Uma defesa da Teoria Marxista da Dependência
Paulo Henrique de Almeida Rodrigues*
As diferentes versões da Teoria da Dependência
Apresentação
Essas notas visaram apoiar a disciplina “Teoria da Dependência e Saúde”, oferecida no IMS/UERJ no 1º semestre de 2020 e um artigo projetado sobre o mesmo tema, que resultará da disciplina. Os desafios a enfrentar no curso e no resultado esperado do mesmo são: 1) apreender os conceitos centrais da teoria marxista da dependência (TMD); e 2) conseguir ligar tais conceitos com o campo da saúde.
Só faz sentido discutir a questão da dependência de uma nação em relação a outra, uma vez que se reconheça que que há profundas desigualdades entre as mesmas e a existência de uma hierarquia entre os Estados, determinada tanto pelo seu poder econômico, quanto militar, fazendo com que os mais fortes imponham aos mais fracos uma relação de subordinação política e de exploração econômica.
Segundo Peter Evans (1979), a dependência seria caracterizada por uma situação de subordinação econômica e política dos países que estão nesta situação (dependentes) aos países centrais do sistema capitalista, que resultaria da especialização na produção de produtos primários de exportação e na elevada participação do capital estrangeiro na economia interna. Essa subordinação implica em transferência de valor das nações dependentes às nações imperialistas. Além da subordinação econômica, e inclusive para viabilizar a transferência de valores para os países centrais, a dependência envolve uma superexploração da força de trabalho, que assume diferentes formas. São estes temas que serão discutidos ao longo do curso.
Antecedentes
Dependência e reações contrárias no mundo
A questão da dependência já havia sido levantada por Vladimir Ilyich Lenin (1870–1924), em seu famoso livro “O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo”, de 1916. Nele Lenin já se referia a “países dependentes”, ou “semidependentes” (colônias e semicolônias), os quais são explorados pelo capitalismo financeiro sediado nos países imperialistas:
“O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se tão decisiva, em todas as relações econômicas e internacionais que é capaz de subordinar, e subordina realmente, mesmo os Estados que gozam da independência política mais completa, como veremos seguidamente. Mas, compreende-se, a subordinação mais lucrativa e “cômoda” para o capital financeiro é uma subordinação tal que traz consigo a perda da independência política dos países e dos povos submetidos [grifos meus. Os países semicoloniais são típicos, neste sentido, como ‘caso intermédio’. Compreende-se, pois, que a luta por esses países semidependentes se tenha forçosamente exacerbado, principalmente na época do capital financeiro, quando o resto do mundo se encontrava já repartido.” (Lenin, 1958, t. 1, p. 1023)
A Rússia, depois União Soviética, onde se realizou uma revolução socialista, foi o primeiro país capaz de romper essa dependência. Durante o período da hegemonia inglesa — meados do século XVIII até a Conferência de Bretton Woods, em 1944, ela foi afastada do ‘centro do sistema interestatal capitalista’ (Fiori, p. 17) e logrou escapar de uma situação de dependência tendo construído uma economia soberana, não explorada pelas potências capitalistas centrais. Com o término da II Guerra Mundial e a aceleração do processo de descolonização, alguns países, como a Índia e outros da América Latina, inclusive o Brasil, realizaram esforços no sentido da construção de uma base industrial, por substituição de importações, que assegurasse condições de soberania econômica.
O nacionalismo econômico, do século XIX, constitui outro antecedente clássico da discussão da dependência. O nacionalismo econômico alemão, em torno das ideias de Friedrich List (1789–1846), constituiu o exemplo mais destacado de formulação de uma estratégia coerente e explícita de desenvolvimento econômico, voltada para o estabelecimento de condições de soberania, em desafio à ordem imposta pelo centro do sistema imperialista mundial da época, a Inglaterra (Chang, 2004; e Fiori, 2014). List defendia que a indústria nascente de um país como a Alemanha requeria, em primeiro lugar, proteção estatal, em termos de controle do câmbio e do comércio externo, para que pudesse contar com condições de competir com a indústria estrangeira. A indústria nascente, segundo o autor, depende, em segundo lugar, de fomento estatal de suas atividades por meio de crédito e de incentivo à pesquisa e formação de profissionais. Tais ideias foram depois sintetizadas por Alexander Gerschenkron[1], que argumentava “que o ritmo continuamente crescente do desenvolvimento tecnológico impunha aos países que estavam empreendendo a industrialização a criação de veículos institucionais mais eficazes para mobilizar o financiamento”. Tais veículos, instituições ou políticas de cunho protecionistas envolvem medidas hoje denominadas políticas industrial, comercial e tecnológica — ou ICT [grifos meus] (CHANG, 2004: 20 e 24). Tal estratégia foi adotada efetivamente, após a unificação alemã (1864–1870), promovida pelo chanceler da Prússia, Otto Von Bismarck (1815–1898).
O Japão foi outro país que assumiu uma estratégia semelhante e praticamente simultânea à experiência alemã, iniciada com a Restauração Meiji (1867), que reunificou o país e deu início a um acelerado processo de industrialização e modernização. A América Latina teria de esperar a Grande Depressão de 1929 para começar a romper com o liberalismo econômico propagado e imposto pela Inglaterra e adotar políticas protecionistas para enfrentar a crise. O Brasil, após a Revolução de 1930, constituiu um exemplo destacado de construção de uma alternativa nacionalista voltada para o desenvolvimento econômico centrado na industrialização por substituição de importações, a partir de forte intervencionismo estatal.
Em fevereiro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a criação da Comissão Econômica para a América Latina, a CEPAL (Furtado, 1985, p. 63; e Gonçalves, 2011, p. 26). A CEPAL foi dirigida a partir de fevereiro de 1949 pelo economista argentino Raul Prebisch[2] (Gonçalves, 2011, p. 34). Nela foram formuladas as primeiras ideias que fundamentaram um projeto econômico de cunho nacionalista, baseado na industrialização por substituição de importações, voltado para a redução da dependência dos países latino-americanos em relação à nova potência imperialista dominante, os Estados Unidos da América (EUA) e aos países que compõem o centro do sistema interestatal capitalista, em torno dos EUA que hegemonizam o sistema.
As ideias da CEPAL foram sintetizadas no documento “Economic Survey of Latin America”, de 1949, constituindo o primeiro documento teórico que fundamentou, para a região, a necessidade de políticas de desenvolvimento centradas na industrialização sob o comando do Estado. Os economistas da CEPAL estudaram o intercâmbio comercial entre os países latino-americanos entre 1925 e 1949 e mostraram como os termos de comércio entre esses países e os do centro do sistema capitalista tendiam a desfavorecer a região por conta de sua especialização na produção de bens primários agrícolas ou minerais. O estudo mostrou que, ao contrário do pregado pela “teoria das vantagens comparativas” de David Ricardo, principal base teórica liberal sobre o comércio exterior, a especialização da região em bens primários vinha a prejudicando, uma vez que no médio e longo prazo os preços desses produtos perdem competitividade com relação aos produtos industrializados importados por eles dos países centrais, reduzindo, portanto, a capacidade de importação e da renda dos países latino-americanos. O estudo mostrou, dessa forma, que ao invés de promover o equilíbrio nas relações internacionais, a aplicação da política liberal resulta exatamente no contrário. Inaugurava-se aí a ideia do intercâmbio desigual e da consequente necessidade de desenvolvimento industrial para reduzir a vulnerabilidade comercial e cambial dos países latino-americanos. E foi no Brasil, segundo Furtado (1985, p. 106), que as ideias da CEPAL encontraram mais eco entre os países da região.
Dependência e reações contrárias no Brasil
Manifestações e lutas nacionalistas e desenvolvimentistas no Brasil são registradas desde a colônia. Com a independência do país, a questão do desenvolvimento soberano e a necessidade de industrialização passaram a ganhar pouco a pouco um destaque maior, tendo em José Bonifácio de Andrada e Silva (1763–1868), um de seus principais defensores. Bonifácio, entretanto, foi derrotado cedo pelos interesses das oligarquias agroexportadoras e afastado do poder no início do Império, por defender o fim urgente da escravidão (DOLHNIKOFF, 2012). Pressionado pela oposição das oligarquias, pediu demissão em 15 de julho de 1823 (DOLHNIKOFF, 2012, l. 3102), antes mesmo da conclusão da guerra de independência concluída em 15 de agosto de 1823, quando a Província do Pará aderiu ao novo império do Brasil (Rodrigues, 1975c, pp. 35 e 257).
