O ensino híbrido nas universidades públicas

imagemAs contradições do retorno das aulas práticas na UFSC

Por Célula Marcos Cardoso Filho – Florianópolis/SC

Com a chegada da pandemia, o capital avançou com seu projeto sobre as universidades públicas. O ensino híbrido, pois, se apresenta como sua principal tendência: se por uma lado corta o orçamento que seria destinado às universidades públicas, precarizando-as ainda mais, por outro, encontra o cenário ideal para normatizar o projeto de interesse de grandes empresas que fazem das Universidades um grande balcão de negócios. Há um discurso que tenta convencer que tais medidas são apenas para o momento excepcional em que vivemos, mas a análise do movimento do capital mostra que, se trabalhadores e estudantes não avançarem em seu nível organizativo, essa tendência não acabará após o controle da pandemia.

Mostraremos aqui, à guisa de exemplo, um caso emblemático: uma resolução normativa que regulamenta o retorno de aulas presenciais na Universidade Federal de Santa Catarina.

No dia 19 de maio de 2021 a Câmara de Graduação emitiu a Resolução Normativa 090/2021 que dispõe sobre as condições de oferta de disciplinas teórico-práticas e práticas dos cursos de graduação da UFSC, nos semestres de 2021/1 e 2021/2. A normativa permite que os departamentos de ensino façam um levantamento de disciplinas práticas represadas, ou não, e as adequem com base no novo guia de biossegurança, publicado um mês depois, pela reitoria, através da Portaria 399/2021. Ao fim e ao cabo, a normativa é uma forma de pulverizar o debate necessário, que deveria envolver toda a comunidade universitária, restringindo-o aos colegiados de cursos e à Câmara de Graduação. Parece que o modus operandi que orientou as decisões em relação ao ensino remoto – à revelia das condições dos trabalhadores da universidade e principalmente dos seus estudantes – volta a operar na tomada de decisão de um tema tão caro, não só à universidade, mas, também, à comunidade externa que será invariavelmente afetada.

O tema é delicado e mobiliza um problema real: a precariedade e insuficiência das atividades na modalidade remota. Não foi preciso mais do que um semestre para que ficasse explícito o quão rebaixada é a proposta pedagógica fundamentada nesse modelo que, aliás, é uma tendência que avança no interior das universidades públicas e promete permanecer mesmo quando tivermos condições sanitárias para a retomada de toda e qualquer atividade presencial. Reconhecemos a importância e insubstituibilidade do ensino presencial, contudo, isso não justifica a adoção de um modelo híbrido, ainda mais quando o Brasil atinge mais de 520 mil mortes por COVID-19.

A normativa em vigor desconsidera uma série de incoerências, dentre as quais, algumas apontamos a seguir:

Modificação no guia de biossegurança: A nova normativa mantém a caracterização da Fase 1 como “Cenário em que a doença não está controlada no Brasil ou em Santa Catarina, com aumento permanente do número de casos e óbitos e alta taxa de contágio (p.20)”, no entanto, aumenta o número de atividades essenciais e inadiáveis, incluindo dentre elas a oferta de disciplinas teórico-práticas e práticas dos cursos de graduação da UFSC. No entanto, pouca coisa mudou desde o primeiro guia de biossegurança. Atualmente, segundo o último boletim epidemiológico emitido pelo Estado de Santa Catarina, 96,4% dos leitos de UTI para adultos estão ocupados. As macrorregiões de SC se encontram, em sua maioria, caracterizadas como estado gravíssimo há mais de 2 meses e em ascensão de contágio e óbitos.

Desconsideração das condições dos/das discentes: O retorno de atividades presenciais faria com que centenas de estudantes tivessem que retornar às cidades dos campi. Grande parte dos estudantes da UFSC retornaram para as suas cidades de origem como forma de fugir do preço de aluguéis exorbitantes, alimentação, gás e etc. Num momento de aprofundamento da carestia isso não é um mero detalhe. Sabemos, obviamente, que em um determinado momento, tais estudantes teriam que voltar para perto de seu campus de estudo, mas isso não pode acontecer no meio da pandemia, inclusive, considerando a terceira onda que parece se aproximar. O que mudou do semestre passado para cá? Em termos de contágio – com uma vacinação a passos lentos e com falhas estratégicas – nada! Por mais paradoxal que seja, a Universidade toma medidas negando seus próprios dados científicos.

