Os incêndios criminosos no Pantanal
Nota política da UJC do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul
Nos últimos meses, os incêndios na região do Pantanal têm chamado atenção da imprensa nacional e internacional. Em 11 e 12 de setembro, vimos, respectivamente, incêndios nos parques estaduais Encontro das Águas, no sul do Mato Grosso (MT), e no Nascentes do Rio Taquari, no norte de Mato Grosso do Sul (MS). Anteriormente, em julho, o MS já havia decretado situação de emergência ambiental por conta de queimadas em Corumbá e Ladário. E, em agosto, o céu da capital de MT, Cuiabá, amanheceu cinza. A quantidade de focos de incêndios foi a maior desde 1998. Alega-se que fatores “naturais” e climáticos seriam responsáveis por isso. Porém, além do Pantanal, esses estados compartilham alguns aspectos que podem ajudar a explicar esses fatos: a enorme concentração de terras em alguns latifúndios e a expansão da lógica monocultora da agricultura capitalista no Brasil (também chamada de “agronegócio”).
O governo de Bolsonaro certamente tem sua parcela de responsabilidade sob a situação. Entre 2018 e 2020, reduziu em 28,25% as verbas destinadas à prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais. No ápice das queimadas, no final de agosto, anunciou mais uma redução de orçamento. Porém, isso não é algo que se restringe a um governo. Um dos locais que concentrou parte significativa dos focos de incêndio é a Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, única reserva do tipo no estado. O local é alvo de grileiros e é considerada uma ilha verde de conservação numa região em que os ambientalistas chamam de “arco do desmatamento”. Entre 2015 e 2019, foi alvo de tentativas por parte da Assembleia Legislativa do MT em diminuir seu tamanho, o que a deixou mais suscetível a degradação.
A degradação e o desmatamento, inclusive, são as constantes que ampliam o potencial dos incêndios a se espalharem. É um dado que o desmatamento na Amazônia afeta a região do Pantanal. E na região amazônica, os focos de incêndios em terras indígenas dobraram entre 2018 e 2019. As terras dos Kadiwéu no MS, a dos Paresi em MT e outras seis em MT compõem 6 das mais atingidas em 2019. Essas terras estão sufocadas pelos latifúndios. O Centro-Oeste é a região que disparadamente tem a maior concentração fundiária, sendo 75% das áreas ocupadas por latifúndio. O MS consegue superar esse marco com 83% das terras nas mãos de grandes proprietários. O contraste entre os grandes capitalistas da agricultura com as populações indígenas e pequenos agricultores, porém, não é apenas na quantidade de terras concentrada nas mãos de poucos.
Os grandes capitalistas desse ramo geralmente pouco se importam com os “efeitos colaterais” para a região: afinal, boa parte deles não vive no estado e, às vezes, nem no Brasil, considerando que, nos últimos anos, tem se aprofundado uma “estrangeirização da terra”, semelhante ao que vem acontecendo na Amazônia. Há que se ressaltar que boa parte dessas terras são improdutivas e usadas apenas como reserva de valor para obtenção de renda fundiária. Quando não, esse setor é acompanhado por uma lógica de produção destinada para fora do Brasil e dependente da tecnologia estrangeira de Bayer, Bunge, Cargill, John Deere, Monsanto, Shell, etc. Tais características evidenciam que a predominância desse setor subjugado ao imperialismo reitera a nossa posição subordinada na divisão internacional do trabalho – que, por sua vez, reatualiza a economia latifundiária e primário-exportadora dos tempos do Brasil Colônia. Ao contrário, os povos indígenas e camponeses têm na terra sua casa e meio de subsistência, assim costumam preservar muito mais o local. Longe do discurso ideológico e individualista de que um “ser humano” em abstrato destrói a natureza, é preciso dar nome aos bois. E os bois são justamente um dos sustentáculos da agropecuária extensiva que degrada o solo com sua monocultura e as florestas para criar pasto para seu gado.
Aí vemos que não há nada de “natural” na questão. Não somente porque há alternativas às chamadas “queimadas controladas” – defendidas pela secretaria de meio ambiente do MT – mas, principalmente, porque a forma com que o ser humano se relaciona com a natureza não é “natural”. Na sociedade capitalista, a natureza é vista apenas como entrave ou possibilidade de lucro. Porém, dentro dessa lógica, os lucros são privados, mas os riscos e prejuízos são socializados. É nesse sentido que o grande capital investe na degradação ambiental sem nenhum remorso. Se, como “efeito colateral” ou “imprevisto”, a destruição ambiental gerar o extermínio da fauna, flora, reservas naturais, comunidades extrativistas ou povos indígenas, para o capital pouco importa.
Assim, para pensar num projeto de futuro para a juventude camponesa, indígena e trabalhadora, é preciso primeiro combater a estrutura latifundiária, colonizatória e racista brasileira. Considerar o meio ambiente não em abstrato, mas em relação dialética com o ser humano. Isso perpassa pelo combate a esta estrutura, à ideologia neoliberal, aqui performada pelo agronegócio, pela luta pela soberania das classes populares e pela implementação de um projeto de sociedade que estabeleça uma relação com a terra para além das possibilidades colocadas pelo direito burguês, nos entendendo como agentes na natureza, não individualmente, mas coletivamente. Enquanto não houver essa transformação e vivermos num sistema que prioriza o lucro acima das vidas, teremos apenas mediações que se tornam cada vez mais insuficientes. É a alternativa da construção do poder popular que pode superar as desigualdades impostas pelo sistema capitalista, o real responsável pela degradação ambiental, e neste caminho mudar o mundo e a relação entre o homem e a natureza!
Para entender mais:
Por que os biomas queimam? Nota do PCB MT: https://pcb.org.br/portal2/26097/por-que-os-biomas-queimam/
Outros links: https://projetocolabora.com.br/ods13/queimadas-atingem-46-terras-indigenas-em-mato-grosso/https://www.brasildefato.com.br/2020/08/11/queimadas-no-pantanal-vivemos-uma-situacao-inedita-diz-biologo-que-atua-na-regiaohttps://redecerrado.org.br/queimadas-cerrado-foi-o-bioma-brasileiro-mais-afetado-em-setembro/https://reporterbrasil.org.br/2020/09/ninguem-quer-ver-de-perto-a-morte-que-o-fogo-traz-para-o-pantanal-eu-vi/