Governo vai mudar regras de Poupança

A presidente da República, Dilma Rousseff, decidiu assumir o ônus político e vai mexer nas regras da caderneta de poupança. Para isso, convocou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para uma reunião que deve ocorrer na segunda-feira próxima. No encontro, será batido o martelo sobre a proposta a ser encaminhada ao Congresso Nacional, para que a mais tradicional modalidade de investimento do país, com remuneração fixa de 6,17% ao ano mais a variação da TR (Taxa Referencial), seja atrelada à taxa básica da economia (Selic). Dilma está decidida a levar a Selic a 8% ao ano, o que significa mais dois cortes de 0,5 ponto percentual, o primeiro na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio e o segundo, na de julho.

O Palácio do Planalto já preparou o discurso. Como o governo venceu a guerra com os bancos e reduziu os custos dos empréstimos e os spreads (diferença entre o que é pago aos investidores e o que é cobrado dos devedores), chegou a vez de os poupadores darem a sua cota de sacrifício no processo de ter juros mais próximos do mundo civilizado. Segundo técnicos do governo, não se trata de confisco, mas de corrigir distorções. O modelo atual de poupança no Brasil, na visão deles, é uma herança do período de hiperinflação, quando se tentava, por decreto, preservar o mínimo de valor da moeda.

Com o projeto que será enviado ao Congresso, Dilma pretende resolver um dilema que sempre impediu a queda dos juros no Brasil. Segundo economistas ouvidos pelo Correio, não dá para levar a Selic para 8% ao ano, como deseja a presidente, sem que ocorra uma fuga em massa de recursos aplicados em fundos de investimento, os principais credores do governo. “A partir dessa taxa, os ajustes na poupança são necessários”, observou Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco. A ideia do governo é colocar faixas de remuneração. Caso a Selic chegue a 8% ao ano, como quer Dilma, a caderneta pagará 5,8% ao ano. Se a taxa básica da economia baixasse a um nível inferior a 4% ao ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ficaria encarregado de decidir a correção da poupança. As novas regras, entretanto, valeriam apenas para novos investimentos.

“Vamos nos antecipar a todas as distorções que possam ocorrer com a Selic mais baixa. Preservaremos os fundos de investimentos e evitaremos uma fuga de recursos para a poupança, que deixaria os bancos em situação difícil”, explicou um assessor do Planalto. “Por lei, as instituições financeiras são obrigadas a destinar, no mínimo, 65% dos depósitos para o financiamento da casa própria. Mas, diante de uma enxurrada de dinheiro, não teriam como fazê-lo, pois um empreendimento imobiliário pode levar até dois anos para ficar pronto. Portanto, estando desenquadrados, os bancos teriam de ser multados pelo BC”, acrescentou.

Taxa de administração

A decisão de levar o projeto à frente foi tomada nesta semana pela presidente Dilma, que já tinha deixado os ministros de sobreaviso. Tanto que Tombini cancelou participação na reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, onde teria encontros na próxima segunda-feira com economistas e agentes do mercado financeiro. Mantega, que está nos Estados Unidos, deve voltar no domingo. O nome dele ainda aparece na programação do 2012 Brazil Summit, organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Ele falaria na segunda-feira. Na capital norte-americana, o ministro disse que, “com os juros básicos de 9%, não há necessidade de mudar a regra da poupança”. Mas a presidente quer a Selic a 8%.

Além de mudar as regras da caderneta, o governo reforçará  o discurso contra os bancos para que reduzam as taxas de administração dos fundos de investimentos. Hoje, parte dos ganhos dessas modalidades de aplicação é comido pelos encargos, que chegam a 5% ao ano. Estima-se que, após as sucessivas quedas da Selic desde agosto do ano passado, quase 40% dos fundos já registram rentabilidade inferior à da poupança. Segundo os analistas, quanto maior  a taxa de administração de um fundo e menor o período em que o dinheiro fica aplicado, mais vantajosa fica a caderneta. Isso porque há, também, sobre os rendimentos dos fundos, a cobrança de Imposto de Renda entre 15% e 22,5%. A caderneta de poupança não paga taxa de administração e é isenta de IR.

Para alcançar o objetivo, a equipe econômica usará, mais uma vez, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil a fim de pressionar o setor privado. Em entrevista ao Correio, Carlos Massaru Takahashi, presidente da BB DTVM, administradora de recursos do BB, admitiu que o banco já avalia cortar as taxas de administração dos fundos. “Com a Selic a 9%, ficamos no limiar da competitividade”, disse. “Como sabemos que o Copom pode realizar novos cortes (nos juros), se isso acontecer, teremos que fazer ajustes”, afirmou.

Pesquisa divulgada pela Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que, com a Selic a 9% ao ano, a maioria dos fundos de investimento com taxa de administração a partir de 1% ao ano têm rendimento menor que a poupança. Em 16 das 20 simulações feitas, a caderneta aparece como melhor negócio (veja gráfico nesta página). “O problema é que mais de 80% das pessoas pagam taxas de administração nos fundos entre 1,5% e 2% ao mês. As mais baixas são para quem aplica acima de R$ 50 mil”, observou Miguel Oliveira, vice-presidente da Anefac.

Fique ligado

Nas contas de Felipe Chad, sócio-diretor da DX Investimentos, com a Selic a 9% ao ano, uma pessoa que aplicar R$ 10 mil durante um ano em um fundo de investimento com uma taxa de administração de 1% ao mês terá rendimento de R$ 643. Quem deixar esse mesmo montante na poupança, no mesmo período, ganhará R$ 706. “Mais do que nunca o cliente tem de olhar quanto está pagando”, ensinou.

 


Governo quer licitações mais flexíveis para o PAC

O Estado de S. Paulo

O governo quer flexibilizar a forma de fazer as licitações das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Aprovado pelo Congresso Nacional para ser usado estritamente em construções da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos (2016), o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) pode ser uma alternativa, na avaliação da ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

O instrumento é mais leve em relação às exigências para contratação de obras públicas e modifica a Lei de Licitações. Seu uso no PAC foi debatido ontem entre a ministra e os líderes do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), e na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

“Apresentamos os resultados da utilização do regime diferenciado de compras, o RDC, no caso da Infraero”, explicou a ministra.

A lei que estabelece o regime diferenciado é questionada na Justiça. Em setembro do ano passado, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde afirma que a lei aprovada no Congresso não fixa parâmetros mínimos para identificar obras, serviços e compras que devam seguir o regime diferenciado, o que contraria um dos artigos da Constituição.

