A Carteira Verde Amarela do Governo Bolsonaro

imagemA Radicalização da exploração e da precarização no formato 2.0

Por Fábio Bezerra ¹

Em meio ao surto da pandemia do novo corona vírus, que tem atemorizado o mundo todo com a rapidez com que o vírus se propaga e os inevitáveis efeitos desse surto, em um cenário de desaquecimento da economia que já enunciava um quadro profundo de crise e recessão, todas as atenções estão voltadas para o controle da irradiação do vírus. Mas, em meio à crise sanitária num patamar mundial, o Congresso brasileiro avança com mais um duro golpe sobre os (as) trabalhadores(as) com a tramitação da Medida Provisória nº 905, que significa um aprofundamento da famigerada Reforma Trabalhista de 2017.

A nova versão foi batizada pelo Governo Bolsonaro de “Carteira Verde Amarela”, uma versão piorada da Reforma Trabalhista do Governo Temer, reduzindo em mais de 80 itens o que restou da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e ampliando vantagens aos empresários com a desoneração da folha e a diminuição de direitos. O contrato se destina a jovens entre 18 a 29 anos, prefixando o vencimento em no máximo um salário e meio e tempo de contrato de até 24 meses, oferecendo ao empregador um conjunto de vantagens tributárias como desoneração da contribuição para o Regime Geral de Previdência Social, do salário-educação, da contribuição para entidades de classe e diminuição para o depósito para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), diminuição para multa rescisória (demissão sem justa causa). Com isso, a estimativa é que a folha de pagamento tenha uma redução de mais de 30% e assim estimule as empresas a contratar por essa modalidade.

Um olhar desatento e muito esperançoso pode fazer com que alguns se iludiam com essas medidas, acreditando que, com a desoneração da folha de pagamentos, as empresas se motivariam a contratar mais trabalhadores(as), em especial os(as) jovens que estão se inserindo no mercado ou aqueles(as) que estão desempregados(as) há muito tempo. Ainda mais em um período de crise iminente na economia com forte tendência à recessão econômica. Mas o que se percebe é um aprofundamento das medidas de exploração da força de trabalho, precarização e comprometimento da Seguridade Social.

Vejamos algumas das mais danosas.

13º Salário e Férias:
A modalidade Contrato de Trabalho Verde Amarelo (CTVA) possibilita ao empregador a supressão da indenização pelo encerramento antecipado do contrato; permite, via acordo individual com o trabalhador(a), a diluição do pagamento mensal do 13º salário e da gratificação de férias de um terço, o que favorece ao rebaixamento dos salários.

Indenização:
O adicional de periculosidade que é de 30% é reduzido para 5% e o restante poderá ser terceirizado com companhias privadas de seguro. Adicional de periculosidade passa a ser contemplado apenas quando o trabalhador(a) atingir 50% da duração da jornada. Ou seja, aqueles que se expuserem a materiais e ou situações que exponham risco a saúde, só poderão gozar do reduzido adicional se estiverem em exposição na metade da jornada, o que contraria todas as normas de segurança da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho ( OIT).

Duração:
A MP estende essa modalidade para o setor rural, podendo o agronegócio contratar até 25% do total de empregados por empresa. Mas permite que haja mais de uma contratação consecutiva nessa modalidade se o contrato anterior não tiver ultrapassado seis meses de duração. Isso significa que, após a promulgação, uma parcela significativa de trabalhadores(as) ficarão sujeitos(as) a uma constante rotatividade de subcontratos temporários que se expiram ao fim de seis meses, ficando os mesmos em rodízio sequencial em outros estabelecimentos ou em estado de desemprego compulsório até completarem seis meses para serem readmitidos novamente. É importante ressaltar que a MP não garante, na rescisão do contrato, pagamento das horas não compensadas com o acréscimo de 50%.

Legislação:
A MP enfatiza que as regras da CTVA prevalecem sobre as convenções e acordos coletivos de trabalho, mesmo que a famigerada regra do “negociado sobre o legislado” esteja prevalecendo a partir da Reforma Trabalhista. Nos contratos via CTVA, as regras estabelecidas não serão objeto de negociação e tampouco de interferência da Justiça do Trabalho.

