Alienação e pandemia: genocídio e perversidade no trabalho
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Arthur Machado – mestrando em Filosofia pela UFSM e militante no Rio Grande do Sul
1) DOS PRESSUPOSTOS
Dentre algumas descobertas importantes do pensamento de Lenin, como bem indica István Mészáros em “A teoria da alienação em Marx”, encontra-se a dedução do que seria “a ideia básica de todo sistema de Marx”. E isto, o revolucionário russo o faz somente a partir das leituras disponíveis em sua época sobre os pressupostos do pensamento marxiano; no caso, a crítica a Bruno Bauer em “A sagrada Família”. É, portanto, em uma sinopse a este texto que ficará registrada a interpretação leninista do que seria o conceito central da teoria de Marx e Engels, a saber: “o conceito das relações sociais de produção” enquanto uma “relação praticamente alienada entre o homem e sua essência objetiva”. Lenin não somente assim confere a importância deste trabalho, como exalta sua característica filosoficamente mais inovadora e radical: “por ter sido escrito em nome do indivíduo real, humano”. Quer dizer, Lenin reconhece o mérito de “A Sagrada Família” justamente quando este texto aborda as temáticas desenvolvidas em manuscritos que o revolucionário russo não teve tempo de ler, isto é, os temas relacionados à condição da ‘alienação humana pelo trabalho’ e do pressuposto investigativo de Marx enquanto a ‘vida material dos indivíduos’. Sobre o primeiro tema, sabemos que Marx o desenvolve nos Manuscritos de Paris, denominados também por “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” (publicado somente 1932, oito anos depois da morte de Lenin), cujas páginas – ou algumas delas – são realocadas para o texto publicado no mesmo ano (“A Sagrada Família”). Acerca do segundo tema, Marx e Engels, somente tomarão o trabalho de esclarecer após o artigo de Bauer publicado no “Vierteljahrsschrift de Wigand”, que reagia à publicação da ‘A Sagrada Família’. Este texto demolidor da filosofia baueriana, sob as mãos dos revolucionários alemães, é reunido no que ficou conhecido como “Ideologia Alemã” que, no entanto, só viu a luz quase dez anos após a morte de Lenin. Apesar do desconhecimento, surpreendentemente é em algo tal como o “indivíduo real em sua vida material sob um tipo de estranhamento nas relações humanas e com sua própria atividade” que Lenin aposta os pressupostos do chamado “socialismo materialista revolucionário”.
O mérito de “Escrever em nome de um indivíduo real” não significa outra coisa senão de reconhecer na análise o ponto de vista “material”, isto é, do trabalho, do trabalhador, da classe proletária que se sente aniquilada em sua própria auto-alienação – ou melhor e mais claro: auto-estranhamento [selbstentfremdung]. Lenin, com isso, percebeu de modo brilhante que a ideia central de Marx é sua crítica da reificação capitalista, e de sua economia política, das relações de produção e reprodução da vida humana. Em outras palavras, da vida humana reificada no trabalho assalariado, no intercâmbio dos trabalhos através de um suposto preço da força de trabalho equivalente em dinheiro e, por fim, da propriedade privada que não é nada senão a materialização física [materiatur] do trabalho não pago (como Marx identifica ao fim do capítulo 16 d’O Capital). E, de fato, se conseguirmos reduzir a pesquisa crítica de Marx em uma pequena frase, seria: até o momento presente a vida da gente coincide com a produção, ou seja, coincide com o esforço para nos alimentarmos, nos vestirmos e nos aquecermos. Ora, esta vida que “totalmente coincide com sua produção” significa simplesmente a condição de viver para trabalhar e trabalhar para não morrer. Mas e quando trabalhar para viver mata?
