Kollontai: marxismo e revolução sexual

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Por Judith Stora-Sandor, via Obras Escolhidas, traduzido por Maitê Peixoto

Para historiadores dos movimentos comunistas dos últimos cinquenta anos, o nome de Alexandra Kollontai está ligado à primeira oposição importante que o Partido Bolchevique conheceu, em 1920, a Oposição Operária. Para o soviético médio, ela foi a primeira mulher na história a portar o título de Embaixadora, no entanto, o domínio pelo qual Alexandra Kollontai tinha predileção, a atividade que ela considerava como essencial em sua vida, exercia-se num plano completamente diferente.

Partidária, confiante da emancipação da mulher, ela pretendia liderar essa luta a partir de dois planos paralelos: a libertação econômica e a emancipação sexual. Ela exprimia, incansavelmente, em todos os seus escritos que a independência econômica não era suficiente para resolver os problemas das mulheres. Marxista, ela esperava a realização da revolução sexual a partir da revolução socialista e do advento de uma sociedade sem classes, que veria o esfacelamento da família.

Se essa última teoria era aceita por vários marxistas da época, as ideias de Kollontai sobre a nova moral sexual jamais foram partilhadas pelos dirigentes bolcheviques da época revolucionária – inclusive por Lênin – e seus escritos, assim como ela mesma, tornaram-se rapidamente objeto de escândalos. O puritanismo que vigorava no período stalinista apenas confirmou sua desgraça e se ao longo dos anos 1930 seu nome ainda era citado, de tempos em tempos, para servir como bode expiatório dos defensores da moral tradicional, logo ela não seria mais mencionada.

Nos últimos dez anos ela voltou a ser o centro das atenções na União Soviética, mas apenas algumas alusões muito discretas relembram suas ideias sobre o amor livre e a sexualidade, seu combate contra a “dupla moral”1. Uma seleção de textos publicados em Moscou, em 1972, não continha nenhum de seus escritos referentes à família. Numa época em que os movimentos de libertação das mulheres de diferentes países ocidentais se desenvolvem cada vez mais, parece-nos necessário retirar do esquecimento os textos de Alexandra Kollontai e apresentar, em língua francesa, as ideias defendidas por ela, a mais apaixonada e a mais ativa na causa das mulheres.

Quem foi Alexandra Kollontai? Deixemos que ela nos fale, ela que em sua autobiografia publicada na Encyclopédie Granat2, contou sua vida:

“Nascida em 1872, cresci numa família da nobreza latifundiária. Meu pai, um general russo, era de origem ucraniana. Quanto à minha mãe, finlandesa, tinha origem camponesa3. Eu passei minha infância e minha juventude entre Petrogrado e a Finlândia. Caçula da família e filha única do meu pai (era o segundo casamento de minha mãe), fui objeto de todos os cuidados e atenções por parte da minha numerosa família que conservava costumes patriarcais. Eu não estava indo à escola porque eles temiam que as más companhias me influenciassem. Aos 16 anos, estava apta a ingressar na universidade, tive aulas particulares e assisti conferências de história, literatura, etc. Meus pais me proibiram, igualmente, de assistir os cursos de Bestoujev4. Eu trabalhava bastante, principalmente sob a direção direta do célebre historiador de literatura, Victor Petrovitch Ostrogorski. Ele percebia dons literários em mim e me incentivava ao jornalismo. Casei-me muito nova, em parte movida por um sentimento de revolta contra os meus pais, mas depois de três anos eu me separei do meu marido, o engenheiro V. Kollontai, levando comigo meu pequeno menino (meu nome de solteira é Domontovitch).

Nesse momento, minhas concepções políticas começaram a ficar mais precisas. Eu trabalhava em sociedades de difusão de cultura que já serviam, por volta dos anos de 1890, de fachada para uma série de organizações clandestinas. Assim, pelo famoso ‘museu itinerante de assistência escolar do material didático’, nós estabelecemos contato com os presos da fortaleza de Schlüsselburg. Graças à nossa atividade nas sociedades de instrução e às lições que transmitíamos aos operários foi que pudemos estabelecer com eles um contato muito vívido. Organizávamos sociedades de caridade para recolher dinheiro para a Cruz Vermelha Política. O ano de 1896 foi decisivo na minha vida. Passei a primavera desse ano em Narva, na famosa fábrica de Kremgolskaïa. A visão da escravização de doze mil tecelões me impressionou profundamente. Nesse momento, eu ainda não era marxista e pendia mais para o ‘populismo’ e o terrorismo.

Depois de minha visita à Narva, pus-me a estudar o marxismo e a economia. Nesse momento saíram, uma após a outra, as duas primeiras revistas marxistas legais, Natchalo e Novoe Slovo. Essa leitura abriu, consideravelmente, os meus olhos. Eu acabara de encontrar a via que procurei com particular persistência durante minha visita à Narva. A famosa greve dos operários têxteis de Petrogrado, em 1896, a qual tomaram parte trinte e seis mil homens e mulheres, propiciou a definição das minhas ideias políticas. Com El. D. Stassova e um grande número de outros camaradas que ainda trabalhavam à margem do Partido, organizamos uma coleta em benefício dos grevistas.

Esse exemplo espetacular de crescimento da consciência do proletariado escravizado e privado de direitos me incitou, de maneira definitiva, a passar para o campo marxista. No entanto, eu ainda não trabalhava como publicista marxista e não tomava qualquer posição direta no movimento. Eu me considerava ainda pouquíssimo preparada. Em 1898, escrevi meu primeiro estudo sobre psicologia e educação. ‘Bases da educação segundo Dobrolioubov’. Ele foi publicado em setembro de 1898, na revista Obrazovanie, que ainda tinha um caráter pedagógico antes de se transformar em um dos órgãos legais que mais se apoiavam no pensamento marxista. Seu redator chefe era A. l. Ostrogorski. Em 13 de agosto desse mesmo ano, parti para o exterior para estudar ciências econômicas e sociais.

Em Zurique, ingressei na universidade para acompanhar os cursos do professor Herkner. A segunda edição de seu livro sobre a questão operária me interessara demasiadamente. Era caraterístico, quanto mais eu avançava no estudo aprofundado das leis econômicas, mais eu me tornava uma marxista “ortodoxa”, enquanto meu professor e orientador de estudos se tornava cada vez mais um homem de direita e se distanciava da teoria revolucionária de Marx, tornando-se, a partir da quinta edição de seu livro, um verdadeiro renegado. Foi um período curioso, quando ele apareceu no Partido Alemão, com a leviandade de Bernstein, numa tendência à conciliação prática aberta, ao oportunismo, ao ‘revisionismo’, quer dizer, à revisão da teoria de Marx. Meu venerado professor entoava elogios a Bernstein. Eu, no entanto, permanecia, resolutamente, à esquerda. Eu me entusiasmava por Kautsky, devorava a revista Neue Zeit que ele editava, e os artigos de Rosa Luxemburgo. Fiquei particularmente interessada por sua brochura ‘Reforma ou revolução’ na qual ela refutava a teoria integracionista de Bernstein.

