O AGRO é POP ANTIPOPULAR! A alta do preço do arroz no país da soja
Fonte: Produção Agrícola Municipal/IBGE.
Gabriel Colombo[I]
A alta do preço do arroz assustou os trabalhadores em 2020. Em geral, o preço de alimentos tem previsão de alta de 14,5% em 2020[II]. O impacto é tremendo para a classe trabalhadora, principalmente as camadas mais pobres, cujo gasto com alimentação equivale a 22% do orçamento[III] e enfrentam o aumento do desemprego, do trabalho informal e precário.
As justificativas para a alta do preço do arroz, que acumula 120% em 2020[IV] são em geral superficiais, apontam para a aparência e imediaticidade do problema. A centralidade da questão é intrínseca ao modo de produção capitalista, pois a lucratividade é o fator determinante para a definição do que deve ser produzido, no caso da agricultura, o que será cultivado. Portanto, as necessidades alimentares da população, o valor de uso da produção, não é o que determina as prioridades da produção agrícola no capitalismo. Somado à inserção subordinada e dependente do Brasil na divisão internacional do trabalho, resulta no atendimento prioritário a demandas externas, como a produção de soja para a exportação em grãos, sem passar por transformação na indústria e sem pagar imposto de circulação (ICMS), em detrimento das necessidades do mercado interno.
A expressão concreta do agronegócio brasileiro não é “pop”, como a peça publicitária da Abag quer nos fazer crer, é antipopular. Enquanto as commodities, como soja, cana-de-açúcar e milho crescem no território brasileiro, a área destinada aos alimentos essenciais da dieta no país reduz. A área colhida de arroz reduziu de uma média de 5,6 milhões de hectares na década de 1980 para uma média de 2,2 milhões de hectares na década de 2010. A área de feijão também foi reduzida, de uma média de 5,2 milhões de hectares nos anos 1980 para 2,9 milhões de hectares na década de 2010. Em uma tendência oposta, a Soja ampliou a área colhida em 30,7 milhões de hectares entre 1974 e 2019, alcançando quase 36 milhões de hectares no ano passado, o equivalente a 47,65% de toda área colhida no Brasil[V]. Atualmente, a soja é o que foram a cana-de-açúcar e o café na economia escravista, colonial e primário-exportadora.
Tamanha redução do plantio de alimentos essenciais não foi mais dramática para alimentação da população brasileira devido ao desenvolvimento de cultivares de arroz e feijão com maior produtividade. Com isso, mesmo em áreas menores, a produção de arroz cresceu em 21,2% quando comparamos a média produzida em 2010-2019 com 1980-1989 e a produção de feijão cresceu 29,4% na mesma comparação. No entanto, o aumento da produção de arroz e feijão não acompanhou o crescimento populacional. Em 1989, a população brasileira era de 146,3 milhões de habitantes, em 2019 foi de 210,1 milhões de habitantes (+43,6%).
Como consequência da redução proporcional da produção de arroz e feijão em relação à população, o consumo diário desses alimentos esteve presente na mesa de menos brasileiros e brasileiras nos últimos dez anos, segundo o IBGE[VI]. Ao mesmo tempo, a vulnerabilidade à alta dos preços é constante, basta lembrar o elevado aumento do preço do feijão também em 2016 e em 2019, pois a produção é muito próxima ao consumo, com poucas margens para variabilidades como condições climáticas.
A política ultraliberal de Bolsonaro-Mourão-Guedes contribui para agravar o problema. Os estoques públicos de arroz estão em baixa desde 2012, sem nenhum planejamento para recomposição, estão na marca de 20 mil toneladas[VII], o equivalente a 0,2% do consumo interno, na ordem de 11,8 milhões de toneladas. A China e os EUA possuem um estoque de arroz equivalente a 79% e 33% do consumo, respectivamente[VIII]. Outro exemplo, foi a ausência de restrição à exportação de arroz durante a alta dólar, o que poderia reduzir o impacto no abastecimento interno. Com isso, a exportação de arroz cresceu em 319 mil toneladas ou 176,5% no período de janeiro a setembro de 2020 em relação ao mesmo período de 2019[IX].
A ministra da Agricultura reforçou que o governo não vai interferir além da isenção de impostos sobre a importação de até 400 mil toneladas de arroz. Além disso, Tereza Cristina afirmou que o aumento dos preços tem relação com a elevação da demanda de arroz promovida pelo auxílio emergencial e pela pandemia[X]. Essa declaração absurda passa a ter um mínimo de relação com o fenômeno aparente somente quando a produção de arroz no país está muito próxima do consumo estimado, não existem estoque públicos nem políticas de restrição de exportação. No mais, a representante do agronegócio está afirmando indiretamente que não há produção regular de arroz para os mais pobres.
A agricultura capitalista brasileira produz em grandes propriedades, concentradas com grilagem de terras públicas, desmatamento e expropriação de camponeses, povos originários e populações tradicionais, com perdão de dívidas, com tecnologias das grandes empresas de países imperialistas e é incapaz de assegurar o abastecimento de alimentos ao povo brasileiro a baixos preços. O agro não é pop, é antipopular!
[I] Engenheiro Agrônomo e militante do PCB.
[II] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/10/06/alta-do-preco-de-alimentos-ganha-forca-e-analistas-ja-veem-ipca-perto-de-25.ghtml
[III] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25606-familias-com-ate-dois-salarios-gastam-61-do-orcamento-com-alimentos-e-habitacao
[IV] Segundo o indicador do arroz em saca ESALQ/SENAR-RS (em reais por saca de 50kg). https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/arroz.aspx
[V] https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas
[VI] https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/21/em-dez-anos-brasileiro-reduz-consumo-de-arroz-e-feijao-e-aumenta-o-de-adocante-e-acai-aponta-ibge.ghtml
[VII] https://www.conab.gov.br/estoques/estoques-por-produto/item/1136-serie-historica-de-estoques-publicos-arroz
[VIII] https://www.conab.gov.br/info-agro/analises-do-mercado-agropecuario-e-extrativista/analises-do-mercado/historico-mensal-de-arroz/item/download/23631_3cd77b324b44ae30ed23ea901e811d9f.
[IX] http://www.mdic.gov.br/balanca/mes/2020/BCE_ISIC_PRODUTO_ACUM.xlsx
[X] https://istoe.com.br/tereza-cristina-arroz-encareceu-no-mundo-todo-nao-so-no-brasil/