A independência brasileira deixou tanto Brasil quanto Portugal endividados, mas a antiga metrópole perdera sua principal fonte de renda e o custo seria passado para o novo país independente. No Tratado do Rio de Janeiro assinado entre o Brasil e a Inglaterra, em 29 de agosto de 1825, para o reconhecimento da independência, constava cláusula secreta que obrigou o Brasil a arcar com indenização dos gastos portugueses com a guerra da independência, no valor de dois milhões de libras esterlinas (Rodrigues, 1975b, p. 33; Rodrigues e Devezas, 2007, p. 184; Gomes, 2010, p. 289). Entre 1824 e 1825, o Brasil contraiu empréstimos junto aos bancos ingleses no valor de 3,685 milhões de libras esterlinas (Rodrigues, 1975b, p. 35). O fato de o Brasil constituir na época o 3º maior mercado em todo o mundo para os produtos ingleses (Gomes, 2010, p. 288), aparentemente não aumentou o poder de barganha do país, que entrou pela via da dívida externa na trilha da dependência econômica e financeira à Inglaterra. Cinco meses depois de assinado o Tratado, a coroa britânica finalmente reconheceu nossa ‘independência’ (Gomes, 2010, p. 288).
Apesar do predomínio das ideias liberais durante o Império, duas décadas após a independência o governo imperial chegou a tomar algumas medidas protecionistas, como em 1842, quando ao expirar o tratado de comércio com a Inglaterra de 1827, o império do Brasil não concordou em renová-lo (Bandeira, 1998, p. 91). Novamente em 12 de agosto de 1844, Manuel Alves Branco, Visconde de Caravelas, implantou a política tarifária que é conhecida pelo seu nome (Tarifa Alves Branco), aumentando as taxas aduaneiras para 30% sobre produtos importados sem similar nacional, e 60% sobre produtos com similar nacional (Bandeira, 1998, p. 91; Bandeira, 2011, p. 41; Fonseca, 2012, p. 26). Tais medidas foram, na verdade raras exceções protecionistas, num mar de liberalismo econômico.
No período final do Império, os defensores do protecionismo e da industrialização se fizeram mais ativos, como no Manifesto da Associação industrial no Rio de Janeiro que atacava o liberalismo como doutrina, responsabilizando-o por condenar o Brasil à produção primária e à estagnação econômica, publicado em maio de 1882 (Fonseca, 2012, p. 29). Pedro Cezar Dutra Fonseca mostra que entre os defensores do desenvolvimento industrial estavam os chamados ‘papelistas’, que criticavam a política cambial liberal e defendiam o crédito e até o déficit público como instrumentos necessários para ampliar o investimento e alavancar a economia. Entre os ‘papelistas’ se alinhavam Francisco Belizário, Torres Homem, Joaquim Murtinho, o Barão de Mauá, entre outros. Contra eles se colocavam os ‘metalistas’, defensores da lógica liberal de conversibilidade da moeda, tal como os que hoje defendem o câmbio flutuante como um princípio central da política econômica. Nem todos os ‘papelistas’ defendiam a industrialização, muitos davam ênfase ao desenvolvimento da produção agrária, como Rui Barbosa (Fonseca, 2012).
Já na Primeira República, o crescimento do positivismo, que se desenvolveu de forma destacada no Rio Grande do Sul, passou a ter uma influência decisiva sobre as concepções desenvolvimentistas e industrialistas, sob a tutela da intervenção do Estado. O governo de Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul, a partir de 1928, serviu como experiência pioneira do desenvolvimentismo sob a tutela do Estado. A experiência no estado do Rio Grande do Sul se transplantou para a sede da República, após a vitória da Revolução de 1930. Foi, com efeito, após a Revolução de 1930, que o Estado brasileiro abandonou o liberalismo econômico e passou a intervir na economia, abrindo o período do nacional-desenvolvimentismo, que mudou profundamente a história do país nas cinco décadas seguintes, fazendo se desenvolver uma grande base industrial no Brasil e, consequentemente, contribuindo para o crescimento do proletariado industrial em nossa sociedade. Segundo Reinaldo Gonçalves, abriu-se na época a:
Era Desenvolvimentista no Brasil, período em que a variação do hiato de crescimento (diferença entre o crescimento nacional e o mundial) foi mais negativa, ocorrendo o efeito “alcance”, ou seja, o Brasil cresceu mais do que a média mundial. Enquanto o mundo duplicava sua renda per capita a cada 35 anos, o Brasil a duplicava a cada 19 anos (Gonçalves, 2013, p. 65 e 73).
Segundo Celso Furtado, apesar da Grande Depressão, em função da intervenção governamental a produção industrial brasileira cresceu em 50% no período, a de produtos primários para o mercado interno em 40% e a renda nacional em 20% (2000, p. 212). Até para se fazer a crítica ao nacionalismo e ao desenvolvimentismo desse período é fundamental considerar os elementos centrais e o significado das suas medidas e propostas no seu desenvolvimento histórico concreto. Considero que foram exemplos destacados do intervencionismo estatal pós 1930, medidas que inclusive feriram os interesses das multinacionais, que tiveram importante significado histórico como:
· O Dec. 19.667, de 26/11/1930, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Rodrigues, 1982b: 100; Cardoso, 2010: 215);
· A entrega por Getúlio Vargas do monopólio do câmbio ao Banco do Brasil, no final de 1930 (Nunes, 2010, p. 83);
· De junho de 1931 a julho de 1944, o governo promoveu a destruição dos estoques de café ordenada pelo governo para combater a queda do valor do produto no mercado internacional (Rodrigues, 1982b, p. 103; Fausto, 1997, p. 137.);
· Em 1931 foi criada a Comissão de Defesa da Produção do Açúcar (Faoro, 2001, p. 804);
· Decreto 19.739, de março de 1931, proibiu a importação de máquinas destinadas à indústria já existente no país por três anos (Fausto, 1997, p. 68);
· Em maio de 1931, o governo federal anulou os contratos da Itabira Iron (Rodrigues, 1982b, p. 101);
· Em 9 de junho de 1932, o Decreto nº. 21.499 criou a Caixa de Mobilização Bancária (CAMOB), primeira instituição de controle monetário e financeiro da nossa história (Nunes, 2010, p. 83.);
· Em 14 de setembro de 1932, o Decreto 21.829 concedeu incentivos à implantação da indústria de cimento no país (Fausto, 1997, p. 68);
· Criação em 1933, do Departamento Nacional do Café e do Instituto do Açúcar e do Álcool — IAA (Faoro, 2001, p. 804);
· Decreto 22.677, de abril de 1933, determinou a mistura de xisto betuminoso ao carvão mineral, para diminuir a importação deste (Fausto, 1997, p. 68);
· Decreto nº. 23.565, de dezembro de 1933, proibiu a exportação de sucata de ferro, metais e ligas passíveis de transformação (Fausto, 1997, p. 68);
· Criação do Instituto Nacional de Estatística (INE), depois IBGE, em 1934 (Neto, 2014, p. 102);
· Publicação dos Códigos de Água e de Minas, em julho de 1934 (Faoro, 2001, p. 803).
Nos anos seguintes continuaram sendo tomadas medidas na mesma direção, que resultaram na criação de instituições e empresas estatais importantes para o desenvolvimento do país como o Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) e do Conselho Nacional do Petróleo (1938), a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico (1940), a Companhia Siderúrgica Nacional (1941) e a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a Companhia Nacional de Álcalis (1943). A reflexão sobre o significado histórico de tais medidas intervencionistas não pode estar ausente da análise desse período que mudou profundamente a história do país. É importante assinalar, contudo, que até os anos 1950, não havia uma teoria desenvolvimentista clara, além das ideias positivistas. Foi necessário o desenvolvimento teórico promovido a partir da CEPAL para mudar esse cenário e abrir espaço para o nascimento das diferentes correntes da teoria da dependência.
As críticas ao laissez-faire da teoria liberal e as propostas do grupo de Prebisch na CEPAL, no sentido da necessidade de intervenção estatal nos países periféricos para promover a industrialização, questionaram a ordem internacional e podiam dar um embasamento teórico à prática já desenvolvida pelo governo de Vargas, desde 1930. O fim deste governo em 1945 e sua substituição pelo governo do general Eurico Gaspar Dutra, inteiramente alinhado ao imperialismo estadunidense, entretanto, adiaram o encontro entre os cepalinos e os varguistas, que só ocorreria a partir de 1951, quando Vargas retorna ao poder. Celso Furtado conta como foi esse encontro entre o nacional-desenvolvimentismo de Vargas e o pensamento cepalino em “A Fantasia Organizada” (1985), logo depois da queda de braço entre os EUA e Vargas na Conferência do México de 1951[3].