Em outro argumento, o procurador destacou que o modelo de empreitada integral, ao permitir que se concentrem num mesmo contratante o projeto básico e a execução da obra ou serviço, desvirtua todo os propósitos da licitação, especialmente o da ampla competitividade. Partidos de oposição também questionam a legalidade do regime.

Infraero. Miriam Belchior salientou que foram feitas seis licitações para a Infraero usando RDC, o que acabou provocando uma redução do tempo de leilão de 250 dias para 80 dias e diminuição de 15% dos preços, em média. O funcionamento do instrumento é o seguinte: primeiro, abre-se a proposta dos interessados, que está fechada em um envelope. Depois, há possibilidade de realização de lances, o que proporciona redução do valor das obras. “Temos um balanço positivo”, avaliou a ministra.

O uso do RDC pode ser aplicado a aeroportos das capitais distantes até 350 quilômetros das cidades-sede da Copa por causa de uma emenda proposta pela Câmara. Para ser usado também nas obras do PAC, porém, o instrumento precisa voltar para apreciação do Congresso.

Como a maior parte das obras já foi licitada, a ministra salientou que essa forma de licitação poderá ser usada por Estados e municípios e também em algumas obras mais importantes do governo federal, que possam ser incluídas no PAC.

De qualquer forma, segundo Miriam Belchior, sofreria modificações no caso de uso em construções de menor porte.

 


CPI do cachoeira é criada e aliados não sabem como agir

O Estado de S. Paulo

No dia em que o Congresso deu sinal verde para a CPI que vai investigar a ligação de políticos e empresas com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a articulação política do governo Dilma Rousseff foi alvo de fortes críticas da própria base aliada. Sem orientação do Palácio do Planalto, até parlamentares do PT passaram a bombardear o “vazio” na coordenação do governo e, em conversas reservadas, disseram temer o preço que será cobrado pelo PMDB na CPI.

“A presidente Dilma está muito bem, mas a articulação política do governo é muito fraca e amadora”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Favorável à investigação, ele se surpreendeu ao saber que o Planalto deflagrou uma operação para controlar a CPI e evitar desgaste, já que a Delta Construções – suspeita de injetar dinheiro em empresas de fachada ligadas a Cachoeira – é  responsável por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “A bola da CPI está quicando há duas semanas e ninguém do governo conversou com a gente.”

Depois de Dilma se irritar com um vídeo no qual o presidente do PT, Rui Falcão, vincula a CPI à estratégia petista para neutralizar o escândalo do mensalão, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) pediu cautela ao partido. Na terça-feira, ela conversou com Falcão. Para o governo, a direção do PT foi precipitada ao tentar desviar o foco do mensalão. Falcão, porém, só autorizou a divulgação do vídeo após reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Lula, a CPI ajudará a desvendar o que chama de “farsa do mensalão” ao expor ligações de Cachoeira com membros da oposição.

“Besteirol”. “É claro que dessa CPI pode nascer uma nova linha de investigação, revelando que o esquema Cachoeira, além de ajudar uns, trabalhava para macular outros, mas é um besteirol dizer que essa apuração vai apagar outros processos”, disse o governador Jaques Wagner (PT-BA).

Diante das queixas de aliados, Lindbergh foi ontem à tribuna para apontar as falhas do Planalto na articulação política. No seu diagnóstico, falta diálogo não só com os parlamentares, mas com os governadores, que querem renegociar as condições de pagamento das dívidas dos Estados.

“Ideli é muito frágil e o grau de esgarçamento na relação com os governadores é grande”, insistiu Lindbergh. “Há uma ausência de articulação política por parte do Planalto e, por isso, está havendo solidariedade federativa. Nós, do Rio, decidimos não votar nada que prejudique os Estados, independentemente dos partidos.”

A revolta de aliados é o pano de fundo que pode contaminar a primeira CPI importante da gestão Dilma. Nos bastidores, integrantes da base avaliam que a precária negociação diante de temas espinhosos – como a dívida dos Estados, o fim da guerra dos portos e a nova repartição dos royalties – pode incentivar uma reação contra o Planalto.

Petistas dizem que o PMDB, com o senador Vital do Rêgo (PB) na presidência da CPI, tem a faca e o queijo na mão e pode pressionar por mais cargos no primeiro escalão. “Isso não existe. Também somos governo e temos consciência da gravidade de uma CPI como essa”, observou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que esteve com Lula nesta semana.

Ideli não quis responder às críticas de Lindbergh. O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) disse que não cabe ao governo tratar de CPI. “É assunto restrito ao Legislativo.” O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), amenizou o clima de desorientação. “O governo tem posição neutra sobre a CPI. Ninguém me pediu para abafar nem desabafar nada.”

 


Juro pode dobrar valor a ser pago

O Globo

Apesar da redução de juros anunciada pelos bancos públicos e privados, o cliente que não obtiver a taxa mais vantajosa oferecida pela instituição ainda pagará caro para tomar crédito. É o que mostra uma simulação feita, a pedido do GLOBO, pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), tomando como base as taxas mínimas e máximas divulgadas, em várias modalidades de empréstimos, como Crédito Direto ao Consumidor (CDC) e financiamento de veículos. As diferenças são impressionantes. Quem comprar um carro no valor à vista de R$ 60 mil, em 48 parcelas, por exemplo, pagando juro 4,23% ao mês (a taxa máxima oferecida pelo Bradesco), desembolsará R$ 141.144,20 pelo bem. O mesmo carro sai por R$ 75.333,39, se o cliente obtiver a taxa mínima do próprio banco, de 0,97%. A diferença é de mais de R$ 65 mil no preço final, ou 87% a mais.

Na comparação entre diferentes instituições, a diferença também chama atenção. Os juros de um financiamento de R$ 5 mil pelo CDC, com 36 meses, variam de 1,04% (Santander) e 1,6% (Banco do Brasil) a 2,48% (HSBC) e 2,97% ao mês (Bradesco), considerando apenas as taxas mínimas. No primeiro caso, a operação vai custar R$ 6.019 ao correntista, contra R$ 8.207 se fechar com a taxa mais elevada – uma economia de R$ 2.188.