Seguindo o conselho do meu professor, em posse de suas recomendações, parti, em 1899, para a Inglaterra com o objetivo de estudar o movimento operário inglês, o qual deveria, segundo ele, me convencer de que a verdade estava do lado dos oportunistas e não dos ‘esquerdistas’.

Eu cheguei até mesmo a receber recomendações de Sydney e Beatrice Webb, mas desde as nossas primeiras conversas compreendi que nós falávamos línguas diferentes e era sob a direção deles que eu começava a me familiarizar com o movimento operário inglês. Esse encontro, no entanto, me persuadiu no sentido contrário. Me mostrou toda a violência das contradições sociais existentes na Inglaterra e a impotência das reformas que buscavam lhes corrigir pela prática dos sindicalistas ou graças aos célebres assentamentos (células culturais nos bairros operários) do gênero de ‘Toymbee-Hall’, ‘Palácio do Povo’, cooperativas, clubes, etc.

Eu deixei a Inglaterra ainda mais convencida da precisão da concepção das pessoas de esquerda, dos marxistas ortodoxos, e retornei não para Zurique, mas para a Rússia.

Entrei em contato com os militantes das organizações operárias clandestinas desejando dedicar o mais rápido possível as minhas forças à ação verdadeira, à luta. Quando saí da Rússia, em 1898, todo apoio da vanguarda intelectual, os estudantes, tendiam para o marxismo. Os ídolos iam além de Beltov, Struve5 e Tougan-Baranovski6. Os populistas e os marxistas se enfrentavam numa luta feroz. As forças jovens, como Ilitch [Lênin], Maslov, Bogdánov, etc., elaboravam, na clandestinidade, o fundamento teórico da tática revolucionária do Partido Social-Democrata. Eu cheguei com a esperança de me colocar entre meus companheiros de ideias políticas, mas, no outono de 1899, a Rússia não era mais aquela do verão. Uma mudança se produzira, a ‘lua de mel’ da união entre o marxismo legal e o marxismo clandestino chegara ao fim.

O marxismo legal passou, abertamente, para o lado do grande capital industrial. A ala esquerda entrou na clandestinidade, defendendo, ainda mais resolutamente, a tática revolucionária do proletariado. Os estudantes e a intelectualidade se apaixonavam com muito mais força pelo revisionismo de Bernstein ao invés de se apaixonarem por Marx. Nietzsche e seu “autocratismo de espírito” viraram moda.

Eu lembro, como se fosse ontem, de um encontro organizado no apartamento do pai de El. D. Stassova, na rua Fourchtadskaïa, em prol da Cruz Vermelha Política. Struve fez uma conferência sobre Bernstein. O público ficou dividido, muitos militantes clandestinos estavam lá, contudo, o discurso de Struve foi acolhido com simpatia e aprovação. Apenas Avilov dirigiu-se contra Struve: tudo que brilhava e tinha nome nessa época apoiava Struve. Eu tomei a palavra. Concederam-na com hesitação, como que a alguém pouco conhecida. Minha defesa apaixonada dos ‘ortodoxos’ (esquerda) foi, em geral, desaprovada e acolhida com um dar de ombros indignado. Um achava que era de uma impertinência sem precedente tomar a palavra para se colocar contra autoridades reconhecidas como Struve e Tougan, outro dizia que tal ataque vinha de uma ‘reação’, um terceiro dizia que já tínhamos ultrapassado o estágio das ‘frases’ e que deveríamos nos tornar políticos realistas.

Nessa época, eu escrevia artigos contra Bernstein, sobre o papel da luta de classes, defendendo os ‘ortodoxos’ na revista Naoutchnoe Obozrenie, mas a censura considerou que os meus textos eram impublicáveis e grifou-os em vermelho e azul. Decidi, então, dedicar-me a um trabalho científico no domínio da economia.

Eu tinha guardado vínculos reais com a Finlândia. Enquanto isso, o povo finlandês teve que passar por um período de violência e opressão por parte da autocracia russa. As bases da autonomia do povo eram abaladas, a constituição, as leis do país escandalosamente pisoteadas. Teve início a luta entre o povo finlandês e a autocracia russa. Eu estava de todo o coração ao lado dos finlandeses e não somente por minha simpatia intelectual: eu via na Finlândia a força crescente do proletariado industrial a qual poucas pessoas tinham consciência.

Percebendo os sinais acentuados dos antagonismos de classe e a formação de uma nova Finlândia operária que fazia contrapeso aos partidos nacionalistas burgueses – suecos, finlandeses, pequeno-finlandeses – eu entrei em contato direto com os camaradas finlandeses para ajudá-los na organização do primeiro fundo de greve. Meus artigos sobre a Finlândia foram publicados, em 1900, na revista econômica alemã Soziale Praxis, na Naoutchnoe Obozrenie, na Obrazovanie. Um artigo de estatísticas baseadas em pesquisas concretas foi publicado na revista Rousskoe Bogatstvo. Ao mesmo tempo, entre 1900 e 1903, juntei material para uma importante obra sócio-estatística sobre a Finlândia, que foi publicada sob o título, inocente para a censura, de “A vida dos operários finlandeses”.

Esses anos não foram, evidentemente, dedicados, somente, para os meus trabalhos literários e científicos. Aconteceu de eu participar de atividades clandestinas, mas, sobretudo, à margem do Partido, tais como dirigir os círculos no bairro de Nevskaia Zastava, redigir chamados, guardar e distribuir publicações ilegais, etc.

Em 1901, parti para o exterior. Atuei pessoalmente com Kautsky, Rosa Luxemburgo, Lafargue, em Paris, e Plekhánov, em Genebra. Na Zaria foi publicado um de meus artigos sobre a Finlândia, sem assinatura, e na revista Neue Zeit, de Kautsky, foi publicado um artigo meu sob o pseudônimo de Helena Astuta. Daí em diante mantive contato constante com meus camaradas no exterior. No início de 1903, foi publicado meu livro A vida dos operários finlandeses, pesquisa econômica sobre a situação dos trabalhadores finlandeses e sobre o desenvolvimento da Finlândia. Ele foi redigido no espírito marxista e os militantes clandestinos acolheram-no muito bem, mas muitos marxistas legais manifestaram sua desaprovação.

Em 1903, tomei pela primeira vez a palavra numa reunião pública organizada por estudantes da Santa Tatiana para opor à concepção idealista do mundo, a concepção de mundo socialista. No verão deste mesmo ano eu parti, novamente, para o exterior. Era a época das revoltas camponesas na Rússia. Os operários do sul se levantavam. Os espíritos foram libertados. Duas forças antagônicas se opunham de maneira cada vez mais feroz: a Rússia clandestina caminhando em direção à revolução e a autocracia obstinadamente agarrada ao poder.