O sistema capitalista é em sua natureza potencialmente contraditório. Em sua expressão normal, o seu fortalecimento, sua complexificação, já necessariamente conduz ao horizonte de crise dele mesmo – neste sentido Marx afirma que o “que a burguesia produz são seus próprios coveiros”. Afinal, aprendemos que sua essência é, antes de tudo, a geração de valor, em especial, de sua valorização excedente. Ou seja, em uma jornada de trabalho que quanto menor for o tempo de trabalho necessário para o trabalhador gerar o valor do seu próprio salário, maior será o restante dessa jornada em que o valor produzido será excedente, não refletirá em seu salário. Daí a fórmula mercantilista que Marx cita em O Capital (L.I; Seção II; Capítulo 4; subcapítulo 1, p., 231), “dinheiro que cria dinheiro”. A questão é que esta fórmula só se assenta e se justifica na esfera da produção. Quer dizer, uma determinada quantidade de dinheiro investido na produção de alguma mercadoria (processo de dar ou transferir valor de troca a ela ao mesmo tempo que produz sua utilidade física) que, graças ao trabalho efetivamente não pago do indivíduos trabalhadores, deverá ao capitalista gerar mais valor em relação ao que ele primeiramente investiu. O processo produtivo do capital, quer dizer, o processo que gera valorização, é, como sabemos, o processo de produção que necessita de “trabalho vivo” para gerá-lo, trabalho humano, trabalho que não é instrumento ou maquinaria (que não existe no espaço, como máquinas da indústria, mas no tempo, como atividade de trabalho em exercício, como Marx afirma nos ‘Manuscritos econômicos de 1861-63’). Ao mesmo tempo que o processo produtivo necessita do trabalho humano para gerar valor, a necessidade de aumentar do tempo de trabalho excedente (tempo do trabalho não pago no valor do salário) cada vez mais elimina, através da automatização do trabalho, seu elemento criador de valor. Quando a maquinaria substitui o elemento criador de valor e mais-valor, com isso a exploração do trabalho humano, até pode-se criar valores de uso, mas o “dinheiro” não se transforma em mais “dinheiro” e o capitalismo entra em crise. Este movimento é imanente ao capital que busca converter-se em mais capital. Quer dizer, é uma tendência natural e cíclica em que as relações humanas, baseadas no capital, tendem. É sua expressão comum.
Outro aspecto, porém, que pertence à expressão comum do movimento do capital no mundo contemporâneo, como indica Marx desde o livro I e trabalhará de modo mais específico no Livro II, é que a esfera da circulação do capital tende a ser improdutiva. O que significa que ela não gera mais-valor mesmo que tenha valor de uso, que seja útil. Porém, ela só se mantém porque constitui parte do processo de rotação do capital, que nada mais é além de um processo periódico do capital que se repete para produzir mais-valia e se auto-renovar. O processo de circulação é, portanto, parasitário dos valores excedentes gerados no processo produção e ambos constituem o ciclo de rotação do capital. Porém, sua lei é a seguinte:
“[…] a expansão e a contração do tempo de curso agem como limite negativo à contração e à expansão do tempo de produção, ou da extensão na qual um capital de dada grandeza pode funcionar como capital produtivo. Quanto mais as metamorfoses da circulação do capital são apenas ideais, isto é, quanto mais o tempo de curso é = 0 ou próximo de zero, tanto mais atua o capital e tanto maior se torna sua produtividade e autovalorização” (MARX. O Capital, L.II; Seção I; capítulo 5; p., 228).
Em outras palavras, quanto menos tempo o valor fica detido no seu processo de circulação, menor é a produtividade do capital. Quanto maior for o número de rotação, maior a produtividade que exerce em si o capital, ou seja, obviamente o número de rotações anuais é inverso ao tempo de rotação. O tempo de rotação é a soma entre o tempo de curso e de produção, mas se a esfera de circulação normalmente não exerce criação de valor (com a exceção da indústria de transporte que quanto mais rápida menor o tempo de circulação, como aponta Marx no capítulo seguinte), então quanto menor for o tempo de curso do capital, menor será a demora para sua criação de mais-valor. O que nos leva a uma dedução muito simples: quanto mais tempo ficam fechadas as lojas, impedidas de efetuar a rotação do capital, maior é o limite de reprodução deste mesmo capital, ou seja, seu processo de valorização.