Segundo o vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira, para justificar tanta diferença entre a taxa mínima e a máxima, os bancos alegam que precisam avaliar o comprometimento da renda do cliente, que indica o potencial de inadimplência, o histórico com a instituição, e o próprio produto oferecido. Num empréstimo consignado, por exemplo, o risco para o banco de levar um calote é muito menor que no rotativo do cartão. Isso porque a parcela do empréstimo é descontada diretamente na conta do cliente.

– Na prática, se quiser obter uma taxa de juro mais vantajosa, o cliente terá que fazer esses cálculos com as taxas oferecidas por seu banco e as de outras instituições e depois negociar com seu gerente. Ou seja, terá que provocar esse movimento – diz Oliveira.

No caso do cheque especial, se utilizar R$ 1.000 por 30 dias no HSBC, o cliente com a melhor taxa oferecida pelo banco (2,27% ao mês) vai desembolsar R$ 22,70 no período. O cliente que usa o mesmo valor, também por um mês, mas paga a taxa de juro máxima de 14,69%, terá um gasto de R$ 146,90 só em juros pelo empréstimo.

Ontem, um dia após o anúncio da redução de taxas feita pelos grandes bancos privados de varejo, clientes do Itaú Unibanco e do Bradesco não conseguiam saber que benefícios poderão obter. No caso do Itaú  Unibanco, quem entrou em contato com as agências descobriu que a adoção das novas taxas era desconhecida dos gerentes.

– É algo que passou na televisão? – perguntou, surpresa, uma gerente.

Informados das medidas, todos diziam não ter recebido qualquer orientação sobre a aplicação da redução. Mesmo assim, um dos gerentes afirmou que dificilmente um cliente “comum” será beneficiado com as taxas mínimas anunciadas, como a do cheque especial, de 1,95%.

– Essa é uma tarifa que nem os funcionários (do banco) conseguem. Certamente, só o (cliente) private é que vai ter tarifa tão pequena – disse o gerente de uma agência na Zona Sul de São Paulo.

Mantega: estamos no caminho certo

Como as novas taxas dos pacotes anunciados quarta-feira só começam a valer na segunda-feira, Bradesco e Itaú Unibanco garantem que até lá suas redes de agências estarão preparadas. No Itaú  Unibanco, os juros menores do cheque especial, do CDC para a aquisição de bens e do cartão de crédito só entram em vigor em 2 de maio.

Ontem, um dia após o anúncio de corte dos juros dos principais bancos privados e da decisão do Banco Central de fazer mais a redução na taxa básica (Selic), agora em 9% ao ano, o BB anunciou que reduziu mais o custo dos empréstimos. A taxa mínima para o crédito consignado para aposentados passou de 0,85% para 0,79% ao mês. A de financiamento de veículos caiu de 0,99% ao mês para 0,95% ao mês. E a do cheque especial passou de 1,97% ao mês para 1,38% ao mês. E a Caixa anunciou que, a partir de segunda-feira, até 11 de maio, abrirá uma hora mais cedo.

Em Washington, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o Brasil está “no bom caminho” de ter juros mais baixos no sistema financeiro após a decisão dos bancos privados de reduzirem o custo de seus empréstimos, a pedido do governo. Segundo o ministro, as instituições estão, desta forma, “dando ao povo brasileiro a oportunidade de consumir com taxas menores”.

– Nós estamos no bom caminho, com a reação positiva do setor financeiro a esta demanda que foi feita pela redução dos spreads e aumento do crédito – disse o ministro, após reunião do Brics no FMI.

O ministro disse ainda que, com a Selic a 9%, “não há necessidade de mudar a regra da poupança”.

 


A nova voz do Brasil na geopolítica regional

Valor Econômico

No fórum de 590 dirigentes de empresas que ocorreu de forma paralela ao encontro de chefes de Estado da Cúpula das Américas, em Cartagena, o papel que o Brasil desempenhou ficou claro: a presidente Dilma Rousseff dividiu o cenário do principal painel com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Sentado entre ambos, como se fosse um elo entre dois polos, estava o presidente anfitrião, o colombiano Juan Manuel Santos. Era a manhã do sábado, 14 de abril. Santos anunciaria na tarde do dia seguinte a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos.

A imagem ilustra a polaridade que se estabeleceu no continente a partir do início do século XXI. Entre o Peru e o México, com as exceções de Venezuela, Equador, Cuba e Nicarágua, os EUA ainda são a grande referência econômica. Quase todos os países nesta faixa estabeleceram tratados de livre comércio com os EUA. Santos, como anfitrião da Cúpula das Américas, esteve à frente desse bloco. O cone sul do continente e a Venezuela convergiram para o Mercosul, em que o discurso predominante é o de Dilma.

Talvez seja uma coincidência da diplomacia, mas a Cúpula ficou espremida entre duas visitas de Estado entre Brasil e EUA, cujos contatos estão mais frequentes do que nunca em tempos sem crise. Antes do encontro na Colômbia, Dilma Rousseff visitou Barack Obama em Washington. Em seguida à cúpula, Hillary Clinton tomou um avião para Brasília, onde declarou que “é difícil imaginar um Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas] reformado sem a presença de um país como o Brasil”. A declaração é um passo discreto na direção do apoio ao pleito brasileiro por um assento permanente no conselho.

O papel central exercido pelo Brasil nas reuniões de Cartagena está ancorado na sua participação crescente, e muitas vezes central, na economia dos vizinhos. “Hoje, quem está exposto a riscos na América Latina não são mais os EUA, mas o Brasil”, diz Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Portanto, “os investimentos fornecem instrumentos importantes para influenciar os caminhos da região, principalmente através dessa relação de dependência recíproca com os vizinhos”.

Essa exposição é fruto dos investimentos importantes que o governo e as empresas brasileiras mantêm em outros países da região. A política do país está ancorada em um regime definido como “solidário” pelo Itamaraty, ou seja, orientado para se inserir nas economias vizinhas de acordo com suas necessidades: tecnologia de pesca para países caribenhos, mediação com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias) na Colômbia, fornecimento de petróleo com segurança para o Chile.

Empresas de peso, públicas e privadas, têm presença forte no continente, como Vale e Petrobras. Também avançam companhias do setor financeiro – agências do banco Itaú estão espalhadas por Buenos Aires e Santiago do Chile -, e empreiteiras, como a Odebrecht, responsável pela modernização do porto de Mariel, em Cuba, e a OAS, que constrói uma estrada na Bolívia como parte do projeto de abrir uma conexão viária para o Oceano Pacífico.

