incluindo a expulsão do partido e, em relação aos membros do CC, a passagem a suplentes e, como medida extrema, a expulsão do partido. Para aplicar esta medida extrema aos membros do CC, aos suplentes do CC e aos membros da Comissão de Controle, é condição necessária a convocação de uma reunião plenária do CC para a qual serão convidados todos os suplentes do CC e todos os membros da Comissão de Controle. Se esta assembleia geral dos dirigentes mais responsáveis do partido reconhecer, por uma maioria de dois terços dos votos, a necessidade de passar a suplente um membro do CC ou a sua expulsão do partido, essa medida deve ser aplicada imediatamente (5).

Publicado pela primeira vez em 1923 no nº 22 da revista Projéktor.

Notas:

O X Congresso do PCR (b) realizou-se em Moscou em 8-16 de Março de 1921, nele tendo participado 694 delegados com voto deliberativo e 296 com voto consultivo, representando 73.2521 membros do Partido. Da ordem de trabalhos constavam as seguintes questões: 1) relatório do CC; 2) relatório da Comissão de Controle; 3) os sindicatos e o seu papel na vida econômica do país; 4) a República Soviética no cerco capitalista, o comércio externo, as concessões, etc.; 5) o trabalho de abastecimento, o sistema de requisições, o imposto em espécie e a questão da crise de combustíveis; 6) questões da construção partidária; 7) tarefas imediatas do Partido na questão nacional; 8) a reorganização do exército e a questão da milícia; 9) o Comitê Principal de Instrução Política e o trabalho de agitação e propaganda do Partido; 10) relatório do representante do PCR na Internacional Comunista e as suas tarefas imediatas; 11) relatório dos membros do PCR na Conselho Internacional dos Sindicatos; 12) eleições para o Comitê Central, para a Comissão de Controle e para a Comissão de Revisão. Os trabalhos foram dirigidos por Lênin, que proferiu discursos na abertura e no encerramento do Congresso e apresentou relatórios sobre a atividade política do CC, sobre a substituição das requisições pelo imposto em espécie, sobre a unidade do Partido e o desvio anarcossindicalista, sobre os sindicatos e sobre a questão dos combustíveis. Os projetos das resoluções mais importantes do Congresso foram preparados por Lênin. No relatório sobre a atividade do CC e no relatório sobre a substituição das requisições pelo imposto em espécie, Lênin fundamentou de um modo profundo, teórica e politicamente, a necessidade da passagem à NEP. De acordo com o relatório de Lênin, o Congresso aprovou as decisões históricas sobre a substituição das requisições pelo imposto em espécie e sobre a passagem do comunismo de guerra à nova política econômica. O Congresso dedicou uma especial atenção à questão da unidade do Partido. Na resolução, aprovada por proposta de Lênin, «Sobre a unidade do Partido» prescrevia-se a imediata dissolução de todos os grupos fracionistas, que conduziam ao enfraquecimento do Partido e minavam a sua unidade. O Congresso deu ao CC poderes para decidir, como medida extrema, a expulsão do Partido de membros do Partido que se lançassem na via do fracionismo. Na resolução «Sobre as questões da construção partidária» o Congresso apontou medidas para ampliar a democracia dentro do Partido e reorganizar a atividade do Partido sobre a mais ampla base democrática. Nos trabalhos do X Congresso ocupou um lugar considerável a questão do papel dos sindicatos na construção econômica. Fazendo o balanço da discussão sobre os sindicatos, o Congresso condenou resolutamente as concepções dos trotskistas, dos bukharinistas, da «oposição operária», do grupo do «centralismo democrático» e de outros grupos oposicionistas, e aprovou por esmagadora maioria a plataforma leninista, na qual se definia o papel dos sindicatos como escola de comunismo e se avançavam medidas para o alargamento da democracia sindical. Na decisão sobre a questão nacional, elaborada por uma comissão dirigida por Lênin, o Congresso apresentou a tarefa de liquidar inteiramente a desigualdade de fato dos povos anteriormente oprimidos e de os atrair a uma participação ativa na construção do socialismo. Foram condenados pelo Congresso os desvios na questão nacional — o chauvinismo de grande potência e o nacionalismo. O Congresso elegeu um Comitê Central composto por 25 membros e encabeçado por Lênin.

(1) Trata-se da V Conferência de Toda a Ucrânia do Partido realizada em Kharkov em novembro de 1920. Nessa conferência votaram pela plataforma de «oposição operária» 23 pessoas em 316, isto é, 7%.

(2) Grupo do «centralismo democrático»: grupo oposicionista composto por M. S. Boguslávski, A. Z. Kamenski, V. N. Maximóvski, N. Ossimski, (V. V. Obolenski), Rafail (R. B. Farbman), T. V. Saprónov, V. M. Smirnov e outros, apareceu pela primeira vez no VIII Congresso do PCR(b). No IX Congresso do PCR(b) apresentaram os seus co-relatores que discursaram sobre as questões da edificação econômica e o problema da organização. No decurso da discussão acerca dos sindicatos, em 1920-1921, o grupo do «centralismo democrático» publicou a sua plataforma fracionista. No X Congresso do PCR(b), o co-relator apresentado por esse grupo foi V. N. Maximóvski. Os membros do grupo da «oposição operária» negavam o papel dirigente do partido nos Sovietes e nos sindicatos, pronunciavam-se contra o princípio da direção unipessoal e da responsabilidade pessoal na administração das empresas, contra os princípios leninistas nas questões da organização, exigiam a liberdade para as frações e grupos. Os membros deste grupo não tinham influência entre as massas do partido. Em 1923, o grupo do «centralismo democrático» dissolveu-se, aliando-se os seus chefes à oposição trotskista.

(3) Diskussiónni Lístok (Folha de discussão): publicação não periódica do CC do PCR(b) editada por resolução da IX Conferência de Toda a Rússia do PCR(b). Nas vésperas do X Congresso apareceram edições em janeiro e fevereiro. Posteriormente, a sua edição era retomada nos períodos de discussões e nas vésperas dos congressos do Partido.

(4) Trata-se da resolução «Sobre o desvio sindicalista e anarquista no nosso Partido».

(5) Por decisão do Congresso, o sétimo ponto da resolução «Sobre a unidade do Partido» não foi publicado na altura do Congresso, sendo sido tornado público na XIII Conferência do PCR(b), em janeiro de 1924. Ao condenar a luta fracionista de L. D. Trótski e dos trotskistas contra o Partido, a Conferência resolveu publicar o sétimo ponto da resolução «Sobre a unidade» aprovada pelo X Congresso do Partido. Esse ponto foi publicado no Boletim da XIII Conferência do PCR(b).

Fontes:

https://www.marxists.org/portugues/lenin/1921/03/16.htm

https://soviethistory.msu.edu/1917-2/conflict-with-the-church/conflict-with-the-church-texts/on-the-unity-of-the-party/