Futuro do regime de metas divide opinião de analistas

O regime de metas de inflação está na berlinda, com as mudanças na condução da política monetária promovidas pela gestão de Alexandre Tombini. Os mais críticos dizem que o Banco Central simplesmente não se preocupa mais com o cumprimento da meta, de 4,5%, dando mais peso ao crescimento, enquanto outros afirmam que a instituição ainda se orienta pelo alvo, mas age apenas quando a inflação ameaça romper o teto, de 6,5%. Há ainda quem defenda a atuação da autoridade monetária, destacando que o cenário internacional continua longe da normalidade, com baixo crescimento ou recessão nos países desenvolvidos e uma abundante liquidez nos mercados globais – além disso, a economia brasileira perdeu força no segundo semestre.

Em pouco mais de um ano à frente da instituição, Tombini alterou significativamente a forma de atuar do BC. Em agosto de 2011 inverteu a mão da política monetária, começando um ciclo de baixa da Selic depois de seis altas seguidas. Passou a dar grande peso às chamadas medidas macroprudenciais, para regular o crédito, não confiando apenas no manejo dos juros. Em seus documentos, tenta convencer os analistas de que a taxa neutra de juros (aquela que não acelera a inflação) caiu expressivamente. Para completar, na ata da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom), indicou que pretende reduzir a Selic para a casa de um dígito.

Em documento distribuído na última quinta-feira, resultado da consulta a cerca de 100 analistas, o Banco Central informou que o próprio mercado considera que a taxa de juros real de equilíbrio está hoje em 5,5% ao ano. Nesta semana, primeiro em São Paulo, e depois no Rio de Janeiro, esses e outros assuntos devem compor a reunião da autoridade monetária com os economistas do mercado.

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Carlos Eduardo Gonçalves não acha que o regime de metas de inflação acabou. O arcabouço do sistema – como as reuniões periódicas do Copom, a divulgação da atas dos encontros e a publicação do relatório trimestral de inflação – continua de pé, e se trata de uma parte importante dele, segundo Gonçalves. O que mudou, para ele, é que o BC dá sinais de que passou a tratar os 4,5% do centro da meta como um piso. Isso não quer dizer, contudo, que a autoridade monetária não tenha mais nenhuma preocupação com a evolução dos preços, diz ele. Se a inflação se aproxima do teto de 6,5%, o BC tende a agir.

Em artigo recente, Gonçalves escreveu que “a função de reação do BC dita o seguinte curso de ação: quando a inflação ameaçar romper o teto de 6,5% no ano calendário, deve-se subir os juros e também os compulsórios e quando a inflação se aproximar de 4,5%, deve-se afrouxar a política monetária, com ênfase na queda de juros”.

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Vieira da Cunha diz que a análise da função de reação da autoridade monetária mostra, a partir do segundo trimestre de 2009, uma redução significativa do peso do diferencial entre as expectativas de inflação e a meta, enquanto ganhou espaço a atividade econômica (medido pelo hiato do produto, a diferença entre o PIB efetivo e o potencial, que retrata a ociosidade de recursos na economia). Para Vieira da Cunha, essa mudança de atuação, seguida por muitos bancos centrais, fazia sentido em 2009, no auge do impacto da crise. A questão é que o peso da inflação seguiu baixo mesmo depois que o cenário global tornou-se menos incerto e se afastou o risco de depressão.

Vieira da Cunha vê com reservas a atuação recente do BC. “A inflação continua preocupante”, diz ele, observando que os preços de serviços seguem pressionados, na casa de 8% a 9% em 12 meses. “A inflação tem hoje um caráter muito inercial, o que a torna mais difícil de ser debelada.” A inércia é o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura. Ele acha que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode ficar entre 6% e 6,5% em 2012 – em 2011, ficou em 6,5%. Um dos problemas é que diminuiu a eficiência da política monetária, avalia Vieira da Cunha, sócio do Tandem Global Partners.

O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman tem uma visão ainda mais crítica. Para ele, a autoridade monetária não mostra preocupação com a convergência da inflação para o centro da meta. Nesse sentido, a ata da reunião mais recente do Copom seria emblemática. O BC indicou que pretende reduzir os juros para a casa de um dígito mesmo com seus modelos projetando inflação distanciando-se do centro da meta em 2013, num cenário em que leva em conta as projeções do mercado para os juros, que incluía a redução da Selic para 9,5% ao ano.