A magnitude da presença brasileira no continente é descrita por Kellie Meiman, diretora-executiva na consultoria McLarty Associates, que foi diplomata no Brasil e em outros países do continente: “Ao visitar os países da América do Sul e Central, ouvia constantemente falar nas “big americans”, empresas americanas que dominavam a economia desses países. Agora, esse discurso teve de abrir espaço para um novo ator, as “grandes empresas brasileiras”.

O peso dos investimentos nos países vizinhos produz uma interdependência que, por sua vez, é um primeiro passo para a integração regional, ao torná-la necessária. A Petrobras é responsável por quase um quarto da arrecadação de impostos bolivianos, enquanto a energia que alimenta as indústrias do Sudeste brasileiro vem, em grande parte, da usina binacional de Itaipu, na divisa com o Paraguai. Uma crise em algum desses países, política ou econômica, poderia trazer riscos para a economia brasileira.

Nem sempre a interdependência é recebida com sorrisos pelos vizinhos. A construção de uma estrada em terras indígenas na Bolívia, com financiamento do BNDES, foi suspensa no ano passado pelo presidente do país, Evo Morales, acusado pela imprensa de ser um “títere do imperialismo brasileiro”. Os protestos indígenas tiveram um impacto particularmente forte no país, porque Morales foi eleito como um representante da população indígena.

Também na Bolívia, as relações com a Petrobras são dúbias. Em 2006, o governo de Morales anunciou a nacionalização do gás boliviano e tropas do país chegaram a ocupar uma refinaria da Petrobras. No ano seguinte, duas refinarias foram compradas pela Bolívia, ainda no esforço de nacionalização. Foram momentos de crise, mas, como assinala o embaixador Antonio Simões, subsecretário-geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, não se chegou ao extremo de cortar o fornecimento de gás para o Brasil.

“Não teria sido do interesse deles interromper o fornecimento, vender para o Brasil é importante”, diz o embaixador, usando o caso boliviano como exemplo para as vantagens de estreitar as relações com os vizinhos sem passar a impressão de se tratar de um comportamento de tipo imperialista. O temor boliviano, hoje, foi, desde a independência, expresso também por outros países, a começar pela Argentina.

A atuação diplomática do Brasil é considerada “muito sofisticada” por Riordan Roett, cientista político especializado em América Latina, professor da universidade Johns Hopkins e autor de “The New Brazil”. A crise com a Bolívia foi resolvida com uma conversa entre Lula e Evo Morales em Brasília. Quando houve um desentendimento com Fernando Lugo, presidente do Paraguai, por causa da divisão da energia da usina de Itaipu, em 2009, a solução foi encontrada pelo mesmo método. “A maior preocupação dessa diplomacia é evitar ou minimizar danos”, diz Roett.

Durante o governo de George W. Bush nos EUA, encerrado em 2009, a orientação da política externa americana foi de delegar ao Brasil a execução, ou ao menos a defesa, de algumas de suas bandeiras, particularmente a oposição às políticas bolivarianas de Hugo Chávez e o combate agressivo, militarizado, ao narcotráfico. “Condoleezza Rice [então secretária de Estado] veio ao Brasil para exigir que o Brasil “fizesse alguma coisa” contra a Venezuela”, diz Roett. “Brasília, já no governo Lula, foi muito sábia ao não seguir o que Washington preconizava.”

“”Delegar” é uma curiosa escolha de palavras”, afirma Julia Sweig, do “think tank” americano Council on Foreign Relations. “Na verdade, não consigo imaginar alguém em Brasília usando essa palavra para descrever as políticas que Washington tentava empurrar para cima do Brasil.”

Ainda durante a gestão de Bush, ficou evidente que o Brasil não pretendia ocupar o espaço que Washington lhe oferecia de maneira tão categórica. Hoje, resta aos EUA reconhecer que o Brasil, em particular, e a América Latina, em geral, “já deixaram há muito tempo de ser seu quintal”, como frisa Spektor.

“Em Washington, o governo já se deu conta de que o Brasil está em outro patamar, tornou-se uma peça importante no jogo global”, diz David Rothkopf, presidente da consultoria internacional Garden Rothkopf. “Mas ainda não está agindo plenamente de acordo com isso.”

Os sinais, segundo Rothkopf, são contraditórios. Por um lado, o Departamento de Estado, comandado por Hillary Clinton, designou Thomas Shannon para a embaixada em Brasília. Trata-se de um dos mais prestigiados diplomatas de seu país e um nome muito próximo a Hillary. Antes de assumir o cargo no Brasil, foi secretário-assistente para assuntos do Hemisfério Ocidental. Por outro lado, o tratamento oferecido ao Brasil continua inferior a seu prestígio e, principalmente, à atenção dispensada a outros países de importância semelhante, como a Índia e a China. Rothkopf ilustra essa discrepância citando o caso do acordo nuclear com o Irã, costurado por Brasil e Turquia em 2010. “Enquanto o Brasil foi criticado e punido, nenhuma palavra foi dita em relação à Turquia. A relação dos EUA com aquele país nunca esteve melhor”, comenta.

Dentre os temas que opõem as duas maiores forças do continente, aquele que mais reverbera nos demais países é o do “tsunami monetário”, como diz a presidente Dilma Rousseff. “Temos que tomar medidas para nos defender, e não nos proteger. É importante diferenciar defesa de protecionismo. Não podemos deixar nosso setor industrial ser canibalizado”, disse Dilma aos empresários.

O excesso de liquidez atinge os países do continente de maneira desigual. O real tem o câmbio mais valorizado porque sua economia é a maior do continente. Como consequência, afirma Roett, Dilma tem o discurso mais vigoroso em defesa de políticas compensatórias e de proteção à indústria. Os demais países podem interpretar esse discurso como recusa à abertura do mercado, não só para os produtos industriais chineses, mas também aos capitais financeiros abundantes.

Roett não vê essas medidas como tendência para o longo prazo. As iniciativas de integração regional são mais fortes, a começar pela rodovia que liga o Brasil aos portos do Peru, a partir de Rio Branco e Porto Velho. Para evitar o risco de desindustrialização, assunto que está em pauta no Brasil atualmente, será necessário tomar medidas de mais longo prazo, como investimento em qualificação da mão de obra e reformas institucionais. “Tenho esperança de que isso aconteça, mas admito que não é uma esperança muito realista”, diz Roett, citando as dificuldades do sistema político.