O grupo Osvobojdenie, com Struve na sua direção, ocupava uma posição intermediária. Muitos dos meus amigos íntimos se juntaram aos membros do grupo vendo neles a ‘força real’ e considerando o socialismo puro como uma utopia na Rússia de então. Eu precisei me separar brutalmente dos meus recentes companheiros de armas e dos meus amigos políticos. Na emigração socialista, as discussões continuavam, agora não mais entre populistas e marxistas, como nos anos precedentes, mas entre mencheviques e bolcheviques. Eu tinha amigos nos dois campos, mas me sentia mais próxima dos bolcheviques. Eu admirava sua intransigência e seu espírito revolucionário, mas o prestígio e a personalidade de Plekhánov me continham em condenar os mencheviques.

Quando retornei do exterior, em 1903, não aderi a nenhum dos grupos do partido, oferecendo às duas frações a possibilidade de me utilizar como agitadora, redigindo proclamações e outras tarefas corriqueiras. Fui surpreendida na rua pelo O Domingo Sangrento, de 1905. Eu me dirigia, junto a outros manifestantes, para o Palácio de Inverno e a visão do massacre cruel dos operários desarmados ficou gravada para sempre na minha memória, um dia de janeiro extraordinariamente ensolarado, olhares confiantes à espera de um sinal fatídico das tropas dispostas em torno do palácio…, mar de sangue sobre o branco da neve, os chicotes de couro, os gritos, os policiais, os mortos, os feridos…, as crianças fuziladas. O Comitê do Partido desconfiava dessa manifestação do dia nove de janeiro. Um grande número de camaradas que se encontraram nas reuniões operárias convocadas para esse fim tentou dissuadir os operários de participarem dessa manifestação que lhes parecia ser uma provocação, uma armadilha. Quanto a mim, eu acreditava que era preciso estar lá. Essa manifestação provava a determinação da classe operária, era uma escola de atividade revolucionária. Eu estava encantada pelas decisões do Congresso de Amsterdã sobre as ‘ações de massa’.

Depois das jornadas de janeiro, a atividade clandestina retornou com ainda mais energia e mais força. Os bolcheviques de Petrogrado começaram a editar o seu jornal clandestino (o qual não me recordo mais o nome). Eu colaborava não apenas como jornalista, mas também me ocupando dos problemas técnicos da edição. Entre os manifestos que eu redigia naquele momento, aquele no qual eu me pronunciei por uma Assembleia Constituinte e contra o Zemskii Sobor teve particular sucesso.

Tendo conservado, durante todos esses anos, um contato estreito com a Finlândia, eu contribuía ativamente para a unidade de ação dos dois partidos social-democratas, russo e finlandês, dirigida contra o czarismo.

Fui uma das primeiras socialistas russas a assentar os fundamentos de uma organização de mulheres operárias, organizando encontros especiais em sua intenção, etc. A partir de 1906, eu defendi a ideia de que a organização das operárias não deveria ser autônoma, mas que deveria existir dentro do partido um escritório especial ou uma comissão para defender e representar os seus interesses.

Trabalhei com os bolcheviques até 1906. Eu me separei deles quando surgiu a questão da participação dos operários na Primeira Duma do Estado e a questão do papel dos sindicatos.

Entre 1906 e 1915, fiz parte da fração menchevique e, a partir daquela data, tornei-me membro do Partido Comunista Bolchevique. Em 1908, fugi da Rússia porque eu era acusada em dois processos, um por organização das operárias do setor têxtil e outro pela convocação à insurreição que fizera na brochura “A Finlândia e o socialismo”. Vivi como exilada política do final de 1908 até 1917, isto é, até a primeira revolução burguesa. No exterior, aderi imediatamente ao partido alemão, depois ao partido belga, etc. Eu militava na qualidade de ‘agitadora’, escritora, propagandista, na Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Itália, Dinamarca, Noruega e Estados Unidos (1915-1916).

Fui presa na Alemanha durante a guerra, expulsa da Suécia e presa novamente por propaganda antimilitarista. Apesar disso, eu militava sistematicamente durante os anos de guerra na União de Zimmerwald contra a II Internacional e pelo internacionalismo. Nos Estados Unidos, a convite do grupo alemão do partido socialista americano, na Noruega e na Suécia servindo, clandestinamente, a Rússia.

De volta à Rússia, em 1917, fui a primeira mulher a ser eleita para o Comitê Executivo do Soviet de Petrogrado e, em seguida, [eleita] membra do Comitê Executivo Panrusso. Antes da revolução bolchevique, fui presa, juntamente com outros líderes bolcheviques, pelo governo de Kerensky, mas fui liberada pouco antes da Revolução Bolchevique de Outubro a pedido do Soviet de Petrogrado.

No momento da revolução bolchevique, eu era membra do CC do Partido Bolchevique e me pronunciei pela tomada do poder pelos operários e pelos camponeses. Fui Comissária do Povo para o Bem-estar Social no primeiro gabinete do governo bolchevique revolucionário.

Desde o meu retorno à Rússia eu me ocupei da organização das operárias. A partir de 1920, fui responsável pelo setor feminino do partido pela organização das trabalhadoras. Como Comissária do Povo para o Bem-estar Social, promulguei decretos pela proteção e pela seguridade materna e da infância. Fui representante comercial plenipotenciária da U.R.S.S. a partir de maio de 1923, na Noruega, e em seguida integrada ao corpo diplomático na qualidade de Embaixadora, em maio de 1924, e, finalmente, Ministra Plenipotenciária enviada extraordinária da U.R.S.S. na Noruega, em agosto de 1924.

Eis a lista das minhas obras mais importantes de teoria socialista e de economia: A situação da classe operária na Finlândia (1903), A luta de classes (1906), Primeiro calendário operário (1906), Bases sociais da questão feminina (1908), A Finlândia e o socialismo (1907), Sociedade e Maternidade (600 páginas), Para quem a guerra é necessária? (tiragem de milhares de exemplares), A Nova Moral e a Classe Operária e mais um grande número de artigos, crônicas sobre os problemas sexuais e de literatura de propaganda contra a guerra e pela libertação das mulheres trabalhadoras”.

Essa autobiografia, que se encerra em 1924, pode ser completada em poucas frases, no entanto, restava ainda à Kollontai vinte e seis anos de vida. Ela continuava exercendo uma carreira diplomática que nada podia parar. Não se exclui a hipótese de que ela deveu sua vida ao distanciamento da União Soviética. Em efeito, todos os velhos bolcheviques que tomaram parte ativa numa oposição qualquer no seio do partido pereceram durante os expurgos stalinistas.

