Nação Mapuche mobilizada contra repressão do Estado chileno
Andrés Figueroa Cornejo
Após o assassinato de Camilo Catrillanca, lutador e comuneiro mapuche, cometido pela polícia militar na zona de Temucucui, Ercilla (Chile), no dia 14 de novembro, a mobilização popular de resistência mapuche e do povo chileno por todo o país nos últimos dias, finalmente precipitou a renúncia do Intendente Regional de La Araucanía, Luis Mayol.
A ex-autoridade de ultradireita, Luis Mayol, assinalou sem convicção que “saio tranquilo e, como tenho dito, hoje La Araucanía está muito melhor que havia oito meses atrás”.
Certo é que, desde o crime cometido contra o jovem Catrillanca pelo Comando Jungla, força especializada e treinada na Colômbia para fins contrainsurgentes, destacado especialmente para a repressão na já militarizada zona onde as comunidades mapuche lutam centenariamente por seu território e independência, em todo o Chile aconteceram manifestações de protesto contra a violência que se abate diariamente e há tempos sobre a nação originária.
Agora, o protesto social massivo pede também a renúncia do ministro do Interior Andrés Chadwick, primo de Piñera, provocando assim uma verdadeira crise governamental, inimaginável uma semana atrás.
As mobilizações populares não pensam em parar. Estudantes, populares e trabalhadores já começam a tomar consciência de suas forças, e persistirão em seu objetivo imediato de destituir o ministro do Interior, peça fundamental no péssimo governo administrado por Sebastián Piñera, responsável pela piora das condições de vida a que têm sido submetidas as grandes maiorias.
Entre os líderes presentes no funeral do jovem weichafe Catrillanca se encontrava o fundador da Coordenadora Arauco Malleco, Héctor Llaitul, que disse haver entrado com representação nos organismos de resistência territorial (ORT) para “reivindicar Camilo Catrillanca como guerreiro-weichafe da nação mapuche”, a quem qualificou também como um “mártir” da luta territorial.
“Nós entendemos que, neste caminho, nosso weichafe nos dará a energia necessária para seguir combatendo os nossos inimigos, os quais se encontram dentro do sistema e do estado capitalista”, assinalou Llaitul.
O avô do comuneiro falecido e lonko (chefe) da comunidade de Temucuicui, Juan Catrillanca, fez um chamado para rechaçar qualquer tipo de diálogo com o governo do Presidente Sebastián Piñera. “É hora de nos unirmos e não aceitarmos mais as migalhas da proposta que Piñera trouxe para a região. Essa é a luta e o motivo para que de uma vez por todas nos unamos”.
O lonko da comunidade Juan Paillalef, Juana Calfunao, ressaltou a atual divisão que existe no interior do povo mapuche e fez um apelo no sentido de que os líderes “não sigam competindo para ter mais seguidores”. “Há que liderar com as ideias claras. Devemos lutar pela libertação de nosso povo, para retirá-lo da injustiça e da contaminação do Estado chileno”, indicou.
O porta voz do Conselho de Todas as Terras, Aucán Huilcamán, assegurou que se trata de “um dia doloroso para o povo, reunido por causa da execução de que foi objeto nosso irmão”, e conclamou a todos a assumir o dever “de ratificar nosso compromisso com a luta do povo mapuche, pela promoção e proteção de nossos direitos cada vez que se vejam ameaçados”.
O werkén (mensageiro) de Temucuicui, Mijael Carbone, fez um chamado aos jovens mapuches para que “não se esqueçam de quem são nossos inimigos e que eles não vivam em paz”.
A cerimônia se realizou no interior da comunidade autônoma, onde somente puderam ingressar aqueles que tinham permissão das autoridades do lugar.
Uma vez culminada a despedida que a família preparou para o jovem, puseram-se à disposição do promotor Roberto Garrido, encarregado de investigar o eventual homicídio, cuja autoria aponta para quatro policiais uniformizados que participaram do operativo. Foram colhidos testemunhos de diferentes membros da comunidade, além do adolescente de 15 anos que acompanhava Catrillanca, com o fim de esclarecer o sucedido na tarde de quarta-feira, dia em que o jovem de 24 anos foi morto, enquanto o denominado Comando Jungla de Carabineiros intervinha na zona, em consequência do roubo de três veículos no setor de Quecherehua.
Assista o vídeo em: http://www.
Camilo Catrillanca, mais um assassinado por um Estado a serviço dos interesses empresariais
O assassinato do comuneiro mapuche Camilo Catrillanca em Temucuicui não é um fato isolado. Trata-se de mais um crime cometido pelas forças policiais e repressivas. É um crime de Estado perpetrado por agentes destinados a manter uma região submetida à militarização e assolada pelo terror desatado por contingentes uniformizados enfurecidos e alienados pela verborragia do poder.
Desde o primeiro momento, tanto as autoridades políticas como policiais quiseram encobrir o delito, tentando eludir responsabilidades e, pior ainda, se deram as mãos para falsear os fatos, ocultar as evidências e destruir provas.
As argumentações de uns e outros eram tão contraditórias e carentes de veracidade que beiraram o absurdo e o grotesco. Esquecem estas autoridades de que se trata de vidas de cidadãos civis deste país que estão sendo mortas. Não se trata, inclusive, de um tipo qualquer tipo de cidadãos, mas dos que pertencem aos povos originários desta terra, aqueles que eram e são os legítimos possuidores das terras, das quais têm sido desalojados pela voracidade de um Estado devorador e de um empresariado predador. Tentar impedir o legítimo direito de querer recuperar as terras usurpadas pela via do terror e das balas não é, não tem sido, e jamais será um bom caminho.