Logo depois dessa Conferência, Celso Furtado e Raúl Prebisch foram para o Rio de Janeiro para se encontrar com Getúlio Vargas (FURTADO, 1985, p. 118). A descrição de Furtado sobre o encontro e a apresentação que ambos fizeram sobre as ideias da CEPAL merece ser citada:
Vargas ouvia com inequívoco interesse. Ele havia sido o homem da industrialização, mas a tateios, lutando contra a ‘boa doutrina’ [liberal] dos mestres da época. Agora ouvia uma demonstração lapidar de que havia feito a escolha certa. Interessou-se em ter cópia desses trabalhos e Cleantho[4] intercedeu informando que inclusive já estavam disponíveis em português, em traduções feitas por mim, e que se encarregaria de pô-los à disposição do Presidente.
Vargas praticamente iniciava seu novo governo e parecia decidido a imprimir-lhe um cunho altamente industrialista. Agora tomava conhecimento de que havia todo um movimento de ideias, na América Latina, em prol dessa política, que não estava só. E tampouco lhe terá escapado que não deveria contar com apoio das nações industrializadas para avançar nessa direção. O barulho em torno daquela pequena instituição internacional era um indício da direção em que se moviam os ventos. (1985, pp. 122 e 123)
A união entre a prática industrialista de Vargas e a teoria da dependência cepalina certamente ajudaram a consolidar a decisão do governo brasileiro em torno do nacional-desenvolvimentismo. Foi no segundo governo Vargas que importantes pilares do projeto nacional-desenvolvimentismo foram criados: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES (1951); o BNDES (1952), a Petrobrás (1953) e o I Plano Nacional de Eletrificação (1953), que resultou na Eletrobrás. Essa consolidação do nacional-desenvolvimentismo encontrou imensa oposição por parte de multinacionais, como a Light and Power e a Foreign Power — as quais exploravam a produção e a distribuição de energia no país — e do governo dos EUA. Jesus Soares Pereira (1910–1974) conta em detalhes no livro “Petróleo, Energia Elétrica, Siderurgia: a Luta pela Emancipação” (1975) a enorme disputa travada pelo governo Vargas, se um lado, e o capital privado e o governo dos EUA, de outro, em torno da luta pela soberania energética do país.
As iniciativas econômicas do segundo governo Vargas o colocaram em confronto crescente tanto com os interesses da burguesia brasileira, quanto com os dos interesses estadunidenses, estando por trás do suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954 e que acabaram resultando no golpe militar de 1964. Theotônio dos Santos manifestou-se da seguinte maneira sobre os limites internos do projeto nacional-desenvolvimentista, voltado para os interesses principalmente do capitalismo e que não contava sequer com os interesses da própria burguesia brasileira:
“O enorme crescimento industrial logrado de 1955 a 1960 aumentou as contradições socioeconômicas e ideológicas no país. O caso brasileiro foi o mais avançado no continente e não assegurou um caminho pacífico. A burguesia brasileira descobriu que o caminho do aprofundamento da industrialização exigia a reforma agrária e outras mudanças em direção à criação de um amplo mercado interno e à geração de uma capacidade intelectual, científica e técnica capaz de sustentar um programa alternativo. Tais mudanças implicavam no preço de se aceitar uma ampla agitação política e ideológica que ameaçava o seu poder.” (1998, p. 27)
Mais importantes, entretanto, do que os limites internos do projeto nacional-desenvolvimentista eram seus limites externos, ou seja, a contradição com os interesses estadunidenses. Uma importante evidência do incômodo causado no centro do imperialismo pela política nacionalista brasileira foi a decisão tomada pelo National Security Council (NSC) em 3 de setembro de 1954, apenas 10 dias após o suicídio de Vargas que alertava sobre o perigo do nacionalismo na América Latina, na qual se afirma:
1. There is a trend in Latin America toward nationalistic regimes maintained in large part by appeals to the masses of the population. Concurrently, there is an increasing popular demand for immediate improvement in the low living standards of the masses, with the result that most Latin American governments are under intense domestic political pressures to increase production and to diversify their economics.
2. A realistic and constructive approach to this need which recognizes the importance of bettering conditions for the general population, is essential to arrest the drift in the area toward radical and nationalistic regimes. The growth of nationalism is facilitated by historic anti-U.S. prejudices and exploited by Communists [grifos meus]. (USA/NSC, 1954)
Quanto a esse documento, dificilmente se encontra uma evidência sobre o conflito entre os EUA e os interesses soberanos de um conjunto de nações, ainda mais pela proximidade do mesmo em relação a um símbolo tão dramático das tensões quanto o suicídio de Vargas. Vale à pena considerar os termos da “Carta Testamento” deixada por Vargas:
“Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte. Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa. […] Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao senhor, não de crimes que contrariei ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. […] Que o sangue de um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus. Agradeço aos que de perto ou de longe trouxeram-me o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde…”. (VARGAS: 1954)
O contraste entre os dois documentos e a proximidade cronológica entre ambos falam por si próprios.
As três vertentes da Teoria da Dependência
Até agora foi mencionada apenas a primeira vertente da teoria da dependência, a cepalina, desenvolvida a partir de 1949. A segunda vertente ou versão é a de Fernando Henrique Cardoso (1931-…) e Enzo Faletto (1935–2003), que publicaram o livro “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, escrito em Santiago, Chile, entre 1965 e princípios de 1967 e que considera possível o desenvolvimento na dependência, ou seja, subordinado, ou ‘associado’ ao imperialismo. Esta vertente, como afirmou Theotônio dos Santos, aceita “a irreversibilidade do desenvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a democracia representativa” (1998, p. 28). A terceira, e mais rica em termos conceituais e históricos, foi a teoria marxista da dependência, que se desenvolveu a partir dos anos 1970, como crítica da primeira e da interpretação recorrente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que enxergava uma etapa ‘nacional-democrática’ da revolução brasileira. Os autores fundadores desta vertente foram Ruy Mauro Marini (1932–1997), Theotônio dos Santos (1936–2018) e Vania Bambirra (1940–2015).
Bresser-Pereira (2010, p. 20–21) menciona três versões da teoria da dependência da seguinte forma: “a da superexploração capitalista, a da dependência associada e a da contradição nacional-dependente”. É importante apresentar rapidamente os elementos centrais das duas primeiras vertentes aqui, uma vez que o curso está voltado principalmente para a TMD.
A dependência na visão estruturalista cepalina
A crítica ao liberalismo econômico levou a escola cepalina à formulação da necessidade de um processo de desenvolvimento liderado pelo Estado e centrado no esforço de industrialização para a substituição das importações, de forma a reduzir e até eliminar as perdas derivadas do intercâmbio desigual. A indústria por requerer base técnica mais sofisticada e depender de força de trabalho com maior nível de formação, também costuma apresentar barreiras à entrada para os países subdesenvolvidos, que requerem políticas estatais para assegurar condições adequadas ao seu desenvolvimento.
Uma boa referência sobre a visão de Raúl Prebisch, principal expoente da vertente cepalina da TD, é apresentada por Joaquim Miguel Couto (2007). Ele mostra que Prebisch rejeitava os princípios básicos da teoria liberal de economia, como as teses do equilíbrio geral e das vantagens comparativas. Contra a tese do equilíbrio-geral, Prebisch destacava a existência dos ciclos econômicos de crescimento e queda que contradiziam aquela tese. A partir dessa noção do desequilíbrio cíclico, via as relações internacionais marcadas pelo conceito de centro-periferia, segundo o qual há diferenças essenciais nos fenômenos econômicos entre os países centrais e os da periferia do sistema capitalista, com desvantagens para os países periféricos. Em 1949, Prebisch escreveu “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas”[5], que é considerado como o documento inicial do pensamento cepalino. Neste texto, ao tratar das relações econômicas mantidas entre os Estados Unidos e a América Latina Prebisch escreveu:
[…] o antigo esquema da divisão internacional do trabalho que, depois de adquirir grande vigor no século XIX, continuou prevalecendo, em termos doutrinários, até data muito recente.