Ora, Kollontai, uma das lideranças da Oposição Operária, da qual falaremos mais adiante, sobreviveu. De 1926 a 1927, ela dirigiu a delegação diplomática soviética no México. Por motivos de saúde – ela era cardíaca – solicitou sua transferência, a qual obteve, retomando o seu posto na Noruega até 1930. De 1930 a 1945, ela foi Embaixadora na Suécia e desempenhou um papel ativo na preparação do Tratado de Paz com a Finlândia. Em 1945, ela retornou a Moscou, onde terminou sua vida pacificamente. Veio a falecer no dia 9 de março de 1952.

Nenhuma das três biografias existentes de Kollontai são isentas de preconceitos7. Elas nos fornecem, no entanto, um certo número de informações que não poderiam figurar numa autobiografia “oficial”. É bem verdade que sua vida de militante ocupou a maior parte do seu tempo, mas, segundo sua própria confissão, sua vida sentimental não era independente de suas ideias políticas.

Ela sempre tentou viver de acordo com as suas ideias acerca do comportamento de uma mulher emancipada. Esforçou-se para nunca colocar em primeiro lugar na sua vida as suas preocupações amorosas. Era uma mulher muito bonita, culta e elegante, oradora de um grande talento que se exprimia com facilidade em várias línguas. Segundo todos os que a conheceram, ela era extremamente sedutora. Suas biografias são muito discretas sobre sua vida sentimental durante os anos em que viveu na clandestinidade. Ainda mais célebre é sua história de amor com Pavel Dybenko, um dos heróis da revolução, o chefe dos marinheiros do Báltico. Dybenko, de origem camponesa, um homem muito bonito, era bem mais jovem que Kollontai. Como os velhos preconceitos que Kollontai combateu durante toda a sua vida ainda estavam muito vívidos, mesmo entre os bolcheviques, ela terminou por ceder à opinião pública e, por insistência de seu amante, casou-se com ele sob a nova lei soviética. O casamento durou apenas alguns anos. Dybenko desapareceu mais tarde, ele foi fuzilado em 1938. Um destino semelhante aguardava um outro homem com o qual Kollontai fora ligada, Chliapnikov, um dos líderes da Oposição Operária.

Kollontai era muito criticada por sua elegância, seu gosto por vestimentas com bons cortes. Ela conservou certa amargura a esse respeito, sobretudo quando essas críticas lhe eram endereçadas em períodos de miséria nos quais ela possuía um único vestido que portava com muita distinção. Seu aspecto físico fez jorrar muita tinta durante os primeiros anos de sua missão diplomática. A primeira embaixadora da história, representante do único Estado do mundo onde o partido dos trabalhadores tomou o poder, não tinha passado indiferente pela imprensa ocidental. Os jornais parisienses da época descreviam com uma certa complacência irônica suas vestimentas, com fotografias que provassem essa ironia. Insinuaram que o governo soviético a tinha endereçado advertências em função de seus “gastos de representação muito elevados”8. Conforme sua idade avançava, os jornalistas se desinteressavam pela “bela embaixadora”, fato que confirmava perfeitamente bem as convicções de Kollontai sobre os preconceitos de uma sociedade dirigida pelos homens.

Retornemos à sua autobiografia, que é muito interessante em vários aspectos.

A história de suas atividades como militante na clandestinidade ocupa a maior parte do texto, enquanto a metade de uma página pareceu suficiente para relatar a sua vida depois de 1917. Nisso a obra se parece com todas as outras autobiografias publicadas nessa época9. A de Alexandra Kollontai contém duas omissões significativas. Em uma parte ela não menciona a sua participação na Oposição Operária, em outra ela não faz nenhuma alusão às suas ideias sobre a sexualidade, somente uma frase discreta na sua bibliografia assinala que ela era a autora de “um grande número de artigos, de contos sobre os problemas sexuais…”, entre outros.

Existe, ainda, uma segunda autobiografia de Kollontai publicada em alemão, em 1926, na cidade de Munique10. Ela é um pouco mais detalhada do que aquela da Enciclopédia Granat, mas seu interesse vai além. Ao revisar o texto, Kollontai suprimiu um número bastante considerável de frases. A versão original foi conservada e duas edições recentes, uma em alemão e outra em inglês11, foram reproduzidas incluindo as frases suprimidas.

O que poderia ter acontecido entre a redação da primeira versão e a revisão da segunda?

Não temos como saber. É provável que amigos, vivendo em Moscou e conhecendo melhor que ela a atmosfera da capital soviética, que havia se instalado ali apenas em pequenos intervalos de tempo, aconselharam-na fazer uso da prudência. Examinando as duas variantes, constatamos que a autocensura de Kollontai se exercia, principalmente, sobre os mesmos temas na sua autobiografia oficial: suas ideias sobre a emancipação sexual da mulher e o lugar que ela ocupara na Oposição Operária, na qual foi uma das agitadoras ao lado de Schiapnikov.

O projeto original já continha uma vaga alusão a esse período de sua vida, no qual, pela primeira vez desde o seu alinhamento com os bolcheviques, ela correu o risco de ser excluída do Partido. Em 1918, quando ocorreram os debates sobre o Tratado de Paz de Brest-Litovsk12, ela perde o seu lugar no Comitê Central, mas continua exercendo um papel ativo como militante.

As teses da Oposição Operária que se formou no interior do Partido, em 1920, são expostas numa brochura redigida por Kollontai, no ano de 1921. Denunciando a burocracia, tanto no interior do Partido quanto em todos os níveis do Estado Soviético, ela insistiu sobre o papel dos sindicatos, verdadeiras organizações de massa dos trabalhadores:

A produção e sua organização constituem a essência do comunismo. Excluir os trabalhadores da organização da produção, privá-los (eles ou suas próprias organizações) da possibilidade de criar novas formas de produção na indústria por meio dos seus sindicatos, recusar suas expressões de organização de classe do proletariado para confiar inteiramente na habilidade de especialistas habituados e treinados para operar na produção sob um sistema completamente diferente, é abandonar os trilhos do pensamento marxista científico. No entanto, é exatamente isso o que estão fazendo os dirigentes do nosso partido13.

A Oposição Operária, naquele III Congresso da Internacional Comunista, negou o seu apoio e foi condenada no XI Congresso do Partido, em 1922. Apesar da recomendação do Comitê Central, seus membros não foram expulsos do Partido, mas, como sinal de sua desgraça, bem como para se desvencilhar dela, o Comitê Central enviou-a para a Noruega.

Sua missão diplomática só interveio mais tarde. Mesmo longe de Moscou, suas preocupações não terminavam. Stálin, que em 1923 era o Secretário Geral do Partido, já tinha começado sua luta para suceder Lênin, que estava meio paralisado e praticamente privado por completo do contato com o mundo exterior. Era importante para Stálin conhecer as intenções dessa antiga opositora.

Foi sem dúvidas por influência de Stálin que artigos assinados por “A.M.K.” começavam e ser publicados regularmente no Pravda. Os seus artigos tratavam de ideias sobre a família, o casamento, os problemas sexuais que constituíam, até aqui, o interesse de Kollontai, mas eles estavam deformados e exagerados de tal maneira que suscitavam apenas ataques.

