Venezuela: a longa resistência contra as agressões dos EUA

imagemPor Antonio Maira, Resumen Latinoamericano

Os grandes estadistas dos Estados Unidos, começando com Donald Trump e os seus cavaleiros, estão perplexos – talvez, sem dúvida, mais precisamente: estupefatos -, porque eles não conseguem aceitar como verdadeiras as mudanças imprevistas que se acumularam de forma quase simultânea e interrelacionada e que começaram a ocorrer no cenário econômico, político, militar, tecnológico, comunicacional e ideológico global. Eles reagiram a esses eventos com uma birra colossal que levou a uma ameaça generalizada em todas as áreas de conflito. Da disponibilidade para combater em “duas guerras e meia” passaram a atuar em seis ou mais diferentes frentes: Coréia, Síria, China, Rússia, Irã, Iraque, Turquia, Ucrânia, Palestina e Venezuela. Sem contar suas possíveis derivações e ramificações, que são muitas e muito complexas. Todas, no entanto, levam ao mesmo desastre.

Assim que políticos e assessores presidenciais estadunidenses – começando pelo próprio Trump – começaram a disparar um tweet contínuo e um rápido giro de ameaças repressivas em todas as frentes de conflito abertas pelo próprio governo de Washington. Assim fizeram com um ar de suficiência, rompendo – com descarada e ostensiva audácia – a legalidade, os Acordos, Tratados e Convênios Internacionais. Eles partem de duas convicções profundamente enraizadas:

Eles governam o mundo com éditos imperiais e a certeza absoluta de que seus grupos de porta-aviões e bases militares, com seus equipamentos e as tropas distribuídas em todo o mundo, como tem sido feito até agora, promovem o trabalho de assegurar uma ameaça irresistível. Caso contrário, eles têm a capacidade de aniquilação total dos países rebeldes que não admitem a hegemonia imperial como uma alternativa obrigatória à sua destruição e sua soberania. Por isso os líderes do Pentágono, do Departamento de Estado e assessores presidenciais, como autômatos outras vezes, repetem as fórmulas horríveis que já soam como ecos de tambores distantes: “Temos todas as cartas na mesa”!

Eles têm sido valentões por tanto tempo que essa atitude se tornou o componente genético básico de sua relação com o mundo. Não respeitam as leis e compromissos internacionais porque, simplesmente, nunca o fizeram e porque já o anunciaram e o fizeram em várias ocasiões. Proclamam um sistema de valores, de liberdade, respeito pelos direitos humanos identificados com o livre comércio, direitos iguais, democracia, busca da felicidade, igualdade de oportunidades, que nunca tiveram e, acima de tudo, nunca permitiram que os demais tivessem.

Cães de guerra

Eles, os Estados Unidos, não suportam um mundo multipolar regido pela soberania dos Estados, pelo comércio dos recursos, independência dos povos, com oportunidade de sair da pobreza e da exploração, ausência de restrições econômicas e ameaças militares, vida regida pela solidariedade e consumo limitado. O mundo mudou até fazer com que o passeio do cowboy pelo mundo ressoe já bastante ridículo, pouco crível, em geral insuportável e gerador de crescente rebelião e solidariedade dos povos contra a violência do Império. A política imperial ajudou a definir fronteiras, posições e linhas vermelhas entre capitalismo e socialismo, como forma e processo na direção do comunismo, entendido como uma sociedade sem exploração, igualitária, solidária, capaz de administrar os bens de modo comum e que garanta a sobrevivência do planeta.

Os cenários a que me referi no primeiro parágrafo do artigo tinham sido definidos e codificados como invariáveis, como Lei Universal quase natural, o dogma estratégico proclamado “Urbi et Orbi”, como o documento “Mater et Magistra” e conceitual do Império: “A Doutrina de Segurança Nacional dos Estados Unidos” [i]; promulgada publicamente pelo Presidente George W. Bush e imediatamente qualificada, eufemisticamente, como “doutrina contra o terrorismo” ou “doutrina da agressão positiva”. A partir desse documento básico, surgiram todas as doutrinas sobre a dominação do mundo e sobre os instrumentos bélicos que precisavam ser mantidos em operação.

A barbárie

Tal é a barbárie que emerge desses códigos de pensar e agir que surpreende até mesmo seus aliados servis, pertencentes ao “mundo ocidental” e que se vangloriam disso – nos quais as doutrinas coloniais são o lado escuro, escondido, mas dominante, de suas culturas – eles aceitaram esse discurso e o transmitiram a seus cidadãos para gerar “matrizes de opinião” que universalizam o conformismo, a atitude desonesta, a indiferença e desalojam toda análise crítica, toda conexão com a realidade, capacidade de observação e sentimento de solidariedade.