Profissões:
A MP desobriga o reconhecimento dos Conselhos Regionais e órgãos congêneres para a emissão de certificados profissionais. Dessa forma, diversas funções ficam isentas de comprovação técnica ou acadêmica, tais como: químicos, radialistas, jornalistas, sociólogos, economistas entre outros, precarizando mais ainda as condições de trabalho e os possíveis serviços prestados. A ausência de registro não impede o exercício da profissão.

Participação nos Lucros e Resultados:

A MP pretende determinar que as negociações para o pagamento de participação nos lucros aos trabalhadores podem ocorrer sem a participação do sindicato da categoria.

Condições de Trabalho no Campo:

A MP propõe que em contratos onde as empresas do agronegócio promovam parcerias com pequenos agricultores, possa ser descontando na partilha final, além dos insumos agrícolas, o gasto com sementes, transportes, assistência técnica, equipamentos de proteção e combustível.

Repouso Semanal:

O repouso semanal remunerado aos domingos deixa de ser obrigatório. Aqueles que trabalharem aos domingos deverão compensar em outro dia da semana, de acordo com a indicação da empresa.

Programa de habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho:

A MP autoriza a utilização dos recursos desse Programa para outras finalidades e aumenta a participação do Estado através do Congresso e do Ministério da Saúde na composição do Conselho do Programa, ficando assim representado: 1 representante do Poder Executivo, 1 representante do Congresso Nacional, 1- representante do patronal e 1- representante dos(as) trabalhadores(as).

Fiscalização Preventiva:

A nova CTVA suspende a obrigatoriedade da emissão de autos de infração, mesmo que constatada irregularidades ou elevados níveis de acidentes ou adoecimento ocupacional no estabelecimento, ou setor econômico ou região.

Jornada dos bancários:

A jornada dos bancários deixa de ser de seis horas diárias, passando a ser de 8 horas diárias, estabelecendo a possiblidade de trabalhos aos sábados e domingos para alguns setores relacionados aos bancos, como telemarketing e a automação.

Possíveis Impactos da CTVA na geração de empregos:

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desempregados em 2019 foi mais alta entre os jovens de 18 a 29 anos (20,8%). Essa é uma situação estrutural não apenas no Brasil, mas em outros países de capitalismo desenvolvido.

Desocupação, taxa de participação e taxa de desocupação por faixa etária

imagem– PnadC 3º trimestre de 2019

Faixa Etária

Desocupados(mil)

% do total

Taxa de Participação (%)

Taxa de Desocupação (%)

Total

12766

100,0

62,1

12,0

14 a 17 anos

1064

8,3

20,0

42,2

18 a 29 anos

5786

45,3

74,4

20,8

30 anos ou mais

5916

46,3

62,7

7,8

Fonte: IBGE-PnadC

Por sua vez, se utilizarmos os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) no mesmo período de 2019, pode-se verificar que o saldo entre admissões e desligamentos em contratos celetistas manteve, na faixa etária de 18 a 29 anos, um índice de admissão maior do que em outras faixas etárias. No mesmo período, a contratação de trabalhadores(as) em primeiro emprego teve entre os jovens um percentual de 84% do total para o período. Dessa forma fica evidenciado que, mesmo em reduzida expansão de oferta de empregos, a justificativa da criação da CTVA para auxiliar a contratação de jovens ao mercado de trabalho não se justifica.

Ao contrário, esse modelo de contrato, como ressaltado anteriormente, desonera a folha acarretando na prática prejuízo fiscal para o Estado, em especial à Previdência Pública, além de aumentar o grau da precarização do trabalho com o rebaixamento de salários, redução de direitos e piora nas condições de emprego. Outra contradição eminente com a aprovação da CTVA será o aumento da taxa de desempregados entre as outras faixas etárias, em especial trabalhadores(as) com mais de 30 anos, pois com o pacote de vantagens que a CTVA propicia aos patrões, estes poderão substituir trabalhadores(as) entre os 30 e 40 anos de idade por jovens contratados pela CTVA, em condições cada vez mais precarizadas e subalternas, com a vantagem da redução na folha de pagamentos e outros benefícios adicionais ao empresariado, possibilitando manter o potencial de produtividade com aumento da lucratividade, ainda mais em um momento de retração econômica.