Gonçalves tem uma opinião mais branda sobre a política monetária do BC, mas também vê com reservas o anúncio explícito da intenção de derrubar a Selic abaixo de 10%. “E se ocorrer um choque de oferta?”, questiona ele.

Schwartsman também vê com grande ceticismo a tese de que a Selic pode recuar mais porque a taxa neutra de juros no Brasil seria hoje mais baixa – segundo o BC, devido a fatores como o cumprimento da meta de inflação pelo oitavo ano consecutivo, a manutenção de superávits primários elevados, o aprofundamento do mercado de crédito, as mudanças no mercado financeiro e o aumento da oferta de poupança externa.

Schwartsman acredita que a taxa neutra pode ser hoje algo entre 6% a 6,5%, descontada a expectativa de inflação, inferior aos 7% que ele estimou tempos atrás, mas ainda assim superior aos cerca de 4% atuais. Com um mercado de trabalho apertado e uma inflação em 12 meses ainda bastante acima de 4,5%, essa taxa de juros não lhe parece compatível com a convergência do IPCA para o centro da meta.

O ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo está na ponta contrária de Schwartsman. Para ele, o regime de metas continua vivo. “Na minha visão, o mundo mudou, e o cenário externo continua ainda muito distinto de um quadro de relativa normalidade.” Os EUA crescem pouco, a Europa deve retração neste ano e há liquidez abundante no mercado internacional, o que implica em enxurrada de dinheiro para o Brasil. Nesse cenário, é preciso uma política monetária mais flexível, como têm feito Inglaterra e Israel, afirma ele.

Figueiredo também diz que houve uma forte redução do ritmo de crescimento no Brasil. No primeiro trimestre, a expansão anualizada em relação ao trimestre anterior foi de 4,5%, feito o ajuste sazonal, caindo para zero no terceiro. No quarto, a taxa anualizada deve ter ficado no máximo em 1%, estima ele, o que significa que a atividade também justifica uma política monetária mais relaxada.

“Em agosto, o BC surpreendeu a todos ao reduzir a Selic, e ficou claro que eles estavam certíssimos”, avalia Figueiredo, que acredita num IPCA de 5% em 2012 e numa Selic possivelmente abaixo de 9%. O erro da autoridade monetária, segundo ele, ocorreu no segundo semestre de 2010, quando a atividade econômica estava forte e um ciclo de alta da Selic foi interrompido. “Mas em 2011 o BC deu show.” Figueiredo também não vê problemas no anúncio de que a Selic deve cair para a casa de um dígito. “Vão reclamar que o BC é muito transparente?”, diz ele, sócio da Mauá Sekular Investimentos.

 


A outra crise europeia

Agência Carta Maior – Larissa Ramina

O processo de edificação da União Européia (UE) iniciado após o final da Segunda Guerra Mundial, ao lado da construção de uma trama institucional ambiciosa, provocou em várias áreas do conhecimento um interesse eufórico pelos processos de integração. Diante da crise atual, todavia, a Europa deixa de ser protagonista da integração bem sucedida, e amarga o resultado de suas escolhas equivocadas. Fica demonstrado que uma verdadeira união não se sustenta com base em assimetrias e desequilíbrios econômicos mal resolvidos, nem tampouco em identidades artificialmente costuradas.

Ao contrário, as experiências integracionistas demonstraram que uma verdadeira integração exige a convergência de vários fatores, que não apenas econômicos, mas também políticos e culturais. Diante da UE afogada em uma complexa crise de múltiplas facetas que deverá perdurar por muito tempo, parece que o sonho europeu está se transformando em verdadeiro pesadelo.

A crise financeira é a mais grave desde os anos trinta, com altas taxas de desemprego, crescimento quase inexistente, falência de bancos e endividamento de vários governos. A crise econômica, por sua vez, é a mais profunda da história da UE, com seu projeto mais ambicioso, o da moeda única comum, gravemente ameaçado.

A outra crise que afeta a Europa, e talvez a mais profunda, é a de identidade, que está na base de seus problemas econômicos e políticos. Intui-se que a Europa foi construída sem os europeus, já que estes não parecem comungar de uma identidade comum, ancorada em valores partilhados. A crise revelou que diversidade não significa tolerância, e que as diferenças nacionais constituem sérios obstáculos para a integração. Após décadas, preconceitos persistem e os partidos políticos que pregam menos diversidade e mais intolerância ganham espaço.