Se, por um lado, na efetivação deficiente do processo de rotação do capital, se sua produção de mais-valor diminui, ele tenderá, como mostrou Marx, a eliminar o investimento em capital variável, dispensar a força de trabalho. Ou seja, na ineficiência do processo de rotação é sobre os ombros do trabalhador, que apenas tem sua força de trabalho à venda, que o capital descansa, do prejuízo, seu peso esmagador. Assim ficou nestes tempos de pandemia. O fechamento do comércio inviabiliza o processo de rotação do capital e coloca o trabalhador na linha de fogo para defender a valorização e o lucro que nem é dele. Mas, afinal de contas, essa é a essência do capital, apesar de não costumar ficar revelada para fora das cortinas da esfera de produção. É esta essência que, a cada dia se revelando um pouco mais, reconhece o trabalhador como “[…] alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da despela”.
2) DA IDEOLOGIA FASCISTA
O fascismo tem como uma de suas características o apelo à superação de luta de classes, é bastante comum que um dos seus estandartes seja o anticomunismo, como manifesta sua propaganda. Na tentativa de superação da suposta luta entre os interesses das classes com o fortalecimento do caráter nacional, mas que encontra nisso justamente a radicalização dela, ou mais especificamente, a manutenção de sua exploração, é que se desenvolve o braço econômico do fascismo. O fascismo se dá por uma série de comportamentos e condutas psicológicas e pseudo-filosóficas, como já apontamos no texto “o bolsonarismo e a banalização do fascismo”i. Contudo, sua base discursiva central levanta a bandeira da alternativa, uma terceira via, que ao mesmo tempo consegue condenar a política socialista em detrimento de um liberalismo econômico, mas não deixa de aparelhar as empresas, secretarias e ministérios com ideólogos (do “partido fardado”, ou de sua milícia, quase sempre); diz defender algo tal como um estado democrático “realmente verdadeiro”, mas seu movimento contraria a independência dos poderes do estado, questionando, em geral, a cúpula do poder judiciário; e que, por último, tende a criminalizar qualquer manifestação oposicionista. Porém, como sabemos, as experiências fascistas inicialmente se lançaram como a tal terceira via entre o socialismo e o capitalismo na busca de superação de ambos, mas todas, em seu fim, demonstraram assumir a ideologia da falência: que realiza-se na preservação de um Estado assegurador da luta de classes em sua forma original. Por isso a afirmação de que o socialismo e, antes de tudo, a obra de Marx foram responsáveis por criar uma cisão na sociedade, criando duas classes, pode até parecer bastante engraçada – e, na história pura das ideias, seria considerada uma miserável estupidez intelectual –, mas não deve ser subestimada. Ela só é um sintoma da frente mais poderosa do fascismo, a sua frente econômico-ideológica combatendo qualquer tipo de organização classista. Seu primeiro momento é fraseológico, opera com medo, expectativas e ameaças, em seguida, a racionalidade instrumental da sociedade capitalista contemporânea opta, na hipótese mais branda, pela ação de prisões e impedimentos burocráticos aos seus adversários.
As nossas experiências recentes, desde o último século, apontam que a psicologia de poder do fascismo, seus pensamentos e atitudes, são sempre consideravelmente imprevisíveis, neste caso e esfera a história não se acidenta em repetir-se, por outro lado, a psicologia das massas do fascismo sempre nos surpreende com velhas novidades que, quando muito, mudam apenas a cor das bandeiras. Não teríamos, porém, espaço para desenvolver as principais concepções da ordem psíquica das massas, senão alguns poucos traços dela. No entanto, em uma sociedade onde o trabalho é reconhecido como gerador de riqueza e necessidade primeira, praticamente natural e de sobrevivência, nos períodos de crise – desemprego, salário real que oferece baixo acesso aos bens de subsistência em uma sociedade que cada vez cria mais necessidade – a culpabilização a um tipo de “sistema político falido” costuma ser a bandeira para incentivar as massas, descontentes com características materiais de produção e reprodução da própria vida, a demandar por medidas “antissistêmicas” que dão entrada a políticas de viés fascista.