Por enquanto, técnicas de desinformação são impostas aqui na resistência organizada, mas isso não acontecerá por muito tempo. Em resumo, essas alterações são, em uma lista não exaustiva, o seguinte:

Na cena venezuelana

– Em primeiro lugar, devemos insistir que os EUA perderam a guerra que planejaram contra a Venezuela e que estão desenvolvendo ativamente há quase vinte anos. Eles falharam durante o período de Hugo Chávez e também falharam durante a presidência democrática e constitucional de Nicolás Maduro.
É preciso notar também que essa profunda derrota já se reafirmou agora (exceto por algumas ameaças verbais, muito menos enfáticas, dos assessores de segundo nível que já estão muito queimados, como o assessor de segurança nacional John Bolton e Elliot Abrams, conselheiro especial para a Venezuela), com as hesitações de Mike Pompeo, Secretário de Estado, e Mike Pence Vice-Presidente, tiveram lugar na fase mais acentuada da agressão imperialista e, precisamente, a mais desvelada (nos últimos dois anos).

– Eles implementaram ou ameaçaram aplicar todos os instrumentos possíveis: desde a guerra econômica de abrandamento, que proporcionaria uma plataforma para todas as intervenções e interferências sucessivas, à intervenção direta em uma guerra de invasão que Washington concebe como Guerra Zero Mortos (G0M) ou Guerra de Destruição Unilateral Assegurada (GDUA). A guerra, que livraria de uma vez por todas os políticos e militares norte-americanos da “síndrome do Vietnã”, seria viável com uma intervenção militar projetada e baseada na superioridade aérea, com mísseis e fogo terrestre aplastrante; de rápida ocupação posterior – blitzkrieg – em terra arrasada. Seria possível, desde que as forças regulares do exército dos EUA não fiquem muito vulneráveis e pudessem ser substituídas por aquelas de países aliados como a Colômbia e o Brasil ou tropas mercenárias fornecidas por grandes empresas de mercenários recrutados e armados pela Blackwater, suas subsidiárias especializadas e seus centros de recrutamento na zona de combate, nos próprios EUA, ou nas proximidades de suas bases militares espalhadas pelo mundo.

O fracasso

– Os estrategistas americanos falharam em suas primeiras declarações sobre o uso de vários instrumentos de guerra, planejados sob a capa da “guerra econômica”, e sua companheira permanente: a guerra da mídia. A presunção era de que o desânimo e a crescente desmoralização, as deficiências graves que tal guerra provocariam na maioria da população, principalmente nos setores populares, iriam acabar, de uma vez para sempre, com a absolutamente inaceitável revolução bolivariana, que tem transitado em direção à independência, soberania e ao socialismo.

O ponto de partida, em parte experimental (com base nas guerras contra a Iugoslávia, Iraque, Líbia, Irã e Iêmen), com desenvolvimentos analíticos geo-estrategistas do Pentágono, foi de que a guerra econômica seria a primeira das guerras, que engloba todos as outras, o que causaria danos irreversíveis. Ou seja, é aquela que age como uma guerra de atrito e como uma guerra de cobertura. Com tais presunções, o império americano esqueceu duas coisas: a primeira é a resiliência de um povo; a segunda, a capacidade de englobar, em torno da República Bolivariana da Venezuela, alianças estratégicas e políticas de outros povos e potências que sofreram ou sofrem as ameaças de Washington.

– A guerra econômica, cujas consequências humanas para a população civil mais vulnerável, são explicadas em um magnífico artigo de Pablo Siris Seade publicado em Rebelión.es. A guerra econômica é fundamentalmente a guerra dos países ricos e seus acólitos contra países pobres ou que podem ser empobrecidos a curto, médio ou longo prazo. Elas são realizadas com esse objetivo genocida, totalmente reconhecido. É realizada pela aplicação de medidas codificadas, postas à prova, corrigidas, ajustadas aos instrumentos econômicos e financeiros que existem em cada época e para cada local e sistema econômico. Medidas que estão sendo constantemente estendidas de acordo com o domínio – até agora – dos Estados Unidos sobre instituições internacionais políticas, econômicas, comerciais e financeiras. São sempre lançadas contra países que negam o poder soberano do império, contra aqueles que tentam modificar o sistema econômico ou o sistema de poder reinante. Para isso, foram totalmente empregadas com a ajuda indispensável das oligarquias internas dos países e instituições econômicas sob a dependência de Washington no exterior.