Desde o início das turbulências, faz eco o descontentamento da população dos países europeus, uma vez que as medidas de austeridade fiscal adotadas afetam diretamente os cidadãos e suas condições de bem estar social, levando também a uma instabilidade política, decorrente da insatisfação coletiva. As minorias e os imigrantes pagam o preço mais alto. O princípio da livre circulação de pessoas, outra pedra angular da integração européia, está sucumbindo diante da reintrodução dos controles de fronteiras em diversos países.

No decorrer da chamada Primavera Árabe, muito se debateu na Europa acerca de suas conquistas em relação aos direitos humanos. Entretanto, desde o desencadear da turbulência econômica, parece que outra faceta da crise vem sendo menosprezada, mais silenciosa, mas tão violenta quanto aquela, qual seja, a crise dos direitos humanos. Em seu relatório anual, a ONG Human Rights Watch constatou uma Europa menos democrática em 2011 e um recuo da proteção dos direitos humanos, principalmente com as discriminações, a intolerância em relação às minorias, às migrações e aos asilos. A crise migratória suscitada pelo conflito na Líbia e o êxodo de tunisianos em 2011 revelou uma espécie de Europa-fortaleza quase impenetrável.

O euro, símbolo da verdadeira integração européia, ao invés de aproximar a UE de seus cidadãos, está condenando milhões de europeus a décadas de miséria, ao mesmo tempo em que o preconceito e a intolerância os estão afastando de um dos mais aclamados valores que deveriam partilhar, aquele da proteção dos direitos humanos.

 


Bancos podem tomar € 470 bi no leilão do BCE

Valor Econômico

As instituições financeiras da zona do euro poderão novamente acessar na próxima semana uma linha de três anos do Banco Central Europeu (BCE), assim como fizeram em dezembro, em uma operação que poderá prolongar o rali do mercado de bônus.

Bancos poderão pedir €470 bilhões (US$ 629 bilhões) em linhas de três anos em oferta no dia 29 de fevereiro, segundo a mediana de 28 projeções colhidas pela “Bloomberg”. Embora esse volume seja menor do que o recorde de €489 bilhões obtidos no primeiro leilão em 21 de dezembro, ele poderá elevar a liquidez total do sistema para mais de €300 bilhões, disse Luca Cazzulani, estrategista de renda fixa do UniCredit SpQ, em Milão, na Itália.

“Parte desse crescimento (da liquidez) deverá ficar estacionado, pelo menos temporariamente, no mercado de títulos soberanos e dar suporte ao desempenho dos bônus italianos e espanhóis”, disse Cazzulani. Ainda assim, “as expectativas estão em um nível bastante elevado, o que cria algum espaço para decepção”, e “uma demanda bruta abaixo de €400 bilhões poderia pressionar os spreads de curto prazo”.

Bônus italianos e espanhóis subiram desde o primeiro empréstimo do BCE, sugerindo que os bancos estão investindo pelo menos parte do dinheiro em papéis de alto rendimento. Isso ajudou a aliviar a preocupação com uma crise de crédito e garantiu tempo aos governos para chegarem a um acordo sobre medidas para conter a crise de crédito soberano.

O rendimento dos bônus de dois anos da Espanha caiu de 3,88% para 2,62% desde 21 de dezembro e a taxa equivalente dos bônus italianos recuou de 5,14% para 2,87%.

O rendimento extra exigido pelos investidores acima dos bônus alemães caiu para 263 pontos base, ante 492 pontos em 22 de dezembro. Esse spread atingiu 720 pontos em 20 de novembro, nível mais alto desde a implantação do euro.

 


Dieese: Greves deram resultado positivo para trabalhador em 2011

Agência Carta Maior

São Paulo – Nesta sexta-feira (24), os funcionários do Itaú Unibanco recebem sua participação nos lucros e resultados (PLR) referente a 2011, quando a instituição registrou o maior lucro da história do sistema financeiro nacional, de R$ 14,6 bilhões.

Cada trabalhador terá a mais em seu contracheque o correspondente a 2,2 salários, com montante total limitado a R$ 17,2 mil, além de um adicional de R$ 2,8 mil. Os valores foram conquistados após a greve nacional de 21 dias que a categoria realizou entre setembro e outubro do ano passado.

Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), que presta assessoria técnica ao movimento sindical, as conquistas dos bancários estão intimamente ligadas às paralisações dos trabalhadores. Em 2011, os bancários obtiveram aumento real de salário pelo oitavo ano seguido. Em todos esses anos houve greves.

“Essas mobilizações decorreram da intransigência patronal, da distância que havia entre o que pediram os trabalhadores e o que ofereceu o setor financeiro”, explica à Carta Maior o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira.

A entidade realiza anualmente uma pesquisa sobre o número e o tipo das greves no Brasil. Entre janeiro e setembro de 2011, ocorreram cerca de 300 paralisações – 55% delas no setor privado e 45% no público. Os dados completos do ano passado devem ser divulgados até maio deste ano.

Construção civil

De acordo com Oliveira, além da greve nacional dos bancários, outro setor marcado por paralisações em 2011 foi o da construção civil. “De modo geral, as mobilizações em usinas hidrelétricas, como Jirau, refinarias da Petrobras, obras do Minha Casa, Minha Vida, no porto de Suape e em algumas arenas da Copa do Mundo foram positivas para melhorar as condições de trabalho”, afirma ele.

No caso de Jirau, às margens do rio Madeira, em Rondônia, além de aumento da remuneração, os trabalhadores lutavam por alojamentos mais decentes. A greve durou quase 30 dias, entre março e abril, e serviu de inspiração para outras paralisações pelo país. Segundo Oliveira, foi um movimento peculiar, porque surgiu espontaneamente entre os trabalhadores e só depois foi coordenado por sindicatos.

Após os protestos, o governo federal, junto a empresários do setor e representações sindicais, criou a Mesa Nacional da Construção Civil, com o objetivo de instituir padrões mínimos de condições de trabalho nas obras.

O acordo, que não tem força de lei, prioriza o recrutamento de trabalhadores na região do entorno dos projetos, estabelece planos de qualificação profissional e detalha diretrizes para saúde e segurança, representação sindical no local de trabalho e relações com a comunidade. A versão final do acordo está quase pronta e deve ser lançada até o início de março.

Entre outras grandes mobilizações de 2011, Oliveira destaca o magistério público e sua luta pelo pagamento do piso da categoria. “Em Minas Gerais, os trabalhadores da educação chegaram a ficar 104 dias em greve”, lembra o coordenador do Dieese.

 


G-20 reafirma regulação de bancos

Valor Econômico

Os ministros de Finanças dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) discutiram nesse fim de semana na Cidade do México a criação de um novo banco multilateral de desenvolvimento, comandado apenas por países emergentes. Ainda sem nome definitivo, a nova instituição financeira vem sendo informalmente chamada de Banco Sul-Sul, ou Banco dos Brics.

O tema já vinha sendo discutido em conversas informais desde fins do ano passado, mas o projeto ganha outra dimensão agora que os Estados Unidos caminham para manter seu monopólio na presidência do Banco Mundial, indicando outro americano para suceder Robert Zoellick, que anunciou que deixará o cargo em junho.

Os Brics também debateram a sucessão do Banco Mundial, mas é bastante incerto se serão capazes de apresentar um candidato alternativo para disputar com o candidato americano. Especula-se que os Estados Unidos possam indicar o ex-assessor econômico da Casa Branca Larry Summers, ou a secretária de Estado, Hillary Clinton.

A ideia de criar um novo banco foi sugerida originalmente pela Índia e conta com a simpatia do Brasil. As conversas estão em estágio bastante inicial e, se forem levadas adiante, será um projeto para um prazo bem longo, dado os desafios para criar uma instituição do tipo.

Os países emergentes, que representam fatia cada vez maior da economia mundial, sentem-se excluídos dos processos decisórios dos dois organismos criados pelo acordo do Bretton Woods: por um acerto não escrito, um europeu sempre preside o Fundo Monetário Internacional (FMI), enquanto um americano comanda o Banco Mundial. Na sucessão do FMI, a China acabou apoiando Christine Lagarde em troca do terceiro cargo mais importante no órgão.

Um dos desafios para os emergentes criarem um banco multilateral é conseguir levantar o dinheiro. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais funcionam num esquema em que a maior parte dos recursos são colocados por países desenvolvidos, enquanto que os países em desenvolvimentos são tradicionalmente tomadores de empréstimos.