Kollontai voltou apressadamente da Noruega. Convocada muitos dias seguidos por uma comissão de controle para prestar esclarecimentos acerca dos seus relatórios perante os membros da Oposição Operária, ela acabou solicitando uma audiência com Stálin para pedir sua ajuda. Depois dessa audiência, os artigos pararam de aparecer e a comissão não lhe enviou mais convocações14. Esse foi sem dúvida o primeiro passo dado por ela em direção ao seu alinhamento com Stálin, na sua luta contra Trótski.

Em 1925, ela envia para os arquivos do Partido cartas que Lênin lhe endereçara durante a guerra. Uma dessas cartas continha a opinião pessoal de Lênin sobre Trótski, o qual ele tratava como “elemento hesitante” com o qual era “perigoso se deixar engolfar”15. Em 1926, ela se recusou a se juntar à Oposição dirigida por Trótski. Em 1930, tomou posição clara a favor de Stálin em dois de seus artigos publicados no Pravda16.

Dando um passo atrás nas atividades políticas depois da derrota da Oposição Operária, Kollontai continuava exprimindo suas ideias sobre a libertação da mulher e sobre a nova moral, mas, a partir de 1920, cada um de seus escritos suscitou controvérsias apaixonadas, ataques ácidos. Ela fez alusão a esses ataques em sua autobiografia. Basta ler atentamente as frases que Kollontai preferia não ver impressas, em 1926, para perceber a atmosfera repressiva que devia reinar na União Soviética naquela época.

Eis aqui, como exemplo, um dos parágrafos suprimidos:

Quando, de tempos em tempos, alguém me dizia que era realmente extraordinário que uma mulher fosse nomeada a um tal posto de responsabilidade [como embaixadora], eu me dizia sempre que no fim das contas a vitória principal referente à libertação das mulheres não residia nesse único fato. O que adquire um significado particular nesse caso é o fato de que uma mulher como eu acertou suas contas com a dupla norma moral sem nunca se esconder, sendo aceita numa casta onde até o presente se apoiava firmemente a tradição e a pseudomoralidade. Assim, minha vida pode servir de exemplo para caçar o velho espectro da dupla moral na vida de outras mulheres também. Esse é o ponto crucial da minha própria existência, que tem um certo mérito social e psicológico e contribui para a luta pela libertação das mulheres trabalhadoras17.

Além dos seus estudos, panfletos, brochuras, etc., Alexandra Kollontai também tentou o caminho literário. O objetivo da sua criação literária era representar o novo tipo de mulher cujo advento se daria na sociedade comunista. As reações provocadas por suas três novelas, publicadas pela primeira vez em 1923 sob o título comum de “O amor das abelhas trabalhadoras”, foram particularmente violentas.

Em 1936, ainda quando da discussão sobre o novo Código da Família, um dos oradores citou a novela intitulada “O amor de três gerações” para condenar, sem dó, sua “libertinagem pequeno-burguesa” dos anos vinte. A coleção publicada em alemão, em 1926, não teve uma acolhida muito favorável por parte do Partido Comunista Alemão. Um dos argumentos do autor do relatório no órgão do Comitê Central contra a heroína da novela é muito surpreendente, “ela estima que não é um bom sinal para um comunista ter ideias tão avançadas a ponto das visões de homens razoáveis do passado lhe parecerem estranhas”18.

Em 1927, foi publicado o último escrito de Alexandra Kollontai, um romance intitulado “Um grande amor”. Supomos que a intriga do romance seja inspirada na ligação de Lênin com Inessa Armand19. Parece que nenhum relatório crítico foi dedicado na imprensa soviética à última obra de Alexandra Kollontai.

Uma das armas mais absolutas e mais eficazes da estratégia stalinista, o silêncio, foi também empregado contra Kollontai. Marcel Body20 constata com estupor que nenhum artigo necrológico foi publicado na imprensa soviética na ocasião da morte dessa velha bolchevique, companheira de Lênin. O silêncio foi rompido por volta do final dos anos 50, quando parte das memórias de Kollontai foi publicada21. Artigos e alguns estudos se seguiram e uma biografia foi publicada, em 1964. A história de sua vida, mais ou menos romanceada, foi editada em 1970, e, para o centésimo aniversário de seu nascimento, lançaram um filme consagrado à sua carreira diplomática.

Apesar desse interesse renovado, Alexandra Kollontai não saiu ilesa do longo esquecimento stalinista. Sua obra foi truncada na sua parte mais original. Em efeito, se a sua luta pela emancipação política e econômica da mulher é relatada com bastante fidelidade, suas ideias relativas à nova moral sexual são pudicamente escamoteadas em todas as fontes soviéticas.

II

As ideias de Alexandra Kollontai sobre a desagregação da família partem da análise de Marx e Engels, reconhecida como base para a reflexão entre os socialistas da época. Sem dúvida, a família burguesa teve o seu tempo, uma nova sociedade irá engendrar uma nova forma de relação entre os sexos. Mas enquanto grande parte das ideologias se contenta em deixar para mais tarde a resolução do problema, diga-se de passagem, um problema capital, Kollontai se esforçou para sair das generalizações.

Como Auguste Bebel no seu livro “A Mulher e o Socialismo” (1879), ela denunciou com naturalidade que o casamento oprime as mulheres de todas as classes. Na sua primeira obra dedicada ao problema feminino, “As bases sociais da questão feminina” (1909), apoiando-se na argumentação de Engels, ela analisa a crise da família em todas as classes da sociedade.

Graças ao desenvolvimento da produção capitalista, a família burguesa, enquanto célula produtiva, não cumpre mais o seu antigo papel. Os objetos de primeira necessidade não são mais fabricados no seio da família. A educação das crianças escapa cada vez mais dos pais pequeno-burgueses que confiam suas crianças a estabelecimentos de ensino público. Uma das funções essenciais da família, o consumo, reduz-se paulatinamente, a moradia familiar é frequentemente substituída por restaurantes, casas mobiliadas, hotéis, etc. (Essa última afirmação, um pouco apressada, foi modificada mais tarde pela autora em um panfleto escrito em 1918, “A Família e o Estado Comunista”, onde ela descreve a família como unidade de consumo, e não como uma unidade produtiva).

O papel principal da família burguesa é a transmissão, em linha direta, do patrimônio adquirido. À luz dessa constatação, a máscara da hipocrisia expressa em frases tais como “o amor conjugal”, “a união de dois corações que se amam”, encobre os interesses econômicos, caiu definitivamente. Além do adultério, largamente praticado pela burguesia, também o número crescente de divórcios soa como uma sentença de morte para o mito do casamento monogâmico feito por contrato “para o melhor e para o pior” em nome de um amor eterno. Outro fator que mina a solidez dessa família burguesa é a tendência das mulheres, de diferentes camadas da burguesia, buscarem um emprego assalariado já que, como consequência, a onipotência econômica do chefe de família se reduz notadamente.

