Entregadores tiram sossego da burguesia

imagemA paralisação dos entregadores de aplicativos em São Paulo Henrique Suricato – Militante da UJC SP e do PCB SP Em 1º de julho, testemunhamos uma mobilização sem precedentes, carreatas de motoqueiros e ciclistas estiveram presentes numa demonstração de força e fortalecimento desta nova categoria. Os entregadores de aplicativos entram em cena na luta de classes, agora rumo à organização coletiva da categoria, em prol de seus interesses materiais mais imediatos. A partir das 9h da manhã, piquetes e aglomerações de entregadores estavam concentrados nos principais pontos de pedidos de entregas como redes de Fast-Food, Shopping Centers e restaurantes e pizzarias mais requisitados. Tanto na concentração quanto na dispersão houve o movimento de direcionar os grevistas para piquetes nos estacionamentos dos restaurantes e shoppings (praças de alimentação) onde concentravam a maioria das entregas, no bloqueio da retirada das encomendas e no convencimento dos colegas de profissão a aderirem à paralisação e, mesmo que não pudessem paralisar, compreendendo a situação[1], dialogavam sobre as reivindicações. O conhecimento histórico dos bons e velhos métodos de construção e consolidação de greves são utilizados agora adaptados à natureza de trabalho dos entregadores. Ao meio dia, iriam parcialmente encerrar estes piquetes e se dirigir à Av. Paulista para formar a grande coluna, indo pelas principais avenidas da capital. Um pouco antes das 14h, as primeiras carreatas chegaram à Av. Paulista em direção ao MASP, onde a concentração estava marcada para ocorrer. Após ficarem meia hora parados em frente ao Museu, novamente saíram em movimento em direção ao Tribunal Regional do Trabalho, na Rua da Consolação, onde falas de “lideranças” dos entregadores foram feitas. Leram em carro de som as reivindicações trazidas pelo movimento e ainda recebiam notícias de mais carreatas vindas de vários pontos da Grande São Paulo, bem como da Paulista e rapidamente desceram a Consolação para se somar à coluna. Após essa intervenção, houve um princípio de racha no movimento: o SindMotos, sindicato ligado à UGT e focada nos motoboys, queria se dirigir de pronto à Ponte Estaiada, na Zona Sul da cidade e próxima aos estúdios da TV Globo, onde estava combinada para as 19h o encerramento da manifestação, o que acabou não acontecendo. Os entregadores foram em coluna pelas marginais antes de se dirigir ao ponto de encerramento e voltar em pequenos grupos para os “piquetes” nos restaurantes e shoppings, a fim de garantir a paralisação nas 24h. Faz meses que esta mobilização estava sendo construída. Como estão dispersos pela própria natureza do trabalho, os aplicativos de comunicação foram fundamentais para a articulação e divulgação das reivindicações, tomando como experiência a greve dos caminhoneiros de 2018, articulada da mesma forma. Foi com as manifestações em defesa da democracia e antifascistas, que encontraram o momento oportuno para realizar uma paralisação. Encorajados pela conjuntura em que o questionamento à retórica empreendedora está na ordem do dia entre os informais, a paralisação veio bem a calhar. Algumas Observações O representante patronal do Ifood, em coluna na Folha de S.Paulo [2], se aprontou a fazer defesa da empresa frente à opinião pública por conta da reputação (e do valor das ações) em jogo diante do recorde de avaliações negativas, a queda do número de pedidos, a justeza das reivindicações perante os populares e a grande repercussão da paralisação [3]. É óbvio que as avaliações serão “positivas”, há toda uma força coercitiva por parte destas empresas no que tange à qualidade do serviço prestado (resquícios do toyotismo) e na necessidade de agradar seus investidores a qualquer custo. Pensem que os desligamentos e bloqueios são arbitrários, que a voz dos entregadores são pouco ouvidas e há mecanismos de avaliação duvidosos. Sob roupagem futurista, as relações de trabalho dominantes lembram mais aquelas do Século XIX, em que a vontade do empregador (o aplicativo) se sobrepõe a todas as demais vontades, incluindo a da legislação trabalhista [4]. Trabalhar numa carga horária maior com um rendimento menor diante do aumento da demanda e dos lucros destas empresas, que sequer se comprometem a distribuir EPIs para que os trabalhadores possam se proteger da COVID-19, soou como a gota d’água para a categoria. Fico imaginando o representante do Ifood utilizando-se destes argumentos empreendedores diante de nossos “cachorros loucos” mais que revoltados com os aplicativos em plena General Osório (rua do centro de São Paulo onde se concentra o comércio de artigos para motos e de oficinas de manutenção das mesmas). Estes liberais, que ficam o tempo todo na mídia repetindo o mantra de que é melhor trabalhar ganhando pouco do que não ganhar nada, são os que mais desfrutam da precarização das relações de trabalho dos últimos 30 anos. São os maiores beneficiados da desigualdade social e da concentração de renda. E agora estão desesperados, veem suas falácias serem desmontadas pela força das próprias contradições da realidade. O trabalho se impõe de volta sobre o capital. Os trabalhadores vítimas da “uberização” das relações trabalhistas chegam a ter condições de trabalho piores que os autônomos ou os informais clássicos, por não poderem determinar os termos de seus trabalhos e quanto vão ganhar. São assalariados não formalizados, por terem metas de produtividade pré determinadas, uma jornada de trabalho “flexível” determinada por algoritmos. Tanto que as principais reivindicações dos grevistas visam se aproximar dos motoboys quanto aos direitos [5]. Embora tenha havido o aumento do repasse das entregas, o aumento da renda precedeu a formalização propriamente dita. Como há motoboys experientes neste meio, permitiu-se que experiências anteriores de greves sobre duas rodas fossem compartilhadas e utilizadas, mas agora numa escala muito maior. Houve uma identificação dos proprietários de pequenos e médios restaurantes e lanchonetes com a greve por conta das condições de produtividade e de preços impostos pelos aplicativos de entrega. Precisamos observar bem que a pequena burguesia proprietária de pequenos comércios aproxima-se dos trabalhadores e vê convergências – parciais – nos interesses materiais frente a um inimigo comum de classe. É uma boa oportunidade de aproximação com os trabalhadores e de avanço sobre a consciência e organização, uma aliança necessária [6]. Numa cidade onde fomos acostumados a ver milhares de motos por todos os cantos, o enxame de entregadores com suas mochilas, buzinas, “corte de contagiros” e “CGs” tirou o sossego da burguesia paulistana. Henrique Suricatto. PCB e UJC SP [1] – https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/01/nao-pararam-mas-apoiaram-o-que-pensam-os-entregadores-fura-greve.htm [2] – https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/06/sobre-oligopsonios-e-entregadores-alguns-numeros.shtml [3] – https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/06/quem-vai-entregar-um-pouco-de-futuro-aos-entregadores.shtml [4] – https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/07/02/ideia-de-que-nao-ha-opcao-a-uberizacao-valida-exploracao-diz-pesquisadora.htm [5] – https://revistaopera.com.br/2020/06/30/breque-dos-apps-a-greve-de-entregadores-e-o-direito-a-saude/ [6] – https://pcb.org.br/portal2/25777/breque-dos-apps-uma-greve-historica-dos-entregadores-de-aplicativos/

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