Mas as economias emergentes mais dinâmicas, como os Brics, têm contribuído com cada vez mais recursos para reforçar o caixa de organismos multilateriais. Mesmo assim, as economias avançadas seguem preponderantes. O FMI, por exemplo, está pedindo US$ 600 bilhões aos seus sócios. A Europa sozinha vai colocar US$ 250 bilhões, e esperam-se US$ 100 bilhões do Japão.

Outro problema relevante é o custo de captação de um banco só com emergentes. O Banco Mundial consegue captar recursos no mercado com baixos juros porque se beneficia do rating de risco baixo de seus principais sócios, as economias avançadas.

Os mais otimistas afirmam que hoje os emergentes estão com posição fiscal mais sólida, ao contrário das economias avançadas, que em geral exibem altos graus de endividamento público. Será apenas uma questão de tempo, por esse raciocínio, para a avaliação de risco dos emergentes melhorar.

Mas, mesmo entre os que acreditam que os emergentes são capazes de criar um banco próprio, há o reconhecimento de que esse será um processo longo – incluindo criar uma sede e treinar um corpo de funcionários especializados para desempenhar a tarefa.

Essa não é a primeira iniciativa entre paises emergentes para criar seu próprio banco. Na América Latina, discute-se a criação do Banco do Sul. Ele seria uma contrapartida ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cujo principal sócio são os Estados Unidos.

 


‘Modelo sindical brasileiro é arcaico e inconveniente’

O Estado de S. Paulo

“O modelo sindical brasileiro é arcaico e inconveniente para a sociedade porque propicia o surgimento e a proliferação de milhares de sindicatos fantasmas, sem poder de barganha”, alerta o ministro João Orestes Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele prega uma grande reforma sindical. “Há muitos sindicatos débeis, onde ocorrem assembleias muitas vezes vazias, conduzidas por lideranças sindicais sem representatividade e ao sabor de suas conveniências”.

Enquanto a reforma não vem, o ministro vai propor alteração legislativa para permitir que os sindicatos negociem diretamente por empresa, não mais por categoria. O expediente que Dalazen sugere é a convenção coletiva especial. Em minuta que prepara, ele expõe seus argumentos ao Congresso.

Ele governa uma Justiça que em 2011 recebeu 2,15 milhões de novas reclamações trabalhistas. Sob seu poder e orientação estão 1.383 varas do Trabalho em todo o País, 24 tribunais regionais, 3 mil magistrados e desembargadores e 40 mil servidores. No TST lhe fazem companhia 26 ministros.

Hoje, Dalazen inaugura no fórum do Arujá, na Grande São Paulo, o processo judicial eletrônico – versão que põe fim à secular Justiça de papel porque os autos irão transitar diretamente pelos computadores dos juízes e advogados das partes.

Aos 59 anos, juiz de carreira há 32, Dalazen é dono de uma biografia incomum na toga. Filho de família humilde de Getúlio Vargas (RS), na infância e na juventude dividiu os estudos com atividades braçais – foi engraxate, lavador de caminhão, garçom, cobrador e balconista. “Venho de baixo, como se diz.”

Como reduzir os litígios na área trabalhista?

Os sindicatos devem negociar diretamente por empresa. Veja o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, sério, combativo, trava um diálogo permanente com as montadoras. Promove atuação inovadora e importante por meio do comitê sindical, órgão de representação no local de trabalho.

Como vê o modelo sindical?

Ultrapassado, arcaico. Isso se deve também ao fato de que, infelizmente, nossa organização prevê contribuição sindical obrigatória. Prevê monopólio da representação sindical. Em uma determinada base territorial, não pode existir mais de um sindicato, por exemplo, do comércio varejista.

O sr. é contra a contribuição?

Esse sistema de contribuição obrigatória de imposto sindical só serve para alimentar sindicatos fantasmas e para que alguns dirigentes se perpetuem no poder. As entidades não prestam o serviço que se espera. Bastaria que acabássemos com a contribuição sindical obrigatória e com o monopólio da representação sindical para que se produzisse profunda reforma na organização sindical.

Como é possível?

Precisamos ratificar a Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1948. A maioria dos países ratificou, o Brasil não. A Convenção prevê regime de ampla liberdade sindical, possibilidade de surgirem sindicatos espontaneamente e desvincula o sindicato do Estado. Nosso modelo é inspirado no sistema fascista e corporativista dos anos 30.

O que isso acarreta?

