Desafios do feminismo classista
4 anos do I Encontro Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro ( CFCAM ) – desafios e perspectivas
Há 4 anos o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro estava realizando seu I Encontro Nacional. Esse foi um espaço fundamental para a organização da linha política do coletivo, para reunir mulheres que vieram de diferentes partes do país trazendo suas experiências de luta e para organizarmos nossa primeira coordenação nacional.
Nesses anos enfrentamos milhares de desafios para ampliarmos o coletivo e nacionalizar a nossa linha. Desafios esses ligado ao “ser mulher” na sociedade de classes, com múltiplas jornadas de trabalho, que sofre cotidianamente com a violência em todos os âmbitos (lar, trabalho, ruas) e com as grandes dificuldades de enfrentamento das tarefas políticas/públicas, já que socialmente nos foi imposto o espaço da organização do lar e do cuidado.
Para além disso, manter a coerência com o materialismo histórico e dialético e com a herança que as nossas antecessoras do movimento socialista nos deixou não é uma tarefa simples e exige estudos contínuos da teoria marxista, bem como da realidade concreta.
O nosso projeto estratégico, condizente com a linha do Partido Comunista Brasileiro (PCB) – que tem como horizonte o socialismo – e a necessária unidade entre teoria e prática nos direciona a tarefa de superarmos nosso coletivo como um espaço de estudos, para se tornar um real mecanismo de inserção entre as lutas das mulheres trabalhadoras, ao mesmo tempo em que mantemos a rigorosidade teórica, para não cairmos no pragmatismo/praticismo/taticismo.
É uma tarefa hercúlea que não está ligada apenas aos nossos acertos e erros teóricos, mas ao próprio movimento da luta de classes no Brasil e no mundo, à construção histórica da classe trabalhadora e do capitalismo no Brasil, à herança colonial, a nossa burguesia truculenta e golpista, bem como à toda a nossa história de resistência e de lutas, tanto como mulheres negras que foram escravizadas, indígenas, imigrantes, bem como enquanto classe trabalhadora em geral.
A conjuntura nacional e da América Latina, com forte retomada dos governos reacionários, retirada brutal de direitos das trabalhadoras e trabalhadores, perseguição política a qualquer forma de luta e resistência, novos golpes civis/institucionais/militares/paramilitares, a exemplo do golpe na Bolívia e no Brasil e as amplas movimentações de massa organizadas ou espontâneas que vêm em curso nos últimos meses, traz novos aspectos para as nossas lutas em âmbito nacional e internacional, com tendência a entrarmos em maiores acirramentos das disputas geopolíticas e entre as classes sociais em alguns países.
Nas guerras de rapina ou nos ” golpes democráticos” organizados pelo capital imperialismo na sua busca incessante pela extração de valor, são as nossas vidas e nossas conquistas que estão no centro do tabuleiro. O feminicídio aumenta a passos largos entre as mulheres negras; nas repressões às movimentações de massa na América Latina continuamos sendo vítimas não só de balas de borracha, gás lacrimogêneo e cacetetes, mas também de abusos sexuais, para mostrar o lugar reservado às mulheres; somos vítimas cotidianamente de abortos clandestinos e as políticas religiosas/fundamentalistas não cessam as tentativas de restrição ainda maior aos direitos conquistados, a exemplo dos recentes ataques às mulheres atendidas no Hospital Pérola Byington em São Paulo ( referência para situações de abortos às vítimas de violência sexual).
A tortura praticada contra a prefeita indígena Patrícia Arce do Movimento ao Socialismo ( MAS – mesmo partido de Evo Morales) da cidade de Vinto, na Bolívia, que teve seu cabelo cortado, foi coberta por tinta vermelha e obrigada a andar nas ruas entre um cordão feito por seus algozes – homens brancos da oposição reacionária e fundamentalista cristã – é um exemplo cabal da necessária perseguição às mulheres, tanto para nos mostrar o local social que nos foi destinado, quanto como forma de expropriar nossas terras e recursos naturais. É a manutenção da caça às bruxas, como sinaliza Silvia Federice, que faz a relação histórica dessa forma de perseguição às mulheres, ao momento da acumulação inicial e contínua de capitais em diferentes partes do planeta.
A brutal morte da jornalista e feminista Albertina Martinez Burgos, que vinha cobrindo as manifestações chilenas e denunciando a violência praticada contra as mulheres nas manifestações de rua, as quais estão sofrendo com estupros, lesbofobia e abusos sexuais diversos, também é mostra que o estado burguês patriarcal nos silencia e violenta de toda e qualquer forma quando é necessário.
A nossa organização, com disciplina e ousadia para nos debruçarmos com mais afinco sobre a leitura dessa realidade e sobre a criação de mecanismos orgânicos entre as mulheres trabalhadoras, necessita ser a ordem do dia. Apesar do cansaço de nossas múltiplas jornadas e dos empecilhos contínuos em sermos agentes políticos e transformadores dessa realidade, não podemos nos deter diante da aparência de grandeza do inimigo.
Debruçar-se sobre a leitura das diversas nuances do capitalismo no Brasil e no mundo, analisar o movimento de mulheres no Brasil e na América Latina, encontrando elementos para a compreensão da formação da subjetividade das mulheres da classe trabalhadora, analisar as diversas formas organizativas que têm abarcado as lutas das trabalhadoras – principalmente a resistência das mulheres negras e indígenas – ou reiterado sua alienação (a exemplo das igrejas pentecostais), compreender os principais espaços de trabalho ocupados pelas trabalhadoras e como a reestruturação produtiva do capital e as novas formas de trabalho têm influenciado suas vidas, forjar mecanismos de organização que contemplem as lutas imediatas das mulheres e as aproximem das lutas comunistas, fortalecer as lutas sindicais e populares e combater a ofensiva do capital sobre nossas vidas, manter uma política de formação contínua e planejada para nossas militantes e ampliar nossa política de solidariedade internacional, com maior aproximação da Federação Democrática Internacional das Mulheres (FDIM) são algumas questões para serem trabalhadas no próximo período.
Façamos jus às lutadoras que nos antecederam, tanto aquelas cuja trajetória conhecemos, quanto as que foram escondidas nos porões da história. Vivas a Maria Brandão dos Reis, Ana Montenegro, Teresa de Benguela, Maria Felipa, Lélia Gonzalez, Rosa Luxemburgo, Clara Zétkin, Alexandra Kollontai, Nadezhda Kruspskaya, Marielle Franco, Angela Davis e a cada uma que destina parte ou toda sua vida para a transformação radical dessa sociedade.
Vida longa ao Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e a luta das mulheres comunistas! Avante!
Ana Karen Souza, secretária política nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, militante do Partido Comunista Brasileiro ( PCB ) e da Unidade Classista