Na parte de cima da América Latina, pontifica o “laissez faire, laissez passer”. “As coordenadas para o crescimento não estão no protecionismo, mas na abertura comercial, e não estão na expropriação de ativos, mas na garantia de livre empresa”, afirmou o presidente mexicano Felipe Calderón, aplaudido de pé. O discurso era uma alfinetada diretamente dirigida ao Brasil, em resposta à mudança no regime automotivo binacional com o México no mês passado, que reduziu drasticamente a importação de carros vindos do país de Calderón.

O caso mexicano é particular e ilustra a dinâmica da economia latino-americana nas últimas duas décadas. Com a criação do Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte, na sigla em inglês), o país foi inundado de investimentos americanos – com destaque para as chamadas indústrias maquiadoras, que aproveitavam a eliminação das tarifas e os baixíssimos salários para montar produtos sem transferir tecnologia – e se tornou a principal economia do continente.

Já no século atual, com a ascensão da China, seguida da alta vertiginosa dos preços de produtos primários, a balança do continente passou a pesar a favor do Brasil. Os países cuja política econômica estava voltada para o mercado interno foram favorecidos, ao promover uma redistribuição da renda e uma alta dos salários. Até 2004, Brasil e México tinham PIBs em nível semelhante, mas, desde então, o produto brasileiro disparou, permitindo ao país a manifestação de ambições diplomáticas mais vistosas.

A ascensão do Brasil não foi bem recebida pelos mexicanos. O país investe numa oposição ativa contra a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Na votação para a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), no ano passado, o México foi o único país latino-americano a não apoiar o candidato brasileiro, José Graziano, que acabou eleito.

No mês passado, os chefes de Estado dos países da Aliança do Pacífico, formada por México, Peru, Chile e Colômbia, se reuniram pela primeira vez em Santiago. O grupo, constituído pelos principais países do bloco mais ligado à economia americana – portanto, contrapostos à  corrente inspirada em iniciativas como o Mercosul -, tem no México seu integrante mais entusiasmado.

Para Rothkopf, é normal que a ascensão internacional do Brasil provoque reações de preocupação – e de ciúmes – em alguns de seus vizinhos, notadamente aqueles que aspiravam a um destino semelhante. O México, em particular, tem sido uma barreira eficaz contra algumas pretensões do Brasil também junto ao governo americano, diz Rothkopf. Um dos motivos da lentidão no avanço do governo Obama para o reconhecimento do pleito brasileiro na ONU é a tentativa de evitar ferir os sentimentos mexicanos. “Será que as Filipinas têm ciúme da proeminência da China?”, pergunta Rothkopf. “Será que o Canadá tem ciúmes dos EUA? Ninguém aqui fica cheio de dedos com os ciúmes do Canadá.”

Roett acrescenta mais uma causa para a irritação mexicana com o Brasil. “O Itamaraty concentra seus esforços na integração da América do Sul”, diz. Em 2000, foi feita a primeira reunião de presidentes sul-americanos. O México reclamou e acabou obtendo status de observador. Vicente Fox, presidente mexicano de 2000 a 2006, quis integrar o país ao Mercosul, mas foi rejeitado. “A proximidade com os EUA sempre incomodou a América do Sul, não só o Brasil.”

Por outro lado, o Brasil tem uma situação melhor do que as demais potências ascendentes, no objetivo de conjugar a posição global e a local. Ao contrário da China, e principalmente da Índia, não tem conflitos históricos ou de fronteira com seus vizinhos. E, ao contrário da Alemanha que crescia na época de Otto von Bismarck, “há 140 anos que o Brasil não entra em guerra no continente”, ressalta Rothkopf.

Roett cita o barão do Rio Banco, “essa figura adorável”, para assinalar a tradição brasileira de trabalhar em conjunto com os vizinhos, em vez de escolher a via do confronto. “Ao contrário de vários outros países da América do Sul, o Brasil não tem quase nenhum conflito de fronteiras.” O embaixador Simões segue na mesma linha de Roett. Entende que as eventuais desconfianças dos vizinhos quanto às verdadeiras intenções do Brasil são compreensíveis, mas equivocadas, e afirma que “o Brasil não quer ser rico, mas crescer com seus vizinhos”.

Outrora a maior rival do Brasil no continente, hoje a principal parceira comercial e política abaixo do Rio Grande, a Argentina, na pessoa da presidente Cristina Kirchner, foi frustrada, na cúpula de Cartagena, em seu propósito de obter uma declaração conjunta sobre a disputa das ilhas Malvinas. Também muito distante do encontro dos empresários, Cristina voltou para Buenos Aires ainda na manhã de domingo para preparar a expropriação da petroleira YPF, até o momento de capital espanhol, no dia seguinte.

A única reação significativa à decisão de Cristina veio da Espanha, que ameaçou com retaliações e avaliou a parte da companhia que terá de vender em US$ 10,5 bilhões. Em perspectiva histórica, o pouco barulho é significativo. Há menos de uma década, uma decisão drástica como a da Argentina teria provocado uma reação em cadeia no continente, como nas crises políticas dos anos 1960 e 1970 e na montanha-russa financeira dos anos 1980 e 1990.

Já não é assim. “A Argentina está claramente isolada”, diz Julia Sweig. “Os investidores sabem que o ambiente econômico e político do continente está sólido e estável.” Para Rothkopf, “a Argentina só fez o que fez porque está sem dinheiro. Acredito que entrará em crise muito em breve”.

Do outro lado do panorama continental, os países que gravitam em torno dos EUA têm no baixo custo da mão de obra um de seus principais ativos e na violência urbana a principal debilidade. Jornais favoráveis ao governo colombiano festejavam os índices animadores do país, como a inflação de apenas 3,4% no ano passado e o crescimento de mais de 100% das exportações nos últimos cinco anos.

Mas também recordavam o desemprego persistente em 11,9% da população econômica ativa (no Brasil, de 5,7% em fevereiro) e um dos 20 salários médios mais baixos do mundo. Não é à toa que a principal reação contra os TLC nos Estados Unidos tenha partido da central sindical AFL-CIO, preocupada com a migração da mão de obra para países de salários mais baixos, que, graças a essa condição e aos acordos de livre comércio, exportariam produtos de menor preço para os EUA – com ganho certo em geração de postos de trabalho e divisas.

Se existe a divisão na economia, no âmbito político a equação é outra. “Caminhamos do Consenso de Washington para o consenso sem Washington”, comentou, em Quito, o presidente do Equador, Rafael Correa, o único a boicotar a cúpula em razão da ausência de Cuba em Cartagena, uma exigência americana.