O que ocorre, então, não passa de um deslocamento de interesses sociais que, no movimento fascista, é executado em sua radicalidade. Este deslocamento de interesses, na literatura marxista, chamou-se “Ideologia”. Esta categoria, ao menos no pensamento de Lukács tardio, consiste em um complexo de determinações teleológicas de segunda ordem. Lukács chama de ações teleológicas de segunda ordem, ou extra-laborativa, pois elas só existem como desdobramento das primeiras ações teleológicas: da simples atividade livre do trabalho pessoal. Sobre a esfera da ação teleológica de primeira ordem (a crença de poder atuar sobre a natureza que é compreendida e interpretada), desdobra-se a segunda (de poder atuar de acordo com o complexo social existente compreendido e interpretado). Esse deslocamento entre as interpretações de primeira e segunda ordem, em que assumimos “interpretações públicas das coisas do mundo” ocorre somente quando a nossa vida mesma coincide, como é até o momento, com a sua produção; ao ponto do intercâmbio, entre trabalho e “forma-salário”, naturalizar-se. Quer dizer, não dispomos da vida como um objeto nosso que ela de fato é, como diz Marx nos “Manuscritos de 1844”; o trabalho estranhado faz da própria vida alheia, da própria liberdade, imanente da atividade da consciência, um instrumento de sobrevivência. Esse movimento radical de estranhamento, de entregar a própria “existência”, é o que justifica as reivindicações de trabalhadores que, necessitando profundamente da própria força de trabalho para alcançar as primeiras necessidades fisiológicas e básicas da vida (comer, se aquecer, estudar…), apoiam o que lhes parece impedir de desempenhar a própria vida, quando na verdade afeta efetivamente a produção, no caso, reprodução do capital. E porque este trabalho pessoal coincide, como já dissemos, com a vida, é que não é a ideologia das massas uma simples falsa consciência superficial, mas o próprio diagnóstico interpretativo da realidade social. De uma realidade social cuja essência é constituída por um núcleo pútrido, como dizia Marx no New York Tribune em 1859: pois, “[…] Deve haver algo de podre na essência mesma de um sistema social que eleva sua riqueza sem diminuir sua miséria”.
Esse deslocamento, no entanto, é assentado sobre um fenômeno subjetivo muito simples, que é de ordem psicológica, e que cumpre papel importantíssimo nos indivíduos, e é potencializado entre grupos. Conhecido como “dissonância cognitiva”, a teoria desenvolvida pelo psicólogo americano Leo Festinger trata de conceitualizar o comportamento psicológico que visa dar conta das consequências cognitivas de uma expectativa não confirmada pela realidade, em que o sujeito, tendo frustrado seu conjunto de crenças sobre o mundo, procura mesmo assim encontrar coerência entre suas antigas opiniões e os novos fatos. Ora, mesmo que a pandemia da COVID-19 tenha chegado abertamente ao auge, o trabalho assalariado ainda tem papel fundamental na ideologia da sociedade capitalista, constituindo assim um conjunto de crenças que, mesmo incoerente com os fatos lastimáveis da realidade, seus defensores ainda buscarão fundamentar superficialmente a coerência que falta através de novas justificativas entre a prática, o mundo factual, e o conjunto de opiniões consolidadas.
3) UM GENOCÍDIO DE CLASSE
Se o fenômeno da ideologia, com todas suas particularidades sociais e psicológicas, acolhe as políticas fascistas, não significa que elas estejam isentas e inocentes de suas práticas. Ao contrário, quanto mais se permitir que elas avancem, mais estruturada e edificada se dará sua racionalidade técnica. Acreditar que Bolsonaro seja tolo, que sua política siga por sorte e acaso caminhos bem-sucedidos em direção à perversidade, é como correr com os olhos vendados: é possível, mas perigoso. É mais importante, a qualquer pensamento crítico, identificar o núcleo racional do movimento real, que a história do mundo não cansa de demonstrar como ele se desdobra. Aliás, a própria história recente demonstra que a perversidade tem uma sofisticada organização. O Nacional-Socialismo alemão é a extrema prova que a perversidade não é burra (embora possa ter suas extravagâncias e visões de mundo um tanto idiossincráticas), na verdade, quanto mais perverso é o movimento, mais inteligente ele é.