Nesse esquema, cabia à América Latina, como parte da periferia do sistema econômico mundial, o papel específico de produzir alimentos e matérias primas para os grandes centros industriais. (1948, p. 71)
A propagação das flutuações cíclicas dos grandes centros para a periferia latino-americana implica perdas consideráveis de receita. (1948, p. 79)
[…] os benefícios do progresso técnico concentraram-se principalmente nos centros industrializados, sem serem transpostos para os países que compõem a periferia do sistema econômico mundial. (1948, p. 79)
[…] desde os anos 1870 até antes da Segunda Guerra Mundial a relação de preços moveu-se constantemente contra a produção primária. Nos anos 1930, só era possível comprar 63% dos produtos finais da indústria adquiríveis nos anos 1860 com a mesma quantidade de produtos primários; ou seja, necessitava-se, em média, de 58,6% mais produtos primários para comprar a mesma quantidade de artigos finais da indústria. A relação de preços, portanto, moveu-se de forma adversa à periferia […]. (1948, p. 82)
Os Estados Unidos são hoje o principal centro cíclico do mundo, como o foi no passado a Grã-Bretanha. Sua influência econômica nos outros países é evidente. […]
Os países da América Latina, com um alto coeficiente de comércio exterior, são extremamente sensíveis a essas repercussões econômicas. ( 1948, p. 88).
Vê-se pelas citações que Prebisch associa à relação, ou sistema centro-periferia, em primeiro lugar, à existência de uma divisão internacional de trabalho na qual cabe aos países periféricos a produção de produtos primários. Ele associa o sistema centro-periferia, em segundo lugar, aos ciclos econômicos, ao constatar que os países da periferia sofrem consequências mais sérias nos momentos de crise, em função de sua especialização em produtos primários, cuja relação de preços é adversa em relação aos produtos industrializados nesses momentos. É a partir dessas reflexões que Prebisch vai defender a necessidade da industrialização dos países latino-americanos.
Ao referir-se ao texto de Prebisch, Celso Furtado afirma que “A linguagem […] era de um manifesto que conclamava os países latino-americanos a engajar-se na industrialização” (1985, p. 60). De fato, a linguagem de Prebisch é claramente a de um manifesto pela industrialização dos países da América Latina:
Nele [no esquema da divisão internacional de trabalho do sistema centro-periferia] não havia espaço para a industrialização dos países novos. A realidade, no entanto, vem-na tornando impositiva. Duas guerras mundiais, no intervalo de uma geração, com uma profunda crise econômica entre elas, demonstraram aos países da América Latina suas possibilidades, ensinando-lhes de maneira decisiva o caminho da atividade industrial. (1948, p. 71)
Existe, portanto, um desequilíbrio patente e, seja qual for sua explicação ou a maneira de justificá-lo, ele é um fato indubitável, que destrói a premissa básica do esquema da divisão internacional do trabalho.
Daí a importância fundamental da industrialização dos novos países. Ela não constitui um fim em si, mas é o único meio de que estes dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o padrão de vida das massas. (1948, p. 72)
A industrialização da América Latina não é incompatível com o desenvolvimento eficaz da produção primária. Pelo contrário, uma das condições essenciais para que o desenvolvimento da indústria possa ir cumprindo o objetivo social de elevar o padrão de vida é que se disponha dos melhores equipamentos em termos de maquinaria e instrumentos, e que se aproveite prontamente o progresso da técnica em sua renovação sistemática. A mecanização da agricultura implica a mesma exigência. (1948, p. 73)
[…] é necessário definir com precisão o objetivo que se persegue através da industrialização. Quando ela é considerada como o meio para atingir um ideal de auto-suficiência, no qual as considerações econômicas passam para segundo plano, qualquer indústria que substitua as importações torna-se admissível. (1948, p. 78)
No Brasil se desenvolveu um pensamento muito parecido ao cepalino no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), como mostra Bresser-Pereira:
Nos anos 1950, os intelectuais públicos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), no Rio de Janeiro, refletindo sobre as revoluções industrial e nacional que estavam em curso desde 1930, elaboraram uma “interpretação nacional-burguesa” do Brasil e da América Latina. Ao mesmo tempo, os economistas do desenvolvimento, estruturalistas, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL), esboçavam uma crítica da lei da vantagem comparativa, estabelecendo assim os fundamentos econômicos de uma política de industrialização em que o Estado, sua burocracia pública e os capitalistas industriais desempenhavam um papel ativo. (2010, P. 18)
Os principais intelectuais do ISEB foram os filósofos Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier e Michel Debrun, o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, o economista Ignácio Rangel, o historiador Nelson Werneck Sodré e os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes de Almeida. Suas ideias, de caráter mais político do que econômico (embora contassem com um notável economista entre eles, Ignácio Rangel) eram complementadas no nível econômico pelo pensamento estruturalista da CEPAL. O ISEB foi formado simultaneamente à CEPAL, no final da década de 1940, teve seu auge entre 1952 e 1958, sofreu sua primeira crise nesse ano, e se dissolveu após o golpe militar de 1964. A CEPAL continuou a existir como agência das Nações Unidas […]. (2010, pp. 21 e 22)
Segundo Bresser-Pereira (2010), a ideia do ‘nacional-desenvolvimentismo’ teria surgido no ISEB. A respeito da oposição entre o liberalismo econômico e o pensamento cepalino/isebiano, o autor chama a atenção para a importância atribuída ao papel do Estado:
“O ISEB e a CEPAL eram ambos críticos do liberalismo econômico. Para seus intelectuais, apenas através da industrialização e do planejamento seria possível o desenvolvimento econômico dos países latino-americanos […]. De acordo com essa abordagem, o desenvolvimento econômico é um processo de acumulação de capital e de incorporação de progresso técnico que aumenta os salários e os padrões de vida. […] O Estado que emerge dessa importante mudança social deve coordenar a estratégia nacional de desenvolvimento por meio do sistema jurídico, de mercados regulados e do aparelho burocrático.”
Theotônio dos Santos (1998) aponta, com base nos economistas suecos Magnus Blomstrom e Bjorn Hettne (1984)[6], que a formulação da CEPAL de Raul Prebisch [e Celso Furtado] representa uma crítica: ao eurocentrismo implícito na teoria do desenvolvimento; “ao imperialismo euro-norte-americano”; e “à economia neoclássica”. A crítica cepalina, ao entender tanto dos autores citados, quanto do próprio Theotônio, constitui, dessa forma, um antecedente da teoria da dependência (Santos, 1998, p. 18). Mais adiante, Theotônio coloca explicitamente o pensamento cepalino como uma vertente da teoria da dependência, ainda com base em Blomstrom e Hettne (1984):
“A crítica ou autocrítica estruturalista dos cientistas sociais ligados à CEPAL que descobrem os limites de um projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Neste grupo eles colocam inquestionavelmente Oswaldo Sunkel e uma grande parte dos trabalhos maduros de Celso Furtado e inclusive a obra final de Raul Prebisch reunida no seu livro O Capitalismo Periférico. […].” (1998, p. 19)
Havia sérios limites de classe no projeto nacional democrático que chegou a ser desenvolvido intelectualmente através do IBESP e posteriormente pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), na década de 50, que tinha uma base material na Federação Nacional das Indústrias e em vários órgãos da administração pública que apoiaram o 2º governo Vargas, quando este projeto alcançou o seu auge. Tais forças demonstraram-se contudo hesitantes quando puderam avaliar a força e a profundidade da oposição dos centros de poder mundial a este projeto. A avassaladora campanha pelo “impeachment” de Vargas, foi detida pelo seu suicídio, e a sua carta testamento provocou uma arrasadora mobilização popular que fez a direita recuar e levou a uma fórmula de compromisso no governo de Juscelino Kubistchek: o Brasil abria suas portas ao capital internacional […]. (1998, p. 26)
Os dois grupos eram nacionalistas em termos econômicos, mas não em termos étnicos, isto é, acreditavam que uma nação forte era essencial para construir um estado-nação forte e para alcançar o desenvolvimento econômico; ambos subscreviam uma versão suave da teoria imperialista do subdesenvolvimento — a teoria que explica o subdesenvolvimento na América Latina, durante o século XIX, pela subordinação informal das suas sociedades mercantil-capitalistas aos países industriais e imperiais da Europa e da América do Norte. (2010, p. 22)
Ainda segundo Bresser-Pereira (2010), a principal crítica inicial à vertente cepalina da TD partiu do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, ou ‘escola de sociologia de São Paulo’. Os representantes dessa escola desprezavam a questão nacional como questão importante. “As principais preocupações de seus membros eram a transição de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial e a análise da exclusão social e dos gêneros e classes sociais” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 23). O economista chama a atenção para o fato de que “a escola de sociologia São Paulo era crítica do nacionalismo econômico e do populismo político de Vargas”. Essa crítica acabaria gerando mudanças importantes na interpretação do Brasil, em especial, e da América Latina como um todo, e abriu o caminho para a segunda vertente da TD, a do desenvolvimento dependente ou associado.