A família camponesa, com sua estabilidade, tende igualmente a se modificar à medida que as relações de produção capitalistas se desenvolvem. Se é verdade que a passagem “da grande família patriarcal” à “pequena família” garantiu maior independência à mulher camponesa, ela, por outro lado, suporta cada vez menos a manutenção dos antigos costumes de outra época que ainda regem a sua vida. Na Rússia, onde o trabalho sazonal mobiliza centenas de milhares de trabalhadores agrícolas, onde homens e mulheres deixam suas casas durante vários meses por ano para ganhar um salário agrícola, a mentalidade da camponesa se modificou sensivelmente, os elos familiares não têm mais a mesma importância de antes.

Quanto ao proletariado, a família nessa classe social tem apenas uma existência nominal. Kollontai dá uma descrição dramática da miséria da proletária, esposa e mãe. A operária, depois do seu trabalho extenuante na usina, deve se ocupar dos trabalhos domésticos. Suas crianças ficam abandonadas, desde a primeira idade, aos cuidados da rua, isso quando não morrem antes. A mortalidade infantil, os abortos espontâneos devido aos trabalhos pesados, os abortos clandestinos, frequentemente mortais, são fatos cotidianos na vida das mulheres proletárias. Nesse caso, quem ousaria falar na “santidade da família”?

Foi no seio do proletariado que o verdadeiro processo de desintegração da família começou. Mas a classe proletária não é apenas o lugar onde a moral burguesa se decompõe, ela também contém em si os germes da nova moral. A união livre, o amor livre que as feministas de esquerda proclamam de cor e salteado, é, muitas vezes, visto dentre os operários, imposta, é verdade, pelas necessidades econômicas. Mas, este é o problema principal da mulher trabalhadora?

Quer ela seja casada, ou não, as obrigações familiares, o cuidado com as crianças, lhe são atribuídos da mesma maneira. Esses verdadeiros problemas são de ordem econômica e eles vão cessar, somente, com o fim das relações de produção atuais. O Estado tomará para si todas as funções da família. As coletividades sociais serão organizadas para assegurar as tarefas das famílias individuais, assim, a mulher trabalhadora ficará livre das restrições impostas pelo duplo fardo do trabalho assalariado e das tarefas domésticas e quando a mulher, livre de todas as limitações de ordem econômica, escolher livremente seu parceiro, somente então se realizará o sonho das feministas: a união livre dos indivíduos livres.

A paixão e o entusiasmo de Kollontai, que muitas vezes envolvem sua pena nas descrições idílicas de um futuro radioso, não apagam sua lucidez. Ela sabia perfeitamente que nenhuma revolução poderia mudar, da noite para o dia, os costumes profundamente ancorados na mentalidade de homens e mulheres. A moral sexual, assim como a psicologia humana, deveria passar por uma evolução profunda. O “amor livre” permanece como expressão vazia de sentido enquanto as relações entre os sexos continuam dominadas pelos sentimentos de ciúmes, pela vontade de possuir o outro, corpo e alma, e por esse medo intrusivo da solidão que toma conta, sobretudo, das mulheres, habituadas, depois de séculos, a enxergarem no amor o único meio de sua existência. A contribuição mais original do pensamento de Kollontai diz respeito aos problemas do amor e foram precisamente essas ideias que serviram de alvo para os ataques mais ferozes.

A nova moral e a classe operária, escrito em 1918 e que reproduzimos aqui por inteiro, é, entre os escritos de Kollontai, aquele no qual ela expõe de maneira mais aberta as suas ideias sobre a sexualidade. Diríamos, hoje, que é o seu “credo” sobre a revolução sexual. O ponto de partida de suas reflexões é um livro sobre “a crise sexual” de uma autora alemã, Greta Meisel-Hess, publicado em 1910. Existe, segundo Meisel-Hess, três formas fundamentais de relação entre os sexos: o casamento legal, a prostituição e a união livre. O exame dessas três formas nos conduz à uma constatação de falha. O casamento legal, fundado sobre o princípio da “indissociabilidade” e sobre “a ideia de possessão absoluta dos cônjuges, um pelo outro”, leva, inevitavelmente, ao adultério e à prostituição.

A segunda forma de união entre os sexos tem consequências muito graves sobre a psicologia tanto feminina quanto masculina. Um dos fenômenos que daí decorre é a ignorância quase completa dos homens não somente acerca da psicologia como, também, da psicologia feminina. O homem e a mulher, deformados por essas formas imperfeitas de relações psicossexuais, são incapazes de viver relações amorosas harmoniosas e florescentes, mesmo quando se trata de uma “união livre” como, por exemplo, e em princípio, qualquer limitação de ordem econômica ou social.

A humanidade carece de “potencial amoroso” e a sociedade capitalista, fundada sobre a concorrência, sobre a luta pela vida, que leva à ausência de comunicação entre os membros dessa sociedade, não poderia remediar essa pobreza afetiva. As reivindicações dos socialistas são necessárias, claro. A independência econômica da mulher, a proteção da infância e da maternidade, a supressão da noção de filho ilegítimo, a liberdade de divórcio, etc., são reformas sem as quais a igualdade das mulheres não poderia ser realizada. Mas nenhuma medida social ou jurídica pode resolver a crise sexual.

Uma transformação profunda da psicologia deve acompanhar a transformação da sociedade. “O grande amor”, união profunda da alma e do corpo, é, e continuará sendo sempre, o ideal da humanidade. Mas poucos são aqueles capazes de viver essa experiência. Os outros devem passar por uma espécie de “escola do amor”, que Kollontai, depois de Meisel-Hess, chamou de “o amor-jogo” ou “amizade erótica”.

O amor-jogo está fundado sobre a estima recíproca dos parceiros, o respeito do “eu” e do outro, uma atitude dedicada e atenciosa que exclui a vontade da dominação que normalmente caracteriza as relações amorosas. No amor-jogo, a mulher guardaria a mesma independência afetiva que o homem e seria ainda mais capaz de manter tais relações amorosas se perdesse o hábito de enxergar o amor como essência de sua vida.

No plano prático, a sociedade deve reconhecer todas as formas de união entre os sexos, o ideal sendo a “monogamia sucessiva” (diz respeito, preferencialmente, à união livre e não ao casamento por registro). Para que a mulher não seja vítima de relações passageiras que a deixaria só e sem recursos, de um lado a sociedade tem a obrigação de socorrê-la durante suas gestações, e de outro ela deve estar preparada para a vida profissional, precisa sair do isolamento de sua casa. Mas é suficiente decretar que o princípio da liberdade deve ser o fundamento de toda relação entre os sexos? Essa escola do amor que é o “amor-jogo” levará, obrigatoriamente, ao cruzamento do “potencial amoroso” da humanidade?