Na normativa, é apresentada a possibilidade de estudantes, professores e TAEs, por meio de justificativa, não realizarem as atividades presenciais, desde que repondo a carga horária e conteúdo (de que forma? a normativa não aponta). Aqui, admite-se, como de praxe, que alguns estudantes ficarão de fora, como se isso se tratasse de uma escolha. A pergunta que fazemos é: quais estudantes não poderão usufruir dos necessários conteúdos teórico-práticos na sua formação? Como ficará a situação daqueles que dependem de moradia estudantil e do restaurante universitário? E aquelas que devido a pandemia não podem retornar nesse momento? Trata-se de mais uma decisão que exclui uma grande parcela dos/das estudantes sem condições de dar continuidade à sua formação com a devida qualidade.

Condição de trabalho dos servidores: No novo Guia de Biossegurança a Fase 1 apresenta as mesmas limitações da versão anterior, suas modificações são principalmente no sentido de aumentar o número de atividades consideradas essenciais e consequentemente, aumentar o número de trabalhadores circulando na universidade. Além da oferta de aulas presenciais, outros setores foram afetados, como manutenção predial, serviços de fornecimentos de materiais e insumos, malotes, emissão de diplomas, gestão de pessoas e Biblioteca Universitária. Ou seja, há um aumento significativo de setores autorizados às atividades presenciais sem que a pandemia de fato esteja controlada. Entretanto, nenhum estudo foi realizado no sentido de verificar a efetividade do atendimento aos critérios e orientações para realização de atividades presenciais da primeira versão do Guia (que continuam as mesmas e não sofreram alterações significativas). Há relatos de trabalhadores desempenhando suas atividades de forma presencial sem qualquer preocupação da gestão em corresponder às exigências do guia, principalmente na garantia de local adequado, com fornecimento de EPIs, para o desempenho das atividades. O guia atual sequer demonstra preocupação com o fornecimento de EPIs adequados como a máscara PPF2 e continua recomendando o fornecimento de máscaras de tecido aos seus trabalhadores, mesmo diante das limitações de proteção da mesma, já comprovadas. Aparentemente o falecimento de uma servidora terceirizada do Colégio Aplicação que desempenhava as suas atividades presenciais não serviu como alerta à gestão da Universidade. Desta forma, o documento vem normatizar as práticas equivocadas que já ocorrem ao invés de, partindo de um acúmulo das discussões com os trabalhadores e respaldados cientificamente, restringir tais práticas.

Efeito cascata dentro e fora da Universidade: O deslocamento de centenas de estudantes exigirá que as cidades estejam preparadas para recebê-los, mas já sabemos de antemão que elas não estão. Em muitas delas os pacientes internados por covid estão sendo transferidos para cidades mais próximas, devido à lotação das UTIs. Quando falamos de centenas de estudantes estamos falando de lotação no transporte público, uso do Restaurante Universitário (do qual a normativa sequer menciona), mais internamentos em hospitais já lotados e etc.

Perigos do ensino híbrido: É preciso estarmos atentos para os perigos da implementação do ensino híbrido nas universidades e escolas para além do período da pandemia. Este modelo interessa ao capital como mais uma fonte de lucro, que provém de recursos públicos, com o uso de plataformas digitais de ensino. Além disso, estamos presenciando um desfinanciamento da educação, observado no crescente corte de verbas para as universidades federais, as quais correm o risco de serem fechadas. Não podemos permitir que o ensino híbrido se apresente como solução para a falta de verba e para a necessidade de aulas práticas.

O foco da nossa luta deve ser pela vacinação massiva e rápida de toda a população para que possamos retornar, com segurança, o ensino presencial. Aliado a isso, devemos seguir organizando nossas bases em defesa da universidade pública, gratuita, presencial, socialmente referenciada e democrática.

POR UMA UNIVERSIDADE POPULAR!

POR CIÊNCIA E TECNOLOGIA VINCULADAS ÀS DEMANDAS DA CLASSE TRABALHADORA!

PARA SALVAR VIDAS: CONSTRUIR A GREVE GERAL JÁ!