Nos debates a portas fechadas, os Estados Unidos ficaram “solos, solitos”, ironizou o chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, que representava o presidente Hugo Chávez, ausente por doença. A política interna é citada como principal entrave à atuação dos EUA no continente. “Para alguém que, como eu, trabalhou tanto com a América Latina, é uma pena que o continente não receba mais atenção dos EUA”, diz Donna Hrinak. A ex-embaixadora no Brasil faz a ressalva, porém, de que uma das principais funções da diplomacia americana, hoje, é criar condições para a atuação do setor privado. “Mas o setor privado, adiantando-se aos diplomatas, “já busca intensamente maneiras de investir no continente, particularmente no Brasil.”

Para Julia Sweig, “a América Latina deveria ser uma região importantíssima para os EUA”. A explicação, paradoxal segundo ela, está justamente na tranquilidade e na solidez da região. A política externa americana se concentra em regiões de conflito e instabilidade que possam colocar em risco a segurança alimentar, energética e econômica do mundo. Trata-se de uma visão, segundo Kellie Meiman, baseada na “realpolitik”: uma diplomacia baseada em preocupações práticas e imediatas. “Os EUA já perderam a influência que tinham no continente, isso é fato consumado”, diz Sweig.

Maduro exagerou ao falar da solidão americana. Os Estados Unidos ficaram em companhia do nada tropical Canadá em sua intransigência em relação a Cuba, na resistência a discutir uma mudança na política antidrogas no Continente e na oposição a se debater a reivindicação argentina pelas Malvinas. E até Felipe Calderón, antes de chegar à Colômbia, passou por Cuba para se encontrar com Raúl Castro.

Neste “consenso sem Washington”, a estrela de Hugo Chávez esmaece. A tendência é para o predomínio dos presidentes eleitos pela esquerda, mas com compromissos de manutenção de políticas econômicas favoráveis ao meio empresarial. É o caso de Dilma Rousseff, do peruano Ollanta Humala, do uruguaio José Mujica – cujo país acaba de subir no rating das agências de classificação de risco – e do salvadorenho Mauricio Funes.

O grupo começa a ganhar a adesão de uma geração eleita pela direita e interessada em políticas sociais. Estão no grupo o colombiano Santos, que promove uma reforma fundiária que beneficia as famílias de camponeses atingidas pelos grupos de extermínio, e o guatemalteco Otto Pérez, defensor de investimentos em saúde e educação no tratamento da violência urbana.

Em ambos os lados do espectro político, a referência evocada é  quase sempre a mesma: o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Lula virou uma espécie de símbolo na região porque foi, nas palavras de Donna Hrinak, o primeiro a chamar para os próprios latino-americanos o peso da responsabilidade de resolver os problemas do continente. A transição política suave entre o governo do PSDB e o do PT também é citada como prova da maturação do continente, em paralelo com o controle continuado da inflação e a ênfase em políticas sociais.

Um elemento citado por diplomatas para explicar a transformação de Lula em “grife” na política continental é o sucesso em provocar a sensação, na população, de que a vida está melhorando de fato. Mesmo em países com grande sucesso econômico, como o Chile, o orgulho com a força financeira pode ser eclipsado pela ausência dessa sensação. O Chile sofreu com vastos protestos estudantis no ano passado e seu presidente, Sebastián Piñera, não goza de bons índices de popularidade.

Aproveitando a aproximação, primeiro da União Europeia e depois, principalmente, da China, esses países estão conseguindo conjugar a liberdade de mercado com a atenção a problemas sociais. A retórica inflamada de Hugo Chávez empalidece diante da capacidade que países como o Brasil e o Peru – em que a eleição de Humala, no ano passado, causou a mesma apreensão que a vitória de Lula em 2002 – têm demonstrado de produzir crescimento econômico com sucessos na área social, sempre com independência de políticas, mas sem bater de frente a cada momento com os EUA ou os mercados.

Para ser protagonista dessa nova tendência, falta a Dilma certos gestos de apelo popular, nos quais Lula sempre foi pródigo. Em Cartagena, a presidente não bebeu cerveja em uma boate, como a secretária de Estado Hillary Clinton. Jantou em um restaurante refinado da cidade colombiana e se retirou, sem acenar para turistas brasileiros. “O Piñera é mais simpático”, lamentou uma paulistana a passeio. O presidente do Chile, apesar de não fazer parte do grupo que reivindica o legado de Lula, visitou comunidades carentes durante sua estadia na Colômbia.

 


Comércio com a China tem o menor avanço em 5 anos

Valor Econômico

Nos três primeiros meses do ano, as exportações brasileiras para a China desaceleraram. Elas somaram US$ 7,9 bilhões, representando um aumento de 10,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Esse foi o menor crescimento dos últimos anos.

O aumento de 10% foi garantido principalmente pela exportação da soja, que cresceu 127%, impulsionada por uma antecipação de compras do grão. Sem esse produto, as vendas do Brasil para a China teriam caído 6% no período. Minério de ferro e petróleo, que somados responderam por mais da metade de tudo o que foi vendido aos asiáticos no ano passado, tiveram queda nas vendas e puxaram o resultado para baixo, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Os três produtos – soja, minério e petróleo – responderam no ano passado por 80% da exportação brasileira para a China, sendo, portanto, fundamentais para indicar o rumo do comércio entre os dois países.

Produto mais procurado pelos chineses, as vendas de minério de ferro cresceram 5% em volume no período, mas a queda do preço no mercado internacional fez a commodity render 12% a menos de divisas do que no primeiro trimestre do ano passado, com as vendas totais chegando a US$ 3,3 bilhões. O preço do petróleo ficou em patamar semelhante ao de 2011, mas a desaceleração do apetite chinês pelo produto fez o volume cair 32%, o que diminuiu em 17% as exportações em dólares, que somaram US$ 1 bilhão, segundo estudo elaborado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) com base nos dados do Mdic.

Para André Soares, coordenador e analista de pesquisas do Conselho, a queda das exportações brasileiras de minério de ferro e petróleo respondeu ao movimento de desaceleração da China que, de acordo com a estimativa oficial, espera crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano ante 9,2% de 2011. “Os dois casos foram acentuados, mas acompanharam a demanda total de certa forma. Em toneladas, as importações chinesas de minério no trimestre cresceram 6%, enquanto em dólares elas caíram 8%. No petróleo, a diminuição foi de 10% em peso e de 23% em dólares”, diz ele.