O governo brasileiro nas mãos de Bolsonaro – como aponta o professor Rodrigo Nunes da PUC-Rio –, que essencialmente já possuía como característica de seu projeto ultraliberal, mas armado, a radicalização das condições, para o empresariado brasileiro e internacional, de um novo processo de rotação mais produtivo da acumulação capitalista no Brasil, não esperava enfrentar medidas de isolamento social e fechamentos como obstáculo econômico. Mesmo assim, foi tão fiel quanto o aguardado em seu projeto: ou seja, muito mais danoso à classe trabalhadora em comparação ao neoliberalismo dos governos anteriores. Uma demonstração dos interesses que operam e exigem postura do governo resume-se na alegação, ao fim do ano passado, do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contrário a um segundo Lockdown: “Se tiver um Lockdown maior, pode gerar um primeiro semestre pior”. Ou ainda, feita há poucos dias, de Michael Klein, o maior acionista da Via Varejo: “Bolsonaro está fazendo um bom trabalho; eu manteria ele”. Há também a manifestação do Fecomércio-BA que estima, durante o fechamento, um prejuízo diário de R$70 milhões. Bolsonaro, ao menos por enquanto, tem apoio e comando de colocar como frente de seu discurso, mesmo durante o momento mais crítico da pandemia no Brasil, os seguintes lemas: “Até quando podemos aguentar esta irresponsabilidade do lockdown?”; “‘Ao fecharem o comércio, vem o desemprego em massa”; e, o mais significativo, “Economia também é vida!”.
4) A VIDA DA ECONOMIA
O interesse de que as leis econômicas sejam naturalizadas, imanentes à vida, é somente daqueles que se beneficiam com elas. Em outras palavras, a economia só é vida aos que não conhecem o significado dela. Economia só pode ser equivalente à vida, sobretudo, para quem despreza seu valor. Embora Marx tenha morrido antes que seus olhos observassem essa realidade, herdamos sua lucidez que nos permitiu compreendê-la um pouco melhor. E o que resta como grande ensinamento de Marx é o de que a economia não tem vida, é, inclusive, tudo o que há de morto; e se ela coincide com a nossa própria vida, com o trabalho, o esforço e o sofrimento subjetivo, não é uma coincidência natural, mas sim porque foi conduzida a coincidir no que identificamos com a chamada vida alienada: a tautologia da vida que vive para evitar morrer, não experimenta os potenciais de si mesmo (em sua metáfora localizada em Ideologia Alemã: caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite e fazer crítica depois da refeição”). À vida que trabalha para viver e vive para trabalhar, que já compreende esta realidade como sua própria natureza, não parece haver alternativa senão de assumir o que lhe foi imposto.
Se a classe trabalhadora opera segundo interesses alheios, o fascismo, por outro lado, opera na garantia de seus próprios, isto é, do cumprimento do ciclo do capital. Quando ele dispersa o papel individual no ideal de uma totalidade de nação, concretizando nada além do desprezo ao sujeito que sofre e entrega sua própria vida ao tentar sobreviver, ele conduz o papel de protagonismo à classe dominante. Sendo mais claro, é na valorização do mundo das coisas, que desvaloriza-se o mundo humano, como diz Marx nos ‘Manuscritos de 1844’. Pois é no período em que perdemos mais de 279 mil vidas, mais de mil vidas por dia (sem contar as subnotificações), um líder de estado reproduz como frente do próprio discurso e prática política o que Jair Bolsonaro reproduz, não está apenas lançando à própria sorte cada um dos trabalhadores, mas garantindo o risco real da morte destes. Essa política – sob a contagem atual e diária de baixas registradas no Brasil; sob a condição das UTI’s, sanitárias e de vacinação da realidade brasileira hoje – não possui outro nome senão o seu próprio: genocídio. Determinado por interesses radicalmente distintos dos trabalhadores, da manutenção de suas próprias vidas, no Brasil há um genocídio em curso. Um genocídio que, nas mãos do governo Bolsonaro e seus consortes de poder, não é baseado no biologismo social: hoje o genocídio brasileiro é de classe!
– NOTAS.
iMACHADO, Arthur de O. Bolsonarismo e a Banalização do Fascismo. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/25675/o-bolsonarismo-e-a-banalizacao-do-fascismo/?fbclid=IwAR08czWKXFUZkIZQ_M6eweBc9jrFemDw7kFYUOoWvbXtDMOLOHhWNR97X5k