Comuna Amarildo de Souza: sonhar, lutar e criar o Poder Popular!

imagemParece que foi ontem quando entramos pela primeira vez naquele território desconhecido. O sol já se colocava em retirada e o frio gelava as faces de quem observava atentamente a materialização de um sonho conquistado. Cinco longos anos se passaram desde nossa entrada nesta terra intitulada em nossa chegada como Comuna Amarildo de Souza. Apesar da conquista da terra, muitas foram as dificuldades enfrentadas, porém, nada que não pudesse ser superado pelos/as trabalhadores/as organizados/as. Dito e feito!

Em 5 de julho de 2019, as e os Amarildos comemoraram cinco anos do assentamento e um ano de consolidação do nosso projeto de comercialização de cestas de alimentos agroecológicos, que vem gerando bons frutos para o conjunto de todos/as que acreditam em um outro modelo de reforma agrária para o Brasil, tendo como princípios o uso coletivo da terra e a produção agroecológica. Contudo, estes cinco anos de resistência não são significativos apenas para os residentes da Comuna Amarildo. Extrapolam as fronteiras de nossas porteiras para dialogar com cada família brasileira que sofre na pele as dificuldades de uma sociedade excludente por definição.

A reforma agrária no Brasil ainda é uma demanda urgente para nossa sociedade sendo um dever da classe trabalhadora organizada, do campo e da cidade, a luta incessante por uma efetiva reforma agrária que promova a agroecologia e a dignidade no campo, gerando autonomia para os produtores e ferramentas para um real desenvolvimento sustentável do meio rural.

Esta necessidade se expressa não apenas pelo número reduzido em que se encontra a classe trabalhadora do campo, mas também pelo avanço desenfreado de uma política neoliberal de entreguismo de toda riqueza da nação brasileira que beneficia apenas os bolsos dos grandes monopólios do agronegócio. A luta pela superação do capitalismo no Brasil perpassa diretamente pelo enfrentamento ao agronegócio, setor que movimenta bilionárias quantias com grande peso na balança comercial do país. E o enfrentamento ao agronegócio perpassa diretamente pela disputa do território brasileiro. Sendo assim, como dizem nossos companheiros e companheiras do MST, “Ocupar, Resistir e Produzir” é tática importante na luta pela construção do Socialismo e de nossa soberania política. Um país incapaz de alimentar sua nação sempre estará fadada a submissão do capital internacional.

No entanto, antes de levantarmos em unidade nossa bandeira da reforma agrária, precisamos da exata compreensão de qual modelo de reforma agrária atende hoje as demandas da classe trabalhadora, quer nos permita trilhar os caminhos da revolução. Por isso, compreender a lógica perversa do “agronegocinho” é crucial para o avanço da discussão. Um mecanismo desenhado para frear aquilo que se propõe a construir. Uma política que destina famílias a terras isoladas, sem nenhum tipo de recurso financeiro e técnico que promova o desenvolvimento da agroecologia; que incentiva o uso de um pacote tecnológico (sementes híbridas, OGMs, agrotóxicos) que atende as demandas da obsolescência programada do capital, endividando e expulsando agricultores do campo com linhas de crédito que, por incapacidade de competir com os grandes investidores, declara falência, vende a terra e torna-se um sem terra novamente.

Esta engrenagem malevolamente elaborada promove uma esperança aos “beneficiados”, mas fortalece continuamente a concentração de terra no Brasil.

Em nosso assentamento, compreendemos a terra como um patrimônio da humanidade e não como uma mercadoria: terra pra quem nela trabalha. Por isso fazemos o uso coletivo da mesma. Sem loteamento, buscamos reduzir a influência da propriedade privada em nossas relações, mas garantindo a cada assentado sua propriedade pessoal.

A liberdade do cultivo individual respeita as particularidades de cada família, mas a possibilidade de ali haver trabalho coletivo também permite visualizar a pratica que “sozinho posso ir mais rápido, mas juntos, vamos muito mais longe”. No que se refere a nossa produção, trabalhamos de forma irrestrita a agroecologia, seja ela em suas dimensões técnica, ambiental, econômica, mas também ética, cultural e política.

A agroecologia é arma contra as falácias do capitalismo verde, pois permite o maior aproveitamento do solo, redução no custo de produção, relativa autonomia frente ao mercado, um produto final de alta qualidade aliado à preservação ambiental e relações livres de exploração e opressão.

Por isso afirmamos que não basta levantar a bandeira da reforma agrária, é preciso erguer um novo projeto de reforma agrária, que acabe com a lógica do loteamento, que possua condições de promover a agroecologia via aparato estatal de extensão rural e que tenha como base estratégica a planificação da produção agrícola brasileira de acordo com nossa capacidade produtiva e demanda, garantindo o abastecimento interno e a soberania alimentar do Brasil.

Contudo, a reorganização da esquerda brasileira e sua efetiva inserção nas massas é elemento chave para a materialização de um novo projeto de reforma agrária e é na fonte da solidariedade entre os/as trabalhadores/as que devemos beber todos os dias de nossas vidas. Através da práxis desta solidariedade, por meio da unidade na ação, que esta reorganização poderá se insurgir.

Pela agroecologia também perpassa a reorganização social do trabalho. Não uma meritocracia produtivista, mas uma divisão igualitária de tempo de trabalho, cada qual de acordo com sua capacidade. Decisões tomadas coletivamente em reuniões periódicas, distribuição de renda não por família, mas sim por cada trabalhador e trabalhadora que ali contribui com seu suor … Enfim, ainda há muito a ser feito na busca pela superação dos valores burgueses impregnados em nossos pensamentos e ações, mas é possível afirmar que, aqui na Comuna Amarildo de Souza, encontra-se em construção o que entendemos por Poder Popular.

LUTAR, CRIAR, PODER POPULAR

Fabio Ferraz
PCB Florianópolis
Assentado da reforma agrária no Assentamento Comuna Amarildo de Souza