O sistema é engessado, não funciona. O resultado é a criação de sindicatos que visam atender aos interesses preponderantemente das diretorias. No Brasil, com honrosas exceções, a criação de um sindicato transformou-se num grande negócio que só é bom para uns poucos dirigentes, não para os representados, sejam empregados ou empregadores. A reforma sindical que defendo alcança a área patronal e a de empregados.

Os sindicatos não atendem seus representados?

Vemos hoje inúmeros dirigentes sindicais que permanecem por décadas na direção de sindicatos ou de federações e confederações. Isso não é bom para a sociedade. Tenho grande apreço pelo movimento sindical, mas é forçoso reconhecer que nosso modelo é ultrapassado.

O sistema atual não é bom?

Só favorece as cúpulas sindicais, que permanecem indefinidamente no poder, à sombra de benefícios, sob os auspícios da famigerada contribuição sindical obrigatória. Se há a receita compulsória, é claro que não há estímulo para a sindicalização, novos associados que passem a contribuir espontaneamente como em qualquer associação. O descompasso é tão grave que nas negociações coletivas, sobretudo quando há dissídio, grupos negociam com empregados e não com os sindicatos, correntes opostas em uma mesma categoria defendem pontos de vista e pleitos diversos.

A contribuição é um mal?

A Medida Provisória que reconheceu as centrais sindicais permitiu que repartissem entre si parte da receita bilionária da contribuição sindical, o que propiciou a proliferação de sindicatos e uma guerra entre as centrais. Isso desestimula.

Sindicato deve prestar contas?

Não há nada que obrigue as entidades a prestarem contas do que recebem a título de contribuição. Foi vetado preceito da lei que previa a obrigatoriedade da prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. As entidades chegaram praticamente ao paraíso. Imagine esse cenário: não presta serviços, aufere receita financeira polpuda e não presta contas das receitas, nem da aplicação dos valores. O sistema vive ciclo vicioso e, assim, se perpetua esse estado de coisas que só favorece dirigentes, com honrosas exceções.

A Justiça do Trabalho não dá conta de tanta demanda?

As providências ortodoxas de modernização da Justiça do Trabalho já se esgotaram, como a criação de cargos, novas varas, ampliação do quadro de magistrados e servidores. Em seus 70 anos, a Justiça do Trabalho apenas cresceu do ponto de vista quantitativo. Eram oito tribunais regionais e passaram a 24. Como está, o sistema não pode continuar. Além de constituir máquina pesada e onerosa para o Estado, não consegue dar vazão com a celeridade desejada aos milhões de processos. Em 2011, só nas varas do Trabalho deram entrada 2,15 milhões de reclamações, sem falar nos tribunais regionais e no TST.

O que é o processo eletrônico?

A implantação do processo eletrônico decorre não apenas dessas circunstâncias, mas de uma lei federal que obriga os órgãos do Poder Judiciário a encerrar a era dos autos impressos. Desde a criação dessa lei inúmeros sistemas eletrônicos foram desenvolvidos, mas cada um procurou resolver o problema a seu tempo e modo, sistemas e linguagens diferentes, que não se comunicam. Mais de 40 sistemas diferentes existem no Judiciário. A Justiça do Trabalho conseguiu, enfim, desenvolver um sistema uno e definitivo.

Como vai funcionar?

Vai substituir todos os outros no âmbito da Justiça do Trabalho. Começou a ser implantado em dezembro, em Navegantes (SC), depois em Caucai (CE) e Várzea Grande (MT). Agora em Arujá (SP). Vai proporcionar celeridade porque não terá mais aquela papelada, os autos físicos. Também vai propiciar ganho extraordinário porque estamos falando de um modelo sem filas, sem congestionamentos, de portas abertas da Justiça, dia e noite, pois as partes e seus advogados poderão acessar processos a qualquer hora.

Na prática, como vai ser?

Sem sair de seu escritório, o advogado, com verificação digital e senha que o incluirá no nosso cadastro, poderá peticionar à Justiça e, automaticamente, haverá distribuição do processo para uma vara. Apertando um botão, da mesma forma, haverá a designação da audiência.

Quanto tempo um processo trabalhista leva para terminar?

Em primeira instância até o tribunal regional cerca de um ano. Esse prazo vai cair pela metade. Todo processo judicial tem alguns atos básicos que não podem deixar de ser cumpridos, postulação de direitos, fase de defesa, probatória, de recursos e julgamento pelos tribunais

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