A COVA AMÉRICA de 2021 e a política genocida
A COVA AMÉRICA de 2021 e as entidades genocidas do futebol
Célula do PCB Pelotas-RS
Desde março de 2021, a América do Sul é o continente que tem mais mortes e contaminações pela Covid-19 no mundo. A média de mortes no continente é quase 4 vezes maior do que na Europa (segundo lugar deste ranking fúnebre). Os dados recentes da pandemia apontam que o Brasil tem 60% do número de mortes em toda a América do Sul, já chegando próximo de 500 mil pessoas que perderam suas vidas. A falta de vacinação na região, muito mais do que incompetência dos governos, demonstra que os grandes ricos e poderosos se utilizam da pandemia para dizimar o povo trabalhador. E, como se não bastasse tudo isso, a política econômica do governo brasileiro para agradar os ricos só tem aumentado o desemprego, a fome e a miséria todos os dias. Um governo que quer mais lucro para a burguesia e mais mortes para o povo trabalhador, esta é a palavra de ordem dos genocidas Bolsonaro e Mourão.
E é neste terrível cenário que a Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol) e o governo brasileiro impõem a realização da Copa América de Futebol na semana que vem. Não é de hoje que essa relação entre as entidades do esporte e do futebol (FIFA, Conmebol e CBF) se aliam à governos ditatoriais, fascistas e genocidas para disseminar seu projeto de sociedade burguesa exploradora e que mata nosso povo.
Os jogos olímpicos de 1936 expuseram o ideário de “supremacia da raça branca” advindos do nazifascismo de Hitler, inclusive com a negação do nazista de cumprimentar atletas negros na entrega das medalhas de ouro conquistadas por Cornelius Johnson e Jesse Owens no atletismo. De igual modo, a Copa do Mundo de Futebol de 1934 também foi instrumento da propaganda fascista de Benito Mussolini, incluindo até mesmo ações questionáveis dos árbitros para atuar em favor do país sede, ameaças aos atletas italianos caso não se sagrassem campeões do torneio, entre outros. Curiosamente (?!), a Itália foi sede da Copa e também sagrou-se campeã.
Nas ditaduras empresariais-militares da América Latina, nas décadas de 1960 a 1980, a Copa do Mundo de futebol foi utilizada como um mecanismo de propaganda dos regimes militares, propagando o suposto desenvolvimento econômico advindo dos regimes ditatoriais que se expressariam nas conquistas esportivas das seleções nacionais. O documentário produzido pelo jornalista Lúcio de Castro (2012) intitulado Memórias de Chumbo – o futebol nos tempos do Condor expõe a imbricada relação entre a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e os governos militares, especialmente na Copa da Argentina em 1978 e no Mundialito de Futebol realizado no Uruguai em 1980.
Expôs também a relação entre João Havelange (brasileiro ex-presidente da FIFA) e a realização dos eventos nestes países, que viviam em meio às ditaduras mais sanguinárias da história latino-americana, sendo ele condecorado pelo ditador argentino Videla durante a cerimônia de abertura da Copa de 1978. Inclusive, as palavras de João Havelange, recém-empossado na presidência da FIFA em 1974 com o voto da Federação Argentina de Futebol, eram: “o mundo terá a oportunidade de conhecer a verdadeira Argentina”. A Copa de 1978 foi realizada enquanto a mais sanguinária ditadura militar da América Latina estava em curso. A final da Copa foi realizada a 1km de distância da Escola Superior de Mecânica da Armada, local onde mais de 5 mil pessoas foram torturadas, estupradas e assassinadas. Os gritos de gol buscavam abafar os gritos de dor e sofrimento destas milhares de pessoas.
Tal utilização dos megaeventos esportivos para silenciar as mortes, prisões e torturas também foi observada na Copa da FIFA de 1970, quando a seleção brasileira de futebol foi controlada pelo regime militar, a ponto de incluir na delegação brasileira pessoas ligadas aos aparatos repressivos do regime. O Brigadeiro Jerônimo Bastos era o chefe da delegação brasileira e, para a chefia da segurança, foi nomeado o agente da repressão Major Roberto Ypiranga Guaranis, cujos arquivos da ditadura mostram seus papéis durante o período do regime militar. João Saldanha, então treinador da seleção brasileira, não permitia a presença destes agentes, fato que foi “resolvido” com a demissão do treinador do comando da seleção. A demissão de João Saldanha, a três meses de realização da Copa, se deu também por razões de sua ligação com o PCB e sua trajetória comunista. Como também era jornalista, trabalhou na cobertura da Copa pela BBC de Londres e teve seu pedido de credenciamento para cobrir as atividades da seleção brasileira negado pela Confederação Brasileira de Desportos (que depois veio a se tornar CBF). O ufanismo nacionalista que era exacerbado pelo ditador Médici na época remontava a ideais de que os atletas representavam o povo brasileiro, com sua alegria de jogar futebol e encantar o mundo que só poderia ser possível devido ao período chamado do “milagre brasileiro”, à custa de enormes restrições democráticas, de uma violenta repressão e muitos crimes contra o povo trabalhador.