A Contrarreforma Trabalhista aprovada em 2017 no Governo Temer não aumentou a taxa de empregabilidade e muito menos estimulou a abertura de postos de trabalho formais. Ao contrário, ampliou a situação de subemprego com trabalhos temporários, aumento da informalidade, redução de direitos e sem qualquer proteção social. Possibilitou também o desequilíbrio nas negociações coletivas a partir da tese neoliberal “o negociado prevalece sobre o legislado” – que poderia ser muito bem substituída pela expressão “negociação com a faca no pescoço” – e enfraqueceu mais ainda o já combalido movimento sindical, com o fim do imposto sindical. Apesar da controvérsia sobre o imposto sindical, instituído durante o Governo Vargas, o fato é que milhares de sindicatos contavam que esse recurso para a promoção de lutas diversas da classe trabalhadora, inclusive a organização das campanhas salariais. Com a suspensão dessa contribuição, o que se verificou não foi a reinvenção do movimento sindical mais “forte, livre e autônomo”, como tantas correntes sindicais defendiam. Ao contrário, amargamos um cenário em que muitas entidades sindicais já estão à mingua e enfraquecidas para promover lutas de resistência.

A dita Reforma Trabalhista de 2017 e agora a sua continuação na CTVA fazem parte de um processo contínuo de reorganização da acumulação capitalista e subjugação da classe trabalhadora. O trabalho é e continua a ser visto como o componente flexível que deve ser moldado para produzir mais com menor apropriação da riqueza por quem produz, independente se essas reformas geram a curto e médio prazo mais contradições sociais, empobrecimento, miséria, segregação e violência. O desmonte da legislação trabalhista, aprovado pelo Congresso em 2017, representou um retrocesso de mais de 100 anos nas relações de trabalho! Reduziu a força de trabalho a uma mercadoria sem direitos, salários, jornada, férias, descanso, intervalos, adicionais, horas extras, abrindo espaço para a instituição de contratos intermitentes que aumentam a exploração e a instabilidade em um patamar de crise autofágica que vai destruindo vidas para preservar a lucratividade do sistema.

Mesmo em meio à pandemia do Covid-19 no Brasil, a Comissão Mista do Senado aprovou o relatório da CTVA no último dia 17 de março, no velho estilo “a toque de caixa”, apesar dos apelos de deputados e senadores da oposição que solicitavam a paralisação das discussões em meio o avanço do novo corona vírus. Representantes de Centrais e Confederações Sindicais não puderam estar no plenário devido à restrição da entrada de pessoas no Congresso. O que se vê é a mesma regra do atropelo na promoção de ataques a conquistas e direitos da classe trabalhadora e a subserviência do Congresso às pressões do mercado, para aprofundar as reformas neoliberais.

Com o iminente quadro de recessão em curso em todo o mundo, a queda nos níveis de consumo e renda e a redução ainda mais drástica de postos de trabalho, a Reforma Trabalhista 2.0 em sua nova versão Verde Amarela não irá promover empregabilidade e tampouco gerar renda para os trabalhadores(as), pois está mais do que demonstrado que o que gera emprego e renda são ações que possibilitem o desenvolvimento econômico com maior investimento do Estado não apenas na macroeconomia, mas na garantia de acesso a saúde, saneamento, educação e distribuição de renda. Tais medidas, no atual contexto, necessitariam de uma ruptura radical com as políticas de superávit primário que cerceiam quase 40% do PIB brasileiro para a rolagem da Dívida Pública e a revogação da EC-95, a famigerada Emenda do “Teto de Gastos”, além é claro da revogação imediata da Reforma Trabalhista de 2017.

Assistimos a mais um atentado contra a CLT e a mais um estelionato governamental subserviente à lógica do Mercado Financeiro Internacional que blinda patrões e empresas dos efeitos das crises econômicas, formalizando e ampliando o retrocesso nas relações Capital x Trabalho para um patamar ainda mais desumano, explorador e destrutivo. Em um cenário de redução de postos de trabalho, com aumento de demissões devido à recessão em curso, sem dúvidas os veículos de comunicação de massas, economistas da “Ordem”, congressistas e entidades empresariais tentarão convencer a opinião pública de que a aprovação da CTVA será o caminho para suportar os efeitos da crise, gerando empregos e renda para a classe trabalhadora.