Contanto que se trate da sociedade capitalista e da classe burguesa, Kollontai respondeu com um não. Ela coloca toda sua esperança na classe ascendente, o proletariado, no qual os interesses comuns de classe fazem nascer esse espírito de solidariedade e de camaradagem que determinarão as novas relações entre os sexos. No Abram caminho ao Eros Alado, artigo de 1923, ela descreve a nova forma de amor que chamou de “amor camaradagem”. União livre, casamento legal ou ligação passageira, a fórmula pouco importa, desde que o amor seja “multiforme” por natureza. É o conteúdo espiritual e moral desse amor que lhe confere o seu valor.

Na primeira fase de desenvolvimento da sociedade socialista, a ideologia proletária exige que o amor individual seja subordinado ao “amor-dever” direcionado à coletividade. A nova grande força psíquica que determina as relações amorosas é a solidariedade-camaradagem. O “Eros sem asas” (a atração puramente física) cede lugar ao “Eros alado”, que não exclui a concordância dos corpos, mas no qual o dever em relação à coletividade precede os sentimentos amorosos individuais.

Ideal bem austero, reconhece Kollontai, mas ele é temporário. A sociedade comunista verá o advento de uma nova forma de amor, o “Eros transfigurado”, no qual a união dos sexos será fundada sobre a atração sexual saudável, livre e natural”. Kollontai está profundamente convencida de que a definição de moral sexual é uma tarefa importante e que, portanto, ela deve ser realizada no processo de transformação das bases econômicas da sociedade. Esse é um dos pontos, como veremos adiante, onde ela encontrava uma forte oposição por parte de outros dirigentes bolcheviques.

Kollontai não era somente uma teórica. Como Comissária do Povo para o Bem-Estar Social, ela se esforçou para colocar em prática as medidas necessárias para libertar as mulheres das pesadas tarefas de sua vida cotidiana. “A separação entre cozinha e casamento” era uma das principais palavras de ordem pós-revolucionárias. Para tanto, a organização da alimentação coletiva deveria ser tarefa primordial.

Não menos importante era a abertura de lares infantis, creches, jardins de infância, que permitissem às mulheres se dedicar inteiramente ao trabalho útil à comunidade. Isso não significa, de maneira alguma, que a maternidade não fosse respeitada. Ao contrário, para Kollontai, a mãe, carregando e alimentando seu filho, cumpre um dever sagrado em benefício da coletividade e, como tal, tem todos os direitos à proteção por parte dessa mesma coletividade.

Na sociedade comunista do futuro, esse dever de mãe se modificaria no sentido que toda a diferença entre o seu filho e o filho de outra desapareceriam. Examinando as medidas tomadas pelo governo soviético depois da tomada do poder22, ela constata que muitas coisas ainda precisavam ser feitas, mas que a via estava aberta em direção ao desaparecimento total da família. Não apenas os cálculos materiais são menos frequentes na origem do casamento, mas a mulher toma gosto pelas atividades coletivas, ela não quer mais se dedicar à construção e ao embelezamento do “ninho” familiar.

Um outro problema grave, o da prostituição, uma das falhas da sociedade burguesa, começava a encontrar sua solução. As prostitutas não são mais perseguidas por suas atividades sexuais, mas como membros “ociosos” de uma comunidade inteira que se voltou ao trabalho produtivo. No entanto, ela não tem mais ilusões, enquanto não adquirir completa independência econômica, a prostituição continuará existente, muitas vezes de forma dissimulada. Tanto a mulher que se dá quanto aquela que se casa por enxergar no casamento o único meio para obter certas vantagens materiais, são prostitutas. Quem ousará dizer que a prostituição não existe mais na União Soviética dos nossos dias, sob essa forma “atenuada”?

E o que aconteceu com as outras reivindicações avançadas de nossa autora? Em que a sociedade soviética de hoje parece com aquela que sonhara Kollontai na aurora de um mundo novo? São essas questões que tentaremos responder nos capítulos seguintes.

III

A Revolução de Outubro de 1917 respondeu às expectativas que todos os revolucionários do mundo depositaram nela? Esse é um questionamento aberto a controvérsias.

Existe, no entanto, uma constatação sobre a qual nenhuma discussão é possível: a revolução sexual falhou. A igualdade entre os dois sexos em todos os domínios da vida, proclamada desde a tomada do poder pelos bolcheviques, nunca negada desde então pelos textos oficiais, não foi realizada. A moral tradicional reina como mestre absoluta. A família monogâmica ao invés de desaparecer, viu-se reforçada ao longo dos últimos cinquenta anos. Lendo a autobiografia de Alexandra Kollontai, escrita em 1926, e sobretudo levando em conta a autocensura, é possível vislumbrar qual seria o destino das novas ideias antecipadas por ela. A última frase, barrada da versão definitiva, diz muito sobre esse assunto: “pouco importa quais serão as tarefas que eu cumprirei a seguir; está muito claro para mim que a libertação completa da mulher trabalhadora e a criação de uma nova moral sexual permanecerão sempre o objetivo supremo da minha atividade e da minha vida23”.

Kollontai, com segura intuição decorrente de sua experiência como mulher, abordou, imediatamente, as duas questões-chave para a verdadeira revolução sexual: a sexualidade e a família. É nisso que reside seu interesse, assim como o seu maior mérito. As ideias que ela antecipa podem parecer ingênuas, muitas vezes até mesmo retrógradas aos nossos olhos, mas não se pode esquecer que os seus primeiros escritos datam de 1919, e que eles são fruto de uma reflexão solitária. Apesar disso, em vários pontos, eles em nada perderam sua atualidade. Também a própria leitura desses textos é, ao mesmo tempo, cautelosa: a via de libertação da mulher é difícil, nenhuma batalha foi ganha em definitivo. O que parece adquirido pode recuar a qualquer momento. O destino das ideias de Alexandra Kollontai na União Soviética e as flutuações sobre o plano jurídico pelas diferentes leis a respeito da família devem nos suscitar a vigilância e a modéstia.

“Os piores inimigos da mulher são a moral tradicional e a concepção conservadora acerca do casamento”24, escreveu Kollontai na sua autobiografia de 1926, frase que foi barrada em seguida, portanto, a luta deve ser conduzida em duas frentes simultaneamente.

Aparentemente, era mais fácil obter os resultados atacando a instituição do casamento no campo jurídico, especialmente depois do primeiro Código da Família na União Soviética, aprovado em 1918, que apenas preencheu a lacuna que separava a Rússia czarista de certos países ocidentais. Kollontai diz em sua autobiografia, embora tenha preferido censurar em seguida:

Um debate apaixonado se seguiu à publicação das minhas teses sobre a nova moral, pois a nossa lei soviética sobre o casamento, que o separou da Igreja, evidentemente, não era algo em essência mais progressista do que as leis que já existem em outros países progressistas. […] Quanto ao problema das crianças ilegítimas, nós ainda não chegamos tão longe quanto os Noruegueses25.