Apesar de o volume crescer, a tendência é que as vendas de minério de ferro rendam menos aos exportadores neste ano, segundo o presidente em exercício da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) José Augusto de Castro. Em março do ano passado, o Brasil vendeu a tonelada do produto a US$ 116. Doze meses depois, a US$ 100. “A média em 2011 ficou em US$ 128, com picos de US$ 136. Mantendo o patamar atual, vai haver um impacto grande na balança até o fim do ano, pois o minério é o produto mais vendido aos chineses”, diz.

O substancial aumento da soja, que registrou US$ 2 bilhões em vendas, deu-se em virtude da intensificação das exportações desde o fim do ano passado em função dos preços favoráveis do produto, de acordo com Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores. “Entre janeiro e fevereiro, exportamos US$ 640 milhões. Nos mesmos meses do ano passado, as vendas foram de US$ 53 milhões. Houve um esforço na exportação dos estoques do mercado brasileiro por causa da relativa escassez do produto no mercado mundial.”

As importações vindas da China, por outro lado, cresceram mais do que as exportações – 13,8%, refletindo na balança comercial entre os dois países. No primeiro trimestre do ano passado, o déficit no comércio com os chineses foi de US$ 51 milhões. Em função do crescimento maior das compras brasileiras, capitaneadas por máquinas, instrumentos e aparelhos eletrônicos, o saldo negativo pulou para US$ 292 milhões no primeiro trimestre de 2012.

O déficit, no entanto, poderia ter sido maior, já que as compras de carros chineses caíram para menos de US$ 4 milhões no trimestre. Em volume, vieram 834 carros de janeiro a março deste ano, situação que está relacionada à forte importação do último trimestre do ano passado, quando as importações somaram 200 milhões e corresponderam a entrada de 31,4 mil automóveis. O movimento foi uma reação ao aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre o produto que passou a valer no fim de dezembro.

O resultado dos três primeiros meses no comércio entre Brasil e China acompanha a previsão para o ano. “Prevê-se desaceleração na produção deles de veículos e linha branca, gerando uma demanda menor por aço e energia que vai acabar impactando o preço das commodities exportadas pelo Brasil”, diz Silveira, que manteve a previsão de superávit de US$ 20 bilhões para a balança comercial do Brasil em 2012. “No fim do ano passado já prevíamos crescimento menor das vendas à China.”

A AEB também manteve a previsão feita em dezembro e vai esperar para refazer seus cálculos. “Trabalhamos com um superávit de US$ 3 bilhões. Com base na conjuntura atual eu o aumentaria para cerca de US$ 8 bilhões, mas o cenário pode mudar até julho, quando será feita a revisão”, diz Castro.

 


Após impasse, Código Florestal vai a votação com texto pró-ruralistas

O Estado de S. Paulo

A cinco dias da votação da reforma do Código Florestal, o relator da matéria na Câmara, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), deu por fracassada a tentativa de negociação com o governo para promover a anistia a desmatadores, como defendem seus colegas ruralistas. O texto, que vai à votação sem acordo, retira da versão aprovada no Senado a exigência de recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de rios.

“Vai ter batalha campal, não teve jeito de evitar. Vamos para o confronto e quem tiver mais voto vence”, desafiou. Um pouco antes, em reunião no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff reiterou a posição do governo de exigir a recuperação da vegetação nativa às margens de rios, entre 15 e 100 metros, dependendo da largura do rio. A regra tem atenuantes para pequenas propriedades. Dilma admite corrigir eventuais problemas que surjam no cumprimento da exigência, mas voltou a defender o texto aprovado no Senado em dezembro, fruto de um acordo.

Este texto, visto como meio-termo entre o que defendem ambientalistas e ruralistas, prevê a recuperação de 330 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa, segundo cálculos preliminares. “Pelo que pude observar, o relator insiste na anistia a desmatadores. Sua proposta traz insegurança jurídica”, reagiu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, após a reunião com Dilma, ao ser questionada sobre a proposta defendida por Piau. O deputado tirou do texto aprovado pelo Senado a exigência de recuperação das APPs às margens de rios. Seu plano era exigir que Dilma relaxasse ainda mais a regra para recuperar vegetação nativa às margens de rios e beneficiasse proprietários de até 15 módulos fiscais, o que representa até 1.500 hectares ou 15 km² na Amazônia. O relator também cedeu ao lobby dos produtores de camarão no Nordeste e tirou as áreas de apicuns e salgados – parte dos manguezais onde ocorre a produção – da lista de APPs. Essas áreas foram redefinidas como áreas de uso restrito, com regras mais flexíveis, como queriam os criadores de camarões. Na avaliação de Piau, seu texto não obterá o consenso na Câmara. “A pressão vem dos dois lados, mas todos sairemos felizes se tivermos juízo”, comentou.

Produtor rural e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, Piau não deixou dúvida que as mudanças foram inspiradas em teses ruralistas. “Não se pode penalizar o agricultor por uma culpa que não é  dele”, diz. Batalha campal. Parte dos integrantes da frente, porém, vem manifestando discordância da maneira radicalizada como o relator vinha conduzindo o debate. O deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR), ex-ministro da Agricultura, defendia uma posição mais moderada, que prevê a aprovação do texto do Senado. Ele lembrou que a aprovação do texto, como defende Piau, levará a presidente a vetar o projeto. O debate do Código Florestal, que já se arrasta há 13 anos, poderia voltar à estaca zero. Piau tem o respaldo do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), o primeiro a falar publicamente da hipótese de uma “batalha campal” na Câmara. O líder não reconhece o compromisso assumido na campanha eleitoral, pela então candidata Dilma Rousseff, de vetar uma eventual

anistia a desmatadores. “Compromisso com quem, com a sua base?”, ironizou. Dilma sofreu a principal derrota política de seu primeiro ano de mandato na votação

da proposta de Código Florestal, em maio.

 


Indústria morre sem inovação, diz Gerdau

Valor Econômico

Periodicamente os funcionários das 49 usinas que a Gerdau possui no mundo inteiro participam de um “programa de ideias”. É  uma competição para levantar propostas e projetos para a empresa. Segundo o empresário Jorge Gerdau, são levantadas as melhores ideias de cada país e depois as propostas, reunidas, concorrem entre si. As melhores ideias são premiadas.