Entre tantas lutas e ataques que temos que diuturnamente enfrentar, o combate às falácias do Contrato de Trabalho Verde Amarelo deve estar entre as nossas prioridades! Três anos de Reforma Trabalhista apenas serviram para desregulamentar as relações trabalhistas e ampliar a informalidade e o desemprego e com a CTVA não será diferente!

Toda Crise, se formos seguir a etimologia do termo originário em grego, nos apresenta um determinado “ponto de culminância” em que uma nova situação poderá ser evidenciada ou não! Mas o fato é que em toda crise “janelas de possibilidades se abrem” e essas possibilidades sempre estão em disputa! Mesmo que o atual movimento sindical ainda esteja enfraquecido e o conjunto das esquerdas ainda esteja em processo de reorganização, as contradições que o aprofundamento da crise econômica no Brasil poderão propiciar, entre elas o aumento do desgaste político e ideológico do Governo Bolsonaro e seus aliados, devem ser compreendidas como um flanco que podemos e devemos explorar, denunciando à classe trabalhadora as falácias sobre a CTVA e que esta será mais um capítulo do golpismo permanente que nos assalta e escraviza e de que tanto essa MP quanto as outras aprovadas no Governo Bolsonaro assim como no Governo Temer, são as responsáveis pelo aumento do custo de vida, do ressurgimento do fenômeno da carestia e do desemprego e da miséria em nossa sociedade.

Essa luta deve estar presente não apenas nas jornadas do movimento sindical, mas deve ser estendida e ampliada, envolvendo a juventude, o movimento feminista, desempregados e todos os setores que são atingidos pelas desgraças do neoliberalismo e seus Governos de Plantão! Não será com restrições a direitos e conquistas, aumento na jornada de trabalho, redução de salários e precarização nas condições de trabalho que iremos superar a Crise econômica e o desemprego, como tenta nos fazer crer o aparelho ideológico do Governo; ao contrário, essas medidas do Capital e seus gestores apenas aumentarão ainda mais as condições para aprofundar a crise social e a barbárie em curso.

Em tempo, enquanto encaminhava esse texto para publicação, o Governo editou uma medida provisória nº 927/20 na noite do dia 22 de março, com a pretensão de “preservar os postos de trabalho” frente à expansão da pandemia do Covid-19. Essa medida inicialmente previa o desligamento do trabalhador com a suspensão dos salários por até 4 meses. Mesmo com um aparente recuo neste ponto por parte do Governo, há quem afirme que a ameaça continua. A MP também tira os sindicatos de toda e qualquer tipo de negociação, reduz salários, institui o teletrabalho e o banco de horas de modo compulsório, suspende as exigências administrativas e de segurança do trabalho, finaliza o direcionamento para qualificação instaurando um modelo em que, até 4 meses, o trabalhador(a) ficaria em casa com bolsa qualificação que não atinge nem 70% do seguro desemprego, altera a jornada dos(as) trabalhadores(as) da saúde com a dobra de turnos que poderão ser compensadas em até 180 dias!

Na questão da proteção dos(as) trabalhadores(as) da saúde, a possível contaminação dos mesmos pelo Covid-19 não ficará configurado como contaminação por acidente de trabalho: o(a) trabalhador(a) teria que provar o léxico causal para comprovar o acidente de trabalho ou a doença profissional. Isso significa que, se um(a) trabalhador(a) de saúde não conseguir provar o léxico causal em caso de morte, a família ficaria com apenas 60% do direito à pensão sobre seu salário! Dependendo do caso, o familiar poderá gozar desse direito em curto período. O Governo se aproveita da situação para seguir priorizando os interesses de bancos e empresas em detrimento das necessidades da classe trabalhadora, na contramão do que outros governos em outros países estão fazendo em relação à preservação de salários e postos de trabalho.

Esse cenário nos alerta para as pressões que serão feitas no Congresso para aprovar em ritmo acelerado o CTVA e muito provavelmente piorar ainda mais o projeto que tramita em Brasilia.

1 – Professor e membro do Comitê Central do PCB

FONTES:

1 – Nota Técnica: Reforma Trabalhista sem fim e a “bolsa patrão” do Contrato Verde e Amarelo. – Dieese, Fevereiro de 2020.

2 – Site do Senado Federal: https://www12.senado.leg.br

3 – Ministério do Trabalho: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados ( CAGED): http://pdet.mte.gov.br/caged