Os estágios e fases dessa guerra econômica – que, repito, é uma guerra híbrida, isto é, combinada e, além disso, assimétrica e violadora de tratados, convenções e convênios internacionais – pode ser resumida da seguinte forma:

1º – Introdução do “dólar paralelo”, publicado diariamente pela mídia dos EUA e reproduzido pela cadeia de mídia privada. Os efeitos têm sido devastadores para gerar uma inflação artificial e processos de monopolização da produção, impossibilidade de pagar insumos industriais, converter dólares preferenciais numa fonte de corrupção, comprometer a solução do petro, liquidar o sistema produtivo e também comprometer o financiamento das Missões Bolivarianas de que depende a força social da revolução bolivariana. A guerra econômica abriu suas possibilidades pelo profundo declínio nos preços do petróleo.

2º – Ativar o bloqueio econômico com a impossibilidade derivada da importação de bens necessários à sobrevivência, como alimentos, remédios, produtos essenciais, insumos e equipamentos industriais, máquinas agrícolas, transportes e serviços, fundamentalmente saúde, educação, materiais de construção, equipamentos de habitação, obras públicas, etc.

3º – Ativar o roubo, pelos EUA e seus aliados, de todos os ativos venezuelanos no exterior: fundos petrolíferos, reservas de petróleo, reservas de ouro.

4º – Bloqueio financeiro total incluindo fundos mantidos em bancos estrangeiros que estão sujeitos a ameaças dos EUA.

5º – Proibição de investimentos na Venezuela de países que negociam com os EUA.

6º – Proibição de entrada nos EUA de embarcações que comercializem ou transportem todo tipo de produtos para a Venezuela. O bloqueio se estende à empresa de distribuição de petróleo nos EUA, dependente da PDVSA.

– Em segundo lugar, os EUA lançaram contra a Venezuela uma guerra terrorista de pequena ou grande intensidade através das guarimbas e ataques contra instalações do governo e equipamentos médicos e escolares. As guarimbas, nas quais Borges, Capriles e Guaidó são especialistas, causaram centenas de mortes por assassinatos, alguns queimados vivos por “ter a aparência de um chavista”.

– Em terceiro lugar os EUA promoveram, financiaram e realizaram contra Nicolas Maduro uma tentativa de assassinato, realizada por drones e que poderia significar a morte do Presidente eleito e de centenas de pessoas em grande parte da base das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas.

– Em quarto lugar, os EUA têm promovido, financiado e lançado, numa expressão de extrema crueldade, ataques cibernéticos por geração eletromagnética nas redes de distribuição de energia. Os ataques, longos, de quase uma semana cada um, causaram, além dos apagões e a desativação dos equipamentos das casas, a escassez de água, energia para os hospitais, queda dos transportes públicos, a impossibilidade de fornecer combustível etc. Elliot Abrams falou quase com prazer sobre o sofrimento do povo, fundamentalmente os trabalhadores e as classes populares, em especial as mulheres. A medida, anunciada como um “apagão da tirania de Maduro” falhou, indignando a população venezuelana contra o “autoproclamado” e também contra os EUA.

– Em quinto lugar, a oposição, que já tinha chamado a invasão da Venezuela sob o pretexto de uma crise humanitária e com a chegada de medicamentos e alimentos do exterior – não falhou completamente, apesar do uso continuado de notícias falsas produzidas nos EUA, em atrair chefes, oficiais, suboficiais e tropas, para completar esta manobra. A resposta militar e da milícia popular bolivariana foi um sucesso total, tanto na fronteira colombiana, como nas fronteiras do Brasil e da Guiana. O destacamento militar e de milícias comprovou sua eficácia e aumentou sua coordenação. A necessidade de nomear um delegado do governo em um dos poucos estados dominados pela oposição permitiu a coordenação entre Freddy Bernal e Diosdado Cabello, enquanto o autoproclamado Guaidó e seu patrocinador, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faziam ridículo.

– Em sexto lugar, Guaidó, acompanhado por Leopoldo Lopez, tentou um golpe de estado no distribuidor de Altamira, em 30 de abril de 2019. O resultado foi constrangedor, bem como a manifestação posterior chamada por líderes da oposição, que foi precedida pela fuga dos mesmos.

– Desde então, Nicolás Maduro, que ao longo desse processo restabeleceu completamente a capacidade de mobilização popular bolivariana e manteve o controle total das FANB e da Milícia Nacional, fortaleceu significativamente sua capacidade de fornecer alimentos, através do CLAP às famílias venezuelanas. O “carnê da pátria” tem sido um instrumento de unificação e organização nas unidades territoriais que exigiam produção e defesa em tempos de guerra. Ao mesmo tempo, Nicolás Maduro aceitou a oferta de mediação da Noruega (que de fato aceitou a presidência de Nicolás Maduro) e a convocação do poder eleitoral para realizar eleições para a Assembleia Legislativa Nacional.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2019/06/09/venezuela-opinion-la-larga-resistencia-contra-las-agresiones-de-eeuu/