O tom desiludido de Kollontai prova que ela não se adaptava mais a essa época, à uma evolução rápida da legislação nesse domínio, mas ela previa que aquilo que parecia ter sido conquistado, em 1926, não era definitivo, que pouco a pouco as novas vitórias da revolução seriam assumidas por um Estado “todo poderoso” e que os diferentes códigos da família que o sucederiam iriam soar como a sentença de morte para as esperanças de um mundo melhor, o qual nossa autora descreve de uma maneira tão cativante, não é mesmo? Para compreender esse processo e dele extrair conclusões, é indispensável examinar as diversas etapas da legislação soviética concernentes ao casamento, o divórcio, o aborto, etc.

Os fundadores do marxismo exprimiam ideias muito matizadas sobre a família. Também as interpretações mais diversas podiam terminar do mesmo jeito. Marx e Engels jamais preconizaram o desaparecimento completo da família monogâmica. Se tratava muito mais de fornecer um conteúdo novo à família burguesa. Engels coloca a questão: “Tendo a monogamia nascido de causas econômicas, ela desapareceria se suas causas desaparecessem?”26 Sua resposta vem sem equívoco:

poderíamos responder, não sem razão: desaparecerá tão pouco que é justamente a partir desse momento que ela será plenamente realizada. De fato, com a transformação dos meios de produção em propriedade social, o trabalho assalariado e o proletariado desaparecerão, então, ao mesmo tempo, desaparecerá, também, a necessidade para um certo número de mulheres (número que a estatística permite calcular) de recorrer à prostituição para ganhar dinheiro. A prostituição desaparece, a monogamia, em vez de perecer, se torna, enfim, uma realidade, mesmo para os homens27.

A família monogâmica burguesa está fundada sobre interesses econômicos, ela será extinta “enquanto unidade econômica da sociedade”28. Essa forma de casamento já é realizada na classe proletária, onde a propriedade privada não exerce qualquer papel a partir do momento em que se contrai casamento. A forma superior da monogamia será realizada quando a escolha do cônjuge pela mulher não for mais determinada por fatores econômicos, quando desaparecerem a produção capitalista e as condições de propriedade que dela decorrem. “Então, não restará outro motivo além da inclinação recíproca29”. E mais adiante: “o que desaparecerá com certeza da monogamia, são, de uma parte, a preponderância do homem, e de outro a indissolubilidade do casamento30”.

Quanto à forma que a família adotará na sociedade futura onde o comunismo será realidade, encontramos uma indicação na brochura de Engels “Os princípios do comunismo”. No vigésimo primeiro ponto: “Qual repercussão terá o regime comunista sobre a família?”, Engels responde:

Ela transformará as relações entre os sexos em relações puramente privadas, concernindo somente às pessoas envolvidas, as quais a sociedade não interferirá. Essa transformação será possível a partir do momento em que a propriedade privada for suprimida, que as crianças forem criadas em comum, destruindo, assim, as bases principais do casamento atual, inclusive, a dependência da mulher em relação ao homem e das crianças em relação aos pais. Aqui está a resposta para a gritaria dos moralistas burgueses sobre a comunidade de mulheres que os comunistas desejam, ao que parece, querer introduzir. A comunidade das mulheres é um fenômeno que pertence unicamente à sociedade burguesa e que é realizada hoje pela prostituição. Mas a prostituição repousa sobre a propriedade privada e desaparece com ela. Consequentemente, o regime comunista, longe de introduzir a comunidade das mulheres, ao contrário, a extinguirá31.

Marx retoma no Manifesto Comunista os argumentos de Engels e sublinha com vigor que a família burguesa desaparecerá. Mas não encontramos nenhuma indicação quanto a seguinte questão: qual forma de união vai substituir a antiga família burguesa?

De acordo com David Riazanov, antigo diretor do Instituto Marx-Engels que publicou, por volta de 1926, um texto intitulado A Doutrina comunista do casamento, não há dúvida: “Não encontraremos nem em Marx nem em Engels nenhuma razão para questionar hoje: se as relações sexuais desordenadas ou o ‘comunismo sexual’ são compatíveis com a sociedade comunista? […] Toda a poligamia demonstra o grau cultural inferior de seus sujeitos ‘e de seus’ objetos”32.

Segue um ataque bem direcionado contra: “nossos pequenos cânticos tolos sobre ‘o direito ao amor’”, e ele acrescenta adiante:

Nos nossos antigos círculos, havia teóricos defensores do ‘casamento de curta duração’ que falavam com desprezo da ‘honra estampada no rosto de esposos e esposas’ e que estavam no mesmo nível inferior que os pavões lascivos dos círculos nobres e burgueses, ou desses indivíduos provenientes da classe operária e que os nossos operários costumam chamar de ‘touros de fábrica’: é verdade que nessa época essas teorias ‘radicais’ não eram apresentadas sob o véu marxista e comunista33.

Sem nenhuma dúvida, esses ataques são dirigidos contra as ideias de Alexandra Kollontai, muito minoritárias entre os dirigentes e os ideólogos do partido. Kollontai considerava o “amor-jogo” ou “o amor erótico” como a forma ideal de aprendizado sobre o amor entre os jovens. Essas novas relações, graças à evolução da sociedade comunista, deveriam conduzir, através da camaradagem e da solidariedade, cada vez mais ancoradas na psicologia individual, a uma nova forma de família: a coletividade socialista.

Essas concepções, contrariamente ao que afirma Wilhelm Reich em A Revolução sexual, não representavam, em nenhum momento, a linha oficial do Partido Bolchevique. Abordaremos adiante a controvérsia acerca do “amor livre” entre Lênin e alguns militantes comunistas. Dessa “coletividade socialista” que implica, segundo Wilhelm Reich, “uma coletividade sexual”, não há dúvida sobre o grande debate que está ocorrendo no Parlamento antes da promulgação do segundo Código da Família, em 1926.

Fala-se de sexualidade unicamente para denunciar certos perigos que o novo código poderia trazer, como “a devassidão”. No centro das discussões, nas quais o tom é com frequência bastante polêmico, encontra-se o seguinte problema: o casamento não registrado, dito casamento de fato, deve gozar dos mesmos direitos aos olhos da lei que o casamento registrado?

O primeiro código da família soviética, publicado em 1918, instituía o casamento civil como o único válido. O casamento religioso não era mais reconhecido. A escolha de um nome comum para ambos os membros do casal era obrigatória, podendo ser tanto o nome da mulher quanto o do marido, ou ainda uma combinação desses dois. As crianças, nascidas de um casamento registrado, ou não, eram beneficiadas dos mesmos direitos. O divórcio poderia ser obtido pela simples solicitação de qualquer um dos membros do casal. O aborto livre e gