A guerra psíquica e a memória histórica
Por Marcos Roitman Rosenmann
Desde Abajo
Quando a direita latino-americana apresenta o esquecimento pretende ocultar a verdade, aquela que assinala seus crimes
Nestes tempos de capitalismo digital, da era da informação, com a big data como bandeira, o grau de ignorância se multiplica. A manipulação, a mentira e o esquecimento são armas em uma guerra para minar a consciência. Trata-se de acabar com a memória, essa relação que nos une com o passado e faz do ser humano um ser social que vive e se responsabiliza com seus congêneres.
No entanto, negar o papel da memória traz consigo romper a condição humana. Se a história se reduz a um conjunto de dados e datas, que sentido tem perguntar a relação entre a bomba atômica e a decisão de lançá-la? A quem responsabilizamos? Não tem por que recordar se dito exercício não vai precedido de um ato no qual o imperativo do dever ser modula a conduta. Hoje, a renúncia à memória histórica, forma específica de memória, a cultural, tem enormes consequências para o futuro da humanidade.
A maneira de viver o mundo que nos é proposta se assemelha a um computador, no qual é possível instalar programas descartáveis, desconexos, cuja função consiste em entreter, despistar, não pensar e bloquear o acesso ao disco rígido. Somos gadgets dos algoritmos. Pensamos de maneira linear e rompemos o sentido não linear da existência. Assistimos à guerra psíquica de última geração, que cria operadores sistêmicos, submissos à hora de receber e cumprir ordens. Controlam-se gostos, afetos, sentimentos, emoções, caráter. Não existe ancoragem. Tudo forma parte de um sistema caracterizado pelo imediatismo, a velocidade e a aceleração do tempo. Refletir está proibido. A nova inquisição atua de maneira invisível. Não faz falta recorrer à violência física, ainda que não deixe de fazê-lo. Agora trabalha-se em rede. Megas de Internet, dispositivos sofisticados para não pensar. Atuar, atuar e atuar. Vive-se em um presente perpétuo.
A militarização do poder leva a transferir o sistema militar hierárquico às relações humanas cotidianas na vida civil. Para consegui-lo é obrigado a romper com a vontade. O ser humano é atacado em sua natureza, transformando em migalhas uma de suas qualidades: a capacidade de julgamento crítico sob um componente ético e moral. O ser humano se torna migalhas. A vida se constitui em retalhos. Robôs alegres, pragmáticos, empreendedores, empoderados todos, sem um grama de consciência coletiva. Eficaz maneira de anular as responsabilidades que se derivam dos atos que cometemos.
A cibernética e a informática são as armas para consegui-lo. Não por seu princípio, mas pelo controle que o complexo militar industrial e financeiro faz das tecnociências. Os serviços de inteligência das grandes potências conseguiram transferir o campo de batalha. Não mais Waterloo, Verdun, Stalingrado. Os mortos no corpo a corpo e baioneta calada se convertem em vítimas das novas armas estratégicas da guerra psíquica: Google, Facebook, Amazon, Microsoft, Twitter.
Sem memória, sem história, sem relatos, não existe opção de conhecimento, não existe passado. Nossa responsabilidade consiste em trazer ao presente esse passado que nos condiciona, une e torna humanos. Não é possível evadir essa responsabilidade. A memória coletiva é o resultado de um processo, um diálogo permanente que mostra a relação biológica que nos une a nossos antepassados e o processo social cultural. Supõe compartilhar filogeneticamente um tronco comum. Como assinalam os biólogos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana: do ponto de vista histórico, o anterior é válido para todos os seres vivos e todas as células contemporâneas. Compartilhamos a mesma idade ancestral. Por isto, para compreender os seres vivos em todas suas dimensões e, assim, compreendermos a nós mesmos, se torna necessário entender os mecanismos que fazem do ser vivo um ser histórico. Quando deixarmos de fazê-lo só restará viver a morte. Então, nada unirá os seres humanos.
Tomar responsabilidades ético-morais frente ao passado leva a reconhecer os erros cometidos, e no dizer de Enrique Florescano: responder por eles e fazer as reparações do caso às vítimas e a seus descendentes.
Quando a direita latino-americana apresenta o esquecimento pretende ocultar a verdade, aquela que assinala seus crimes, genocídios e assassinatos. Por isso, renegam a memória e a consciência.
Fonte original: https://www.desdeabajo.info/sociedad/item/34949-la-guerra-psiquica-y-la-memoria-historica.html
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)