A simples força da verdade obrigou o Subsecretário do Interior, Rodrigo Ubilla, a qualificar o fato como homicídio, desvelando a falsidade das afirmações dos oficiais superiores de Carabineiros (incluído seu Diretor Geral) e do- Intendente da Região de la Araucanía. Também obrigou ao Ministro do Interior, Andrés Chadwick a reconhecer o indesmentível dos fatos: as forças repressivas ocultaram o crime e falsearam a dinâmica dos fatos.
As comunidades Autônoma e Tradicional de Temucuicui têm sido um baluarte do povo mapuche nestas lutas pela recuperação de suas terras. Por isso mesmo têm sido duramente reprimidas pelo Estado chileno e pelas autoridades políticas, de maneira mais notória e infame pelos governos pós ditadura.
Camilo Catrillanca era neto do histórico lonko da comunidade Tradicional de Temucuicui, Juan Catrillanca. O jovem era motorista de trator em sua comunidade, pai de um menino e esperava outro, pois sua parceira está grávida. Desde pequeno, Camilo participava da resistência de sua comunidade: em 2011, então adolescente, destacou-se como dirigente na tomada do Liceu Técnico Pailahueque, num evento de caráter intercultural. Este mesmo liceu, no ano de 2016, foi convertido, no governo de Bachelet, em uma Prefeitura de Forças Especiais de Carabineiros. A demanda por uma educação popular obteve como resposta a conversão desse estabelecimento educacional num posto de comando para reprimir. Isto foi uma invasão. Nesse mesmo liceu estava estudando Alex Lemún, o primeiro comuneiro tombado durante a luta pela recuperação territorial realizada desde o início dos governos civis, assassinado por Carabineiros tão logo recebeu o impacto de uma bala de metal em sua cabeça no dia 7 de novembro de 2002, quando tinha 17 anos de idade, no governo de Ricardo Lagos.
Este novo crime em novembro de 2018 foi um assassinato covarde cometido pelo Grupo de Operações Especiais de Carabineiros (GOPE), que fez uso de armas de fogo de grosso calibre, disparando pelas costas num jovem desarmado que conduzia um trator no interior de sua comunidade. O objetivo do jovem de evitar que as forças repressoras irrompessem contra a comunidade (algo equivalente a que delinquentes desalmados fazem ao invadir a casa de qualquer cidadão) foi respondido a balaços contra as pessoas. Outro menor também ficou ferido gravemente e seu testemunho tem servido para desmantelar o emaranhado de mentiras e falsidades em torno dos fatos.
A força policial sabia perfeitamente contra quem disparavam. Os operativos de cerco em torno das comunidades de Temucuicui são permanentes por parte de carabineiros, os quais incluem o controle e revista de todos os comuneiros. Os carabineiros conhecem ou terminam por conhecer todo mundo que se desloca na cotidianidade da vida no interior de suas comunidades, ou pelos caminhos e trilhas dos campos.
O relato policial sobre a morte de Camilo Catrillanca era tão débil, que os próprios tribunais de justiça de Temuco, tradicionalmente cúmplices das montagens policiais de tradição racista, desta vez não aderiram ao cabedal de mentiras e fervor comunicacional dos meios de comunicação. Imediatamente se puseram em liberdade os detidos no operativo em Temucuicui, talvez temerosos de que fizessem parte de outra montagem grotesca como a ruidosa e ainda fresca na memória “Operación Huracán”.
Por outro lado, o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) anunciou uma denúncia por torturas contra os Carabineiros pelo tratamento dado ao jovem de 15 anos que acompanhava Camilo Catrillanca no trator no momento em que foi assassinado. O menor foi ademais o primeiro a desmentir a informação dos Carabineiros e a dizer que estava em condições de identificar qual dos quatro carabineiros foi o assassino material.
No último domingo, soube-se da destituição dos carabineiros do GOPE envolvidos, assim como da renúncia do Coronel responsável pela operação e de toda a zona de Temuco. Nesta terça o intendente de la Araucanía, Alberto Mayol, também deixou seu cargo. Não obstante, isto não representa, nem ao menos garante a aplicação de medidas destinadas a desmilitarizar os territórios mapuche.
Não se deve apenas exigir responsabilidades políticas do atual governo, mas também aos ex-governantes e partidos da Concertación/Nueva Mayoría, pois sob seus governos começou a se estabelecer esta política de repressão permanente contra o povo mapuche. Em governos passados foram assassinados de uma forma igualmente covarde os comuneiros mapuche Alex Lemún, Matías Catrileo e Jaime Mendoza Collío, e não apenas se protegeram os criminosos, como também se realizaram promoções dos assassinos dos comuneiros.
É imoral que hoje estes partidários de governos repressores pós ditadura se apresentem como defensores dos direitos humanos e do povo mapuche. São os mesmos que há alguns anos golpearam e quebraram os dentes da mãe de Matias Catrileo, quando exigia justiça pelo assassinato de seu filho em Temuco.
Por outro lado, os tribunais de justiça têm a oportunidade de reparar de alguma forma sua história de iniquidade e vergonha, de segregação e racismo, de haver sido cúmplices dos crimes de Estado cometidos em território mapuche. Devem julgar com celeridade, severidade e sentido de justiça estes novos crimes traiçoeiros.