É dessa escola que surgiram as teorizações enganosas sobre o atrelamento do movimento sindical brasileiro, antes de 1970 ao Estado, e sobre a existência de uma dominação política de caráter populista no período do nacional-desenvolvimentismo. Tais formulações influenciaram e influenciam muito o pensamento social e político brasileiro. Com base nele houve uma interpretação de que o movimento sindical, antes dos anos 1970 era pelego, atrelado ao Estado, sem qualquer suporte aos fatos históricos. Ao mesmo tempo, utilizou-se a pecha de populismo a importantes tradições partidárias e linhas de políticas econômica e social que tiveram enorme efeito positivo sobre o desenvolvimento brasileiro. Tais formulações, originadas no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, vêm dificultando o entendimento de importantes e complexos processos históricos brasileiros, na medida em que fizeram tábula rasa do passado recente, encaixando-o em estereótipos simplificadores e enganosos que precisam ser superados.
Outro subproduto do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo foi a segunda vertente da TD, a do “desenvolvimento dependente ou associado”.
A vertente do “desenvolvimento dependente ou associado”
Os principais formuladores dessa vertente da TD foram Fernando Henrique Cardoso e o chileno Enzo Faletto, como dito anteriormente. Tal vertente é de cunho weberiano, embora se utilize de algumas expressões e conceitos marxistas — como o de classes sociais, por exemplo — defende a possibilidade de que haja um processo de desenvolvimento em situação de dependência.
O tipo de vinculação das economias nacionais periféricas às distintas fases do processo capitalista, com os diversos modos de dominação que este supõe, implica que a integração à nova fase se realiza através de uma estrutura social e econômica que, apesar de modificada, procede da situação anterior. Serão distintos o modo e as possibilidades de desenvolvimento de uma nação que se vincula ao setor exportador internacional com um produto de alto consumo, segundo se verifique no período do capitalismo predominantemente competitivo ou no período predominantemente monopolista. Da mesma forma serão distintas, comparadas com as ‘colônias de exploração’, as possibilidades de integração nacional e de formação de um mercado interno naqueles países cuja economia nacional se organizou mais como ‘colônias de população’ [grifos meus], isto é, formadas sobre a exploração (controlada por produtores ali radicados) de produtos que requerem mão-de-obra abundante. Nesses casos, e no período posterior à independência, foi mais fácil a organização de um aparato político-administrativo interno para promover e executar uma ‘política nacional’. Ademais, a própria base física da economia — como, por exemplo, o tipo e as possibilidades de ocupação da terra ou o tipo de riqueza mineral disponível — influirá sobre a forma e as consequências de vinculação ao mercado mundial posterior ao período de formação nacional. (CARDOSO e FALETTO, 2004: 49)
Em cada um dos tipos possíveis de vinculação segundo esses fatores, as dimensões essenciais que caracterizam a dependência refletir-se-ão sobre as condições de integração do sistema econômico e do sistema político. Assim, a relação entre as classes, muito especialmente, assume na América Latina formas e funções diferentes das dos países centrais. […]. A passagem de um para outro modo de dependência, considerada sempre em uma perspectiva histórica, deve ter-se fundado em um sistema de relações entre classes ou grupos gerados na situação anterior [grifos meus]. […] Fundamentalmente, a dinâmica que pode adquirir o sistema econômico dependente, no âmbito da nação, está determinada — dentro de certos limites — pela capacidade dos sistemas internos de alianças para proporcionar-lhe capacidade de expansão. Dessa maneira se dá, por exemplo, o caso, paradoxal só na aparência, de que a presença das massas nos últimos anos tenha se constituído, por causa de sua pressão para incorporar-se ao sistema político em um dos elementos que provocaram o dinamismo da forma econômica vigente. (CARDOSO e FALETTO, 2004: 49–50)
Cardoso e Faletto chegam a falar num ‘desenvolvimento dependente’, como uma forma distinta de processo de desenvolvimento, como uma “nova ‘situação de desenvolvimento’” onde há espaço para uma industrialização:
A vinculação das economias periféricas ao mercado internacional se dá, sob esse novo modelo, pelo estabelecimento de relações entre o centro e a periferia que não se limitam apenas, como antes, ao sistema de importações-exportações; agora as ligações se dão também através de investimentos industriais diretos feitos pelas economias centrais nos novos mercados nacionais. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 162)
[…] na industrialização da periferia latino-americana, a participação direta de empresas estrangeiras outorga um significado particular ao desenvolvimento industrial da região; este, durante seu período nacional-popular, pareceu orientar-se para a consolidação de grupos produtores nacionais e, fundamentalmente, para a consolidação do Estado como instrumento de regulação e formação de núcleos produtivos. Mas sucedeu que, pelo contrário, e como consequência da peculiar situação sociopolítica já descrita, se optasse por uma pauta de desenvolvimento assentada sobre os crescentes investimentos estrangeiros no setor industrial [grifos meus]. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 162)
Quando se apresenta uma ‘situação de desenvolvimento’ com essas características, outra vez voltam a colocar-se relações específicas entre o crescimento interno e a vinculação externa.
[…] tanto o fluxo de capitais quanto o controle das decisões econômicas ‘passam’ pelo exterior; […] e as decisões de investimento também dependem parcialmente de decisões e pressões externas. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 163)
[…] esse tipo de desenvolvimento continua supondo heteronomia e desenvolvimento parcial [grifos meus], daí ser legítimo falar de países periféricos, industrializados e dependentes. […] mantêm-se as características de heteronomia: o desenvolvimento do setor industrial continua dependendo da ‘capacidade de importação’ de bens de capital e de matérias-primas complementares para o novo tipo de diferenciação do sistema produtivo (o que conduz a laços estreitos de dependência financeira), e ademais essa forma de desenvolvimento supõe a internacionalização do mercado interno. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 164–165)
O esquema político de sustentação dessa nova forma de desenvolvimento — no qual se articulam a Economia Política do setor público, as empresas monopolistas internacionais e o setor capitalista moderno da economia nacional — requer que se consiga estruturar um adequado sistema de relações entre os grupos sociais que controlam tais setores econômicos […]. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 168)
Assim, o desenvolvimento, a partir desse momento, realiza-se intensificando a exclusão social, e já não só das massas, mas também de camadas sociais economicamente significativas da etapa anterior [nacional-popular ou populista]. (CARDOSO e FALETTO, 2004, p: 169)
Nesta segunda vertente da TD, a industrialização da periferia é não só possível, como é também obra do capitalismo monopolista dos países centrais do sistema. Ao invés de ser fruto de um esforço nacional, com forte presença do Estado, como na vertente cepalina e isebiana, ela ocorreria de forma um tanto ‘natural’, por conta dos interesses do centro do sistema. Houve de fato a presença do capital estrangeiro na industrialização do Brasil, por exemplo, mas há elementos que sugerem que esta presença cresceu principalmente quando o nacional-desenvolvimentismo esteve fora do poder — governos Dutra, Juscelino — ou foi derrotado — ditadura militar. Mesmo durante esta, a partir do governo Costa e Silva — março de 1967 a outubro de 1969 — e, principalmente, no governo Geisel — março de 1974 a março de 1979 — houve um retorno do nacionalismo, no qual se procurava limitar a presença do capital estrangeiro, usando-se a fórmula do ‘tripé econômico’ formado por empresas nacionais privadas, estatais e estrangeiras. Este é um ponto que merece aprofundamento da análise.
A respeito da vertente da TD representada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (2004), Theotônio dos Santos afirma o seguinte:
Desde de 1974, como o mostramos no nosso artigo sobre sua evolução intelectual e política, (ver Dos Santos, 1996) Cardoso aceitou a irreversibilidade do desenvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a democracia representativa. A partir daí, segundo Cardoso, a tarefa democrática se convertia em objetivo central da luta contra um Estado autoritário, apoiado sobretudo numa “burguesia de Estado” que sustentava o caráter corporativo e autoritário do mesmo. Segundo ele, os inimigos da democracia não seriam, portanto, o capital internacional e sua política monopolista, captadora e expropriadora dos recursos gerados nos nossos países. Os seus verdadeiros inimigos são o corporativismo e uma burguesia burocrática e conservadora que, entre outras coisas, limitou a capacidade de negociação internacional do país dentro do novo patamar de dependência gerado pelo avanço tecnológico e pela nova divisão internacional do trabalho que se esboçou nos anos 70, como resultado da realocação da indústria mundial. (1998, p. 28)
Estas teses ganharam força internacional e criaram o ambiente ideológico da aliança de centro-direita que veio a se realizar nos anos 80, no México, na Argentina, no Peru, na Venezuela, na Bolívia, e no Brasil. Uma importante ala da esquerda populista ou liberal aderiu ao programa de ajuste econômico imposto pelo Consenso de Washington em 1989, e assegurou a estabilidade monetária e o precaríssimo equilíbrio macroeconômico dela derivado. (1998: p. 28 e 29).