Em 1980, a FIFA e a ditadura empresarial-militar no Uruguai promoveram a Copa de Ouro, um campeonato de futebol que foi organizado extraordinariamente naquele país. Ao mesmo tempo em que o governo militar, convicto dos “benefícios” da ditadura supostamente trazidos ao povo, organizou um plebiscito em que os uruguaios decidiriam se a Constituição seria alterada (alterações no sentido de legitimar o poder militar e de destruir as organizações da classe trabalhadora, acabando com direito de greve, por exemplo). O Mundialito, como ficou conhecida a Copa Ouro, foi realizado em dezembro de 1980 e o plebiscito, em novembro. De certa forma surpreendente, o “não” venceu na consulta, enfraquecendo o regime ditatorial na sua busca por legitimação, o qual se viu obrigado a convocar eleições para os próximos anos. Mas a questão a que chamamos a atenção é que mais uma vez os megaeventos esportivos organizados pela FIFA tiveram um papel político fundamental de defesa das ditaduras na América Latina, inclusive buscando legitimar uma consulta “democrática” que, mesmo com as possibilidades de fraudes, permitiu uma alteração substancial na política uruguaia por oposição ao que preconizavam os organizadores do Mundialito. Certamente que João Havelange não esperava ouvir, nos minutos finais do último jogo do torneio, a torcida uruguaia cantando no estádio e nas ruas: “Se va acabar! se va acabar la dictadura militar!”
No capitalismo, o futebol é uma mercadoria de um grande negócio. O que importa, em primeiro lugar, é a gigantesca lucratividade de empresas e empresários. Os governos a estes subordinados aproveitam o caráter populista e de grande consumo que a mercadoria futebol tem para propagandear seus projetos genocidas de poder.
Inicialmente, a “Cova América” de 2021 estava prevista para ocorrer na Colômbia e na Argentina simultaneamente. Porém, o levante popular do povo colombiano contra as reformas ultraliberais e antipopulares do governo e da burguesia colombiana fez com que a Conmebol cancelasse a realização dos jogos no país, para evitar o desgaste político que esta entidade teria ao realizar uma competição esportiva internacional em um contexto de muita luta popular. Alguns dias depois, o avanço da pandemia na Argentina e as medidas de restrição de circulação promovidas para evitar a disseminação da Covid-19 no país fizeram com que a Conmebol cancelasse os jogos naquele país, em vista que descumpririam as normas sanitárias vigentes.
A partir daí, abriu-se um leilão entre os países para serem sedes da “Cova América 2021” (não só sulamericanos, pois EUA e países do Oriente Médio também se candidataram) e, sem surpresas para ninguém, o governo Bolsonaro/Mourão se candidatou e venceu a concorrência para sediar os jogos. Nada mais favorável ao governo genocida e à burguesia atrasada que manda no país: colocar mais uma cortina de fumaça para esconder as mortes, a falta de vacinação, a miséria, o desemprego, os crimes ambientais do Estado brasileiro na Amazônia, a destruição dos direitos sociais através da reforma administrativa, a investigação da CPI da Pandemia, dentre tantas outras iniciativas terríveis para a população brasileira que o governo opera, “passando a boiada” enquanto o povo trabalhador assiste a reality shows e campeonatos de futebol.
Esse é o único motivo para a realização da “Cova América” neste momento no Brasil. Não há razões para comemorar gols enquanto já estamos chegando a meio milhão de mortes; enquanto as forças policiais realizam chacinas contra o povo negro e pobre nas periferias do Brasil; enquanto latifundiários milicianos atacam os povos indígenas na Amazônia com apoio do próprio Ministério do Meio Ambiente; enquanto trabalhadores e trabalhadoras são obrigados a trabalhar presencialmente e correm risco de morte e contaminação; enquanto não temos nenhuma perspectiva de vacinação que indique alguma melhora no quadro da pandemia. A Cova América 2021 não vai melhorar a condição de quem trabalha. O futebol não é mais importante do que a vida de ninguém. Mesmo que o Brasil vença, não temos nenhum motivo para comemorar.
E, se por um lado, a realização de megaeventos esportivos quer mascarar a dura realidade do país, por outro lado, sempre é bom lembrar que a Copa das Confederações de 2013 e a Copa da FIFA de 2014 (ambas no Brasil) também foram estopins para grandes lutas sociais de massa. À época, tanto o governo Lula (que apresentou a candidatura do Brasil para a FIFA) como o governo Dilma também usaram a Copa para mascarar as políticas de ajuste fiscal que se iniciavam e traziam muitos ataques aos direitos do povo trabalhador, incluindo as remoções forçadas de milhares de famílias para que fossem construídos os estádios para os jogos. Aliás, sempre é importante recordar que a Lei de Segurança Nacional – que hoje Bolsonaro usa para reprimir e perseguir militantes e ativistas – foi criada pelo governo Dilma (PT) em dezembro de 2013, para mostrar à FIFA toda a disposição do governo para reprimir manifestações contra a Copa e prender manifestantes (e foi o que realmente fizeram).
Já temos iniciativas de retomada das ruas pelo povo trabalhador, como foi a mobilização do 29M por “vacina no braço, comida no prato e Fora Bolsonaro/Mourão” e as próximas ações já estão em construção. O 19 de junho será a próxima agenda nacional; mais uma vez tomaremos as ruas do país inteiro por #ComidaNoPratoVacinaNoBraço.
Não à Cova América 2021!
Fora Bolsonaro/Mourão!
Poder para o Povo!