Gerdau diz que a iniciativa, entre outras, foi adotada para evitar que uma boa ideia morra no chão de fábrica. Ele diz que a inovação depende de uma mudança comportamental que deve ser aplicada em toda a empresa. “A sobrevivência de uma empresa só vem com inovação. Líder sem processo de inovação não é líder. Inovar é  quase um processo darwiniano: é preciso se ajustar às mudanças”, diz. A declaração foi feita ontem no Seminário Internacional de Pequenos Negócios promovido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com apoio do Valor.

O empresário lembra, porém, que a inovação depende de uma mudança comportamental. “A globalização e a mudança dos cenários de competitividade exigem que nos ajustemos ao ritmo das velocidades que os processos de desenvolvimento tecnológico passaram a ter.” Sem a adaptação, diz, há riscos de um processo rápido de obsolescência do parque empresarial brasileiro. A pressão do mercado pressionando por processos inovadores é algo histórico, diz. “Mas como esse processo hoje está muito acelerado, é preciso que haja mobilização nesse sentido.”

Glauco Arbix, presidente da agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), também aponta para a necessidade de mudança. Ele diz que o atual plano nacional de ciência e tecnologia coloca a promoção da inovação das empresas como segunda prioridade. “É a primeira vez que um plano da área incorpora o item com essa relevância. As empresas, porém, não estão claramente no foco das políticas e as pequenas, menos ainda.”

O presidente da Finep diz que o investimento em inovação e tecnologia tradicionalmente foi tratado como subproduto do crescimento econômico e não como um pré-requisito para o desenvolvimento. A maior parte das empresas ainda inovam adquirindo equipamento novo. “Isso é importante, mas são poucas as empresas que inovam continuamente, com trabalho de diversificação de processos, com desenvolvimento de produtos novos. São poucas as que conseguem combinar suas atividade com pesquisa e desenvolvimento.” Uma das metas do governo, lembra Arbix, é aumentar o investimento em pesquisa das empresas de 0,59% do Produto Interno Bruto em 2010 para 0,90% em 2014.

Especialista em inovação, o professor Charles Edquist, da Lund University, da Suécia, diz que a implementação de uma política industrial demanda apoio político para a formulação de mecanismos de estímulo à inovação. Também precisam ser estabelecidas metas claras, avaliação do uso dos mecanismos e seus resultados. “Somente essa medição pode permitir ao formulador de políticas detectar onde estão os problemas e de que maneira se pode intervir.”

Para Edquist, existem pelo menos dez itens imprescindíveis para uma política pública voltada à inovação. Entre elas, algumas são relacionadas aos atores da inovação que, sejam públicos ou privados, devem ter recursos direcionados especificamente para pesquisa e desenvolvimento e deve haver criação de competências e capacitação. É preciso também, diz, que a política para inovação inclua o lado da demanda. Para o professor, são necessárias estratégias para criar mercados para novos produtos, fazer com que o consumidor crie uma demanda por bens e serviços de maior qualidade.

 


Argentina manda YPF acelerar produção

O Estado de S. Paulo

O ministro do Planejamento Federal, Julio De Vido, e o vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, ordenaram aos diretores da expropriada YPF que aumentem a produção da empresa imediatamente. O plano é reverter a queda de produção de petróleo e gás da YPF nos últimos anos e mostrar a suposta eficiência do governo da presidente Cristina Kirchner nas empresas estatais.

Além disso, o governo pretende “mostrar serviço” na YPF, e assim reverter a má imagem que a administração estatal teve nos últimos anos no país. Um dos casos emblemáticos é o da companhia aérea Aerolíneas, que após a reestatização, há  meia década, sempre fechou os anos com substanciais déficits.

De Vido e Kicillof, respectivamente designados pela presidente Cristina para o posto de interventor e vice-interventor da YPF, ordenaram a preparação de um plano para perfurar e reparar mais de mil poços de petróleo. Além disso, determinaram que a refinaria da YPF na cidade de La Plata, província de Buenos Aires, deverá aumentar sua produção em 8% de forma imediata.

Total. De Vido e Kicillof também anunciaram a abertura de negociações com a empresa francesa petrolífera Total, para ampliar a capacidade produtiva das jazidas de petróleo que a empresa possui em algumas áreas do país, em conjunto com a YPF. O plano do governo é aumentar em 2 milhões de metros cúbicos diários de gás a produção das jazidas nas áreas de Aguada Pichana e Aguada San Roque, na província de Neuquén. Ambas são responsáveis por 20% da produção de gás da Argentina.

Missão de paz. De Vido desembarcou ontem em Brasília com recados claros do governo argentino para transmitir ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e à presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster.

Primeiro, dirá que a investida oficial contra a Repsol não afetará a companhia brasileira. Segundo, que a estatal é fonte de inspiração para a nova YPF argentina, e por isso a presidente Cristina Kirchner gostaria de ter a Petrobrás entre as empresas associadas ao novo empreendimento.

De Vido vai reforçar o pedido de Cristina a Lobão, em fevereiro, para que a Petrobrás aumente seus investimentos no país vizinho. Um dos alvos do governo argentino seria a Refinaria Del Norte (Refinor), na qual a Petrobrás já detém participação minoritária (28,5%). Repsol-YPF tem 50% e Pluspetrol, 21,5%. Uma maior presença da Petrobrás seria uma forma de ajudar a Argentina. “A ideia é manter os atuais sócios, e que aumentem a presença nas companhias”, disse uma fonte da Agência Estado.

A Petrobrás também divide participação com a Repsol YPF em outra empresa na Argentina, a petroquímica Mega, que produz derivados de gás natural usados como matéria-prima na indústria petroquímica. A Petrobrás detém 34%, a YPF 38% e a Dow Chemical, 28%.

A nacionalização de 51% da YPF e da YPF Gás na Argentina afeta o controle acionário dessas duas empresas, já que a nacionalização terá um efeito cascata de expropriação de todas as participações da Repsol em empresas no país. A Petrobrás no Brasil preferiu não comentar se a troca de controle acionário provocará efeitos na companhia brasileira.

Outro possível pedido de De Vido pode ser a participação da Petrobrás em exploração offshore (em mar). Há pelo menos três anos, já era discutida a possibilidade de uma parceria entre a Repsol-YPF e a Petrobrás Argentina, subsidiária da holding brasileira, segundo fonte da companhia. Os argentinos estariam interessados em formações geológicas semelhantes às da Bacia de Campos e gostariam de ter a expertise da Petrobrás, bem como sua capacidade de investimento.