Bresser-Pereira, também ‘encheu a bola’ de seus colegas da USP, falseando um pouco a discussão que a turma do Fernando Henrique Cardoso andou escrevendo:
[…] a Escola de São Paulo adotava um ponto de vista cosmopolita e antidualista, enfatizava a luta de classes, rejeitava a possibilidade de pactos nacionais e não estava interessada em criticar o relacionamento imperialista entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. (2010, p. 32)
Tal como Fernando Henrique Cardoso, Bresser-Pereira defende claramente uma coalizão de classes como solução para a sustentação de uma política econômica nacionalista:
Mas quando essa coalizão nacionalista de classes foi alcançada, como ocorreu amplamente na América Latina entre 1950 e 1980, as taxas de crescimento foram altas (a renda per capita cresceu a uma média de 3% ao ano), enquanto entre 1990 e 2006, sob o Consenso de Washington, o crescimento per capita foi em média de 1,6% ao ano. (2010, p. 20)
Tais posições precisam ser analisadas criticamente. O Brasil sofreu os efeitos das mesmas, durante o período compreendido entre os governos de Fernando Henrique, Lula e Dilma, um período bastante longo, de mais de 20 anos e mergulhou depois do golpe de 2106, numa situação ainda mais grave, passamos da conciliação com o imperialismo à entrega completa da indústria e das riquezas naturais ao mesmo.
A teoria marxista da dependência
A teoria marxista da dependência (TMD) é contemporânea da vertente do desenvolvimento dependente ou associado, mas defende posição diametralmente oposta. Para ela não há possibilidade de desenvolvimento nos países dependentes no âmbito do capitalismo, pois o imperialismo bloqueia os caminhos desses países e assume a defesa clara de uma saída revolucionária socialista. Os principais autores dessa corrente foram o alemão Andre Gunder Frank e os brasileiros Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vania Bambirra. Estes três foram militantes da Revolucionária Marxista — Política Operária (POLOP), surgida em 1961 (RIDENTI, 2010: 28) e foram exilados do país após o golpe militar de 1964.
Theotônio dos Santos em “Imperialismo y dependência” mostra que a teoria marxista da dependência tem sua origem nos estudos sobre o imperialismo e o colonialismo, mas avança em relação aos estudos marxistas sobre esses temas, por analisar pela primeira vez seus efeitos sobre os países dependentes:
Ni Lenin, Bujarin, Rosa Luxemburgo, los principales elaboradores marxistas de la teoría del imperialismo, ni los pocos autores no marxistas que se ocuparon del tema, como Hobson, han enfocado el tema del imperialismo desde el punto de vista de los países dependientes. (2011, p: 357)
Lenin no estudió los efectos de la exportación de capital sobre las economías de los países atrasados. Si se hubiera ocupado más específicamente del tema, hubiera visto que este capital se invertía en la modernización de la vieja estructura colonial exportadora y, por tanto, se aliaba a los factores que mantenían el atraso de estos países. Es decir, no se trataba de una inversión capitalista en general, sino de la inversión imperialista en un país dependiente. (2011, p: 358)
Entre as categorias analíticas fundamentais que caracterizam a situação de dependência apontada pela teoria marxista da dependência estão: a superexploração da força de trabalho[7]; os mecanismos de transferência de valor desses países para os países centrais do sistema internacional capitalista; a existência de uma ‘estrutura dependente’ nos países dependentes — uma forma de articulação entre os interesses da burguesia interna desses países com os do centro do sistema capitalista –; assim como a desnacionalização das economias dependentes devido à grande penetração do capital estrangeiro. É importante destacar, ainda, o compromisso interno entre a burguesia industrial e a burguesia agroexportadora pelo fato de ser esta que mantém a relação principal com o mercado externo e gera a maior parte das divisas necessárias à importação de insumos e máquinas necessárias à indústria. A utilização dessas categorias pela teoria marxista da dependência visa estabelecer um marco teórico para a análise e o entendimento da especificidade das formações econômico-sociais dependentes, evitando tratar a realidade desses países com base num referencial voltado para a realidade dos países centrais.
Em 1978, José Serra e Fernando Henrique Cardoso[8] procuraram desqualificar um dos textos mais importantes da teoria marxista da dependência, “Dialética da Dependência”, escrito por Ruy Mauro Marini. Na sua crítica a Marini, Serra e Cardoso chegaram a negar a existência de intercâmbio desigual entre o centro e a periferia do sistema capitalista demonstrada pela CEPAL, assim como a tese de superexploração da força de trabalho de Marini. Depois da publicação desse artigo, teria havido uma tentativa de silenciamento das ideias dos autores da teoria marxista da dependência, em benefício da visão de Cardoso e Faletto, segundo Fernando Correa Prado (2010) e Nildo Ouriques (2015). Prado denunciou que houve um verdadeiro ‘boicote intelectual’ comandado pelo próprio Fernando Henrique Cardoso (2010: 3), Ouriques apontou ainda que os aliados de Serra e Cardoso no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), como Francisco de Oliveira, nunca publicaram os textos de Marini, Theotônio dos Santos ou Vânia Bambirra, enquanto publicaram a crítica a eles de José Serra e de Fernando Henrique Cardoso em 1979 (2015, pp. 39–47).
O centro da crítica de Serra e Cardoso diz respeito à superexploração da força de trabalho, elemento central da explicação de Marini a respeito da transferência de valores para o exterior e que tem por consequência as péssimas condições de vida impostas aos trabalhadores na periferia do sistema capitalista. A superexploração tem a ver com as diferentes formas de extração de mais-valia no centro e na periferia do sistema. Em “Dialética da Dependência” (1973), Ruy Mauro Marini afirma que em função da divisão mundial de trabalho estabelecida,
[…] a participação da América Latina no mercado mundial contribuirá para que o eixo da acumulação na economia industrial se desloque da produção de mais-valia absoluta para a de mais-valia relativa, ou seja, que a acumulação passe a depender mais do aumento da capacidade produtiva do trabalho do que simplesmente da exploração do trabalhador. (1973, p. 5)
O fornecimento de matérias-primas e alimentos pelos países periféricos para os países centrais asseguraria uma redução dos custos de produção nestes últimos, segundo Marini:
[…] a inserção da América Latina no mercado mundial contribuiu para desenvolver o modo de produção especificamente capitalista, que se baseia na mais-valia relativa. Já mencionamos que uma das funções que lhe foi atribuída, no marco da divisão internacional do trabalho, foi a de prover os países industriais dos alimentos exigidos pelo crescimento da classe operária, em particular, e da população urbana, em geral, que ali se dava. A oferta mundial de alimentos, que a América Latina contribuiu para criar, e que alcançou seu auge na segunda metade do século 19, será um elemento decisivo para que os países industriais confiem ao comércio exterior a atenção de suas necessidades de meios de subsistência. (1973, p. 6)
Neste ponto, é importante lembrar a distinção entre mais-valia absoluta e relativa, segundo Marx:
“Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo prolongamento do dia de trabalho, e de mais-valia relativa a decorrente da contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na relação quantitativa entre ambas as partes componentes da jornada de trabalho.” (MARX, 2011, v. 1: 366)
A mais-valia relativa se distingue, portanto, da mais-valia absoluta, pelo emprego de tecnologia e métodos mais elaborados de organização da produção que, na impossibilidade de aumento da jornada do trabalho, permite aos capitalistas reduzir a proporção do tempo de trabalho necessário — que é o que assegura a subsistência dos trabalhadores — e ampliar o tempo de trabalho excedente. Como o desenvolvimento científico e tecnológico está concentrado nos países desenvolvidos, a tendência é que neles prevaleça a extração de mais-valia relativa. Marini chama a atenção que não se deve confundir a superexploração com a mais-valia absoluta:
“[…] o conceito de superexploração não é idêntico ao de mais-valia absoluta, já que inclui também uma modalidade de produção de mais-valia relativa — a que corresponde ao aumento da intensidade do trabalho. (1973, p. 29)
[…] a produção capitalista, ao desenvolver a força produtiva do trabalho, não suprime, e sim acentua, a maior exploração do trabalhador; e, segundo, que as combinações das formas de exploração capitalista se levam a cabo de maneira desigual no conjunto do sistema, engendrando formações sociais distintas segundo o predomínio de uma forma determinada.” (1973, p. 29)
Embora não se deva associar de forma simplista a extração de mais-valia relativa ao capitalismo central e a mais-valia-absoluta ao capitalismo dependente, é fundamental i) analisar concretamente as diferentes combinações entre essas duas formas de extração de mais-valia entre os dois pólos do sistema capitalista; ii) compreender as diferentes formas de extração de mais-valia entre as empresas multinacionais e as empresas pertencentes à burguesia interna nos países dependentes e iii) desvendar como ocorre a incorporação de mais-valia no setor de saúde, em particular, que é composto por um conjunto amplo de atividades econômicas que vão da produção de equipamentos, insumos e medicamentos, passando pela prestação de serviços de diferente nível de incorporação tecnológica, até as atividades de seguros privados e públicos de saúde.
Segundo a TMD, a situação de dependência implica a transferência de uma forte proporção de valor produzido internamente para o exterior, o que limita fortemente o crescimento econômico dos países dependentes, tal transferência de valor assume as seguintes formas principais: “i) a deterioração dos termos de intercâmbio; ii) o serviço da dívida (remessas de juros); iii) as remessas de lucros, royalties e dividendos; iv) a apropriação de renda diferencial e de renda absoluta de monopólio sobre os recursos naturais” (LUCE, 2008: 51). Theotônio dos Santos menciona ainda os serviços, como outra forma de transferência de valor para os países centrais:
El otro mecanismo por el cual se transfieren enormes cantidades de recursos producidos en los países dependientes a los dominantes son los pagos de servicios. Estos son básicamente los fletes, los seguros, los servicios técnicos y el pago de patentes. (2011: 386)
Nessa relação, pode ser incluída ainda a prática das multinacionais de estabelecerem preços artificialmente elevados para produtos e serviços que vendem para suas filiais nos países dependentes. A superexploração da força de trabalho é uma imposição da relação de dependência fundamental para garantir a geração do excedente necessário para assegurar a transferência de valor para os países do centro do sistema. Em sua resposta a Serra e Cardoso, Marini explica a categoria de superexploração da força de trabalho como um mecanismo de compensação das economias dependentes que permite a transferência de valor para os países do centro do sistema:
Lo único que sostengo es que, en condiciones de intercambio marcadas por una neta superioridad tecnológica de los países avanzados, las economías dependientes debieron echar mano de un mecanismo de compensación que, permitiendo el aumento de la masa de valor y plusvalía realizada, así como de su cuota, contrarrestara al menos parcialmente las pérdidas de plusvalía a que tenían que sujetarse; ese mecanismo fue la superexplotación del trabajo. […] la superexplotación del trabajo es acicateada por el intercambio desigual, pero no se deriva de él, sino de la fiebre de ganancia que crea el mercado mundial, y se basa fundamentalmente en la formación de una sobrepoblación relativa. (1978, p. 5)
Além do papel que tem na garantia da transferência de valor dos países periféricos para os países centrais, a superexploração da força de trabalho tem sérias consequências sobre as condições de vida dos trabalhadores nos países dependentes. A primeira delas é que afeta as condições de subsistência imediata dos trabalhadores, uma vez que determina salários médios inferiores aos pagos nos países centrais. Em segundo lugar, porque aumenta a superpopulação relativa — desempregados, trabalhadores informais, subempregados — ou o exército industrial de reserva, o que reduz a capacidade de luta dos trabalhadores que se encontram no mercado de trabalho e luta em suas relações com os patrões. Por último, porque reduz a capacidade de arrecadação tributária dos Estados dependentes, diminuindo, em consequência, sua capacidade de financiar políticas sociais que asseguram a reprodução ampliada da força de trabalho — educação, saúde, moradia, previdência e transportes públicos — que são essenciais para as condições de vida dos trabalhadores, como argumenta Maria A. Moraes Silva (1984). Este último elemento tem grande importância no que diz respeito à capacidade de organização e de manutenção de sistemas de saúde pública, como é o caso do Sistema Único de Saúde (SUS) e está na base do seu subfinanciamento estrutural.
Considerações finais
O curso e essas notas visam apoiar o esforço que organizamos no grupo de pesquisas Saúde, Sociedade, Estado e Mercado (SEM), no sentido de introduzir a TMD na análise do setor de saúde brasileiro. Este esforço se justifica pelo virtual banimento da economia política em geral e do marxismo em particular das análises no campo da Saúde Coletiva. Isto vem se dando há décadas em favor tanto da utilização acrítica tanto do referencial da economia neoclássica, quanto de análises fortemente inspiradas no referencial pós-moderno que se desenvolveu nas ciências sociais. No nosso entender a utilização da economia neoclássica restringe as análises a elementos puramente econômicos, com ênfase nos aspectos microeconômicos, o que impede a realização de análises estruturais e conjunturais que integrem os aspectos econômicos, políticos, sociais e ideológicos. A crescente utilização do referencial de inspiração pós-moderna das ciências sociais, cada vez mais utilizado no campo da Saúde Coletiva vem levando a análises sobre temas particulares e praticamente desvinculados do contexto socioeconômico e histórico em que os mesmos se encontram. Ambos referenciais praticamente baniram temas fundamentais como as classes sociais, o conflito distributivo e de poder existentes entre elas no sistema capitalista e sua relação e influência sobre o setor de saúde. O Grupo SEM pretende intervir no debate reintroduzindo tais temáticas, a partir da perspectiva da teoria marxista da dependência.
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Anexo 1: Teoria das vantagens comparativas
A teoria das vantagens comparativas de David Ricardo foi publicada no seu livro “Princípios de Economia Política e Tributação” de 1817 (1772–1823). É curioso que tenha usado como exemplo o comércio entre a Inglaterra e Portugal, afinal este mudara profundamente, pouco antes, em 1808, quando ocorreu a transferência da corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos brasileiros. A abertura dos portos brasileiros favoreceu enormemente a Inglaterra, uma vez que o Brasil era, na época, o maior produtor de algodão, principal matéria-prima para a indústria têxtil, fornecia 100% do produto utilizado na Inglaterra e 70% do usado pela França, maior competidora da Inglaterra. Como o tratado de abertura dos portos tinha cláusula que proibia a exportação de algodão para a França, isto facilitou a conquista pela Inglaterra da hegemonia econômica. Em 1815, a vitória militar contra os exércitos napoleônicos em Waterloo, permitiu que a Inglaterra consolidasse sua hegemonia política.
O Decreto real determinou a abertura dos portos do Brasil às ‘nações amigas’ (leia-se Inglaterra), levand não só à inversão do superávit português médio anual de 1.129.800 mil réis com a Inglaterra, entre 1800 e 1809 para um déficit anual médio de 2.767.811, entre 1810 e 1819 (ARRUDA, 2008: 22, 26 e 82). A partir da derrota comercial e militar da França, ficava assentada a hegemonia britânica que pôde abandonar suas políticas mercantilistas e adotar o liberalismo econômico para impor sua vontade ao resto do mundo. Como se vê, a teoria das vantagens comparativas defendia uma divisão internacional do trabalho que estabelecia, de forma indireta, a concentração da indústria (têxteis) no centro do sistema interestatal capitalista e da produção de produtos agrícolas e da agro-indústria (vinho) nos países da periferia do sistema. O desenvolvimento posterior da Inglaterra e a involução econômica de Portugal atestam o resultado dessa divisão de trabalho. Contra essa teoria iria se colocar Raúl Prebisch ao denunciar o “sistema centro-periferia”, a “divisão internacional do trabalho” e a “deterioração das relações de troca” dos produtos primários produzidos pelos países periféricos em relação aos produtos industriais produzidos pelos países do centro do sistema.
Segundo Ricardo Feijó,
“Ricardo é autor da conhecida ‘Teoria das Vantagens Comparativas’ que demonstra serem vantajosas as trocas internacionais mesmo numa situação em que determinado país tivesse maior produtividade que outro na produção de todas as mercadorias. Essa teoria parte da premissa de que os valores nas trocas internacionais não são determinados pela quantidade de trabalho dos bens envolvidos, já que não há mobilidade de mão-de-obra entre países. Assim duas mercadorias intercambiadas podem não representar a mesma quantidade de trabalho. Ricardo supõe que, no comércio entre Inglaterra e Portugal, certa quantidade de vinho é transferida em troca de outro montante de tecido. Em cada caso, é requerida determinada quantidade de mão-de-obra, representada por horas de trabalho, como na tabela [abaixo].” (FEIJÓ, 2001: 176)
“Tabela: Teoria das Vantagens Comparativas: exemplo numérico de Ricardo
Fonte: FEIJÓ, 2001: 176.
“Mesmo que Portugal só empregue 90 horas de trabalho para produzir uma unidade de tecido e 80 para a produção de vinho, enquanto a Inglaterra produz as mesmas unidades empregando 100 e 120 horas de trabalho respectivamente, ainda assim, é de interesse a Portugal especializar-se na produção de vinho, pois esse país, ao fazê-lo, poupa 10 horas de trabalho, só precisando de 80 a 90 horas de trabalho anteriormente alocadas na produção de tecido, que são transferidas para gerar uma unidade intercambiável de vinho que poderá ser trocada pela produção de tecidos da Inglaterra. Essas 10 horas de trabalho poupadas representam um ganho de bem-estar para os portugueses. O outro país, ao especializar-se em tecidos, mantém a mesma oferta interna de vinho, com as importações de Portugal, e ainda poupa 20 horas de trabalho que é a diferença entre 120 e 100. Portanto, a Inglaterra também tem um ganho de bem-estar.” (FEIJÓ, 2001: 176)
Anexo 2: Mais-valia relativa
Karl Marx associa claramente a mais-valia relativa à intensificação do trabalho através da incorporação de maquinaria, ou tecnologia para aumentar a produtividade do trabalho. Este processo está relacionado à luta da classe trabalhadora que forçou o Estado a estabelecer limites para a jornada de trabalho.
Karl Marx
“Se o tempo de trabalho necessário era constante, o dia total de trabalho era variável. Suponhamos agora uma jornada de trabalho cuja extensão e cuja repartição em trabalho necessário e trabalho excedente sejam dadas [grifos meus]. A linha ac, ou seja a — — — — — bc, representa, por exemplo, um dia de trabalho de 12 horas; o segmento ab, 10 horas de trabalho necessário; e o segmento bc, 2 horas de trabalho excedente, sem prolongar ac, ou independentemente de qualquer prolongamento de ac? […] A prolongação do trabalho excedente corresponderá à redução do trabalho necessário, ou parte do tempo de trabalho que o trabalhador até agora utilizava realmente em seu benefício transforma-se em tempo de trabalho para o capitalista. O que muda não é a duração da jornada de trabalho, mas seu modo de repartir-se em trabalho necessário e trabalho excedente.” (MARX, 2011, v. 1: 363–364)
Para fazer no mesmo tempo dois pares de botas, tem de duplicar-se a produtividade de seu trabalho, o que exige alteraçõ no instrumental ou no método de trabalho, ou em ambos ao mesmo tempo. Têm de ser revolucionadas as condições de produção de seu trabalho. Entendemos aqui por elevação da produtividade do trabalho em geral uma modificação no processo de trabalho por meio da qual se encurta o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria, conseguindo-se produzir, com a mesma quantidade de trabalho, quantidade maior de valor-de-uso.” [grifos meus] (MARX, 2011, v. 1: 365)
“Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo prolongamento do dia de trabalho, e de mais-valia relativa a decorrente da contração do tempo de trabalho necessário e da correspondente alteração na relação quantitativa entre ambas as partes componentes da jornada de trabalho.” (MARX, 2011, v. 1: 366)
“O valor de uma mercadoria não é determinado apenas pela quantidade de trabalho que lhe dá a última forma, mas também pela quantidade de trabalho contida em seus meios de produção.” (MARX, 2011, v. 1: 366)
“É claro que, ao expandir-se a aplicação da maquinaria e ao acumular-se a experiência de uma classe especial de trabalhadores a ela ajustados, aumenta naturalmente a velocidade do trabalho e, em consequência, sua intensidade. Assim, durante meio século, na Inglaterra, o prolongamento da jornada de trabalho marcha passo a passo com a intensidade crescente do trabalho na fábrica. […] Quando a rebeldia crescente da classe trabalhadora forçou o Estado a diminuir coercitivamente o tempo de trabalho, começando por impor às fábricas propriamente ditas um dia normal de trabalho, quando, portanto, se tornou impossível aumentar a produção de mais-valia, prolongando o dia de trabalho, lançou-se o capital, com plena consciência e com todas as suas forças, à produção da mais-valia relativa, acelerando o desenvolvimento do sistema de máquinas.” [grifos meus] (MARX, 2011, v. 1: 467)
Academia de Ciências da URSS
“[…] sob a pressão da classe operária, foi introduzido em muitos países capitalistas o dia de trabalho de 8 horas. Mas os patrões compensaram a redução do dia de trabalho mediante uma brusca intensificação do trabalho [grifos meus]”. (ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA URSS, 1961: IV, 13).
“A duração do dia de trabalho permaneceu a mesma, mas a grandeza do tempo de trabalho suplementar aumentou devido ao fato de se haver modificado a relação entre o tempo de trabalho necessário e o tempo de trabalho suplementar. A mais-valia, que surge em consequência da diminuição do tempo de trabalho necessário e do correspondente aumento do tempo de trabalho suplementar como resultado da elevação da produtividade do trabalho, chama-se mais-valia relativa [grifos meus]”. (ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA URSS, 1961: IV, 14).
“[…] com a introdução da produção mecanizada, quando uma técnica altamente desenvolvida possibilita uma rápida elevação da produtividade do trabalho, os capitalistas manifestam a tendência de intensificar a exploração dos operários, principalmente através do aumento da mais-valia relativa [grifos meus]”. (ACADEMIA DE CIÊNCIAS DA URSS, 1961: IV, 14),
[1] Gershenkron (1904–1978) foi um historiador russo-americano que escreveu um influente livro a respeito das condições e das medidas necessárias para a promoção do desenvolvimento econômico intitulado “Economic Backwardness in Historical Perspective” (1962)
[2] Raul Prebisch (1901–1986), economista argentino. Foi subsecretário do Ministério da Fazenda após a revolução de 6 de setembro de 1930, quando criou o imposto de renda progressivo e o controle de câmbio. Em 1933, participou como “expert” da Liga das Nações na comissão preparatória da Primeira Conferência Econômica Mundial, sendo o único representante do mundo subdesenvolvido, depois integrou a missão argentina na mesma Conferência sendo influenciado pelas ideias de John M. Keynes. Em 1935, foi gerente-geral da primeira gestão do banco Central da Argentina, onde ficou até o final de 1943. Em 1949 assumiu a presidência da CEPAL, liderando a redação do estudo da CEPAL sobre as relações de troca entre a América Latina e os países centrais em 1949, que recebido com verdadeiro pânico nas Nações Unidas, dado que lançava toda a teoria da industrialização por substituição de importações e da relação de preços de intercâmbio. Prebisch ocupou o principal cargo da CEPAL até 1963 (Wikipedia, acesso em: 06/03/20).
[3] Trata-se da Conferência realizada no México, entre 28 de maio a 16 de junho de 1951, para o quarto Período de Sessões da CEPAL, na qual os EUA começam movimento no sentido de extinguir a CEPAL, em função do Relatório da mesma de 1949 e o Brasil desenvolveu forte defesa da instituição, assegurando sua continuidade (MACHADO, 2011, pp. 48 a 57).
[4] Cleantho Paiva Leite (1921–1992), um dos mais importantes colaboradores de Vargas na construção do nacional-desenvolvimentismo, juntamente com Rômulo Almeida e Jesus Soares Pereira, certamente os três principais quadros técnicos com quem Vargas pôde contar e que estiveram por trás das principais decisões que permitiram o acelerado desenvolvimento econômico e industrial brasileiro entre os anos 1950 e 1980.
[5] Escrito em 1949, como introdução ao Estudio económico de la América Latina, 1948 (E/CN. 12/89), e posteriormente publicado in CEPAL, Boletín económico de América Latina, vol. VII, n” 1, Santiago do Chile, 1962. Publicação da Organização das Nações Unidas, n° de venda: 62.II.G.I.
[6] Theotônio dos Santos menciona principalmente os seguintes textos: 1) Blomstrom, Magnus, Development Theory in Trasition, The Dependency Debate & Beyond; Third World Responses, Zed Books, Londres, 1984; e 2) Blomstrom Magnus and Hettne Bjorn, La Teoría Del Desarrollo en Transicion, F.C.E., México, 1990.
[7] Marcelo Carcanholo defende que a categoria correta seria superexploração da força de trabalho e não superexploração do trabalho, em texto publicado em 2015.
[8] Trata-se do texto “Las desventuras de la dialéctica de la dependência” de José Serra e Fernando H. Cardoso, Revista Mexicana de Sociología, Vol. 40, Número extraordinario (1978), pp. 9–55. Marini respondeu a eles com o bem humorado texto “Las razones del neodesarrollismo (respuesta a F.H. Cardoso y J. Serra), publicado na mesma revista em 1978.
* Cientista social, doutor em Saúde Coletiva, professor adjunto do Departamento de Políticas, Planejamento e Administração do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É militante do PCB de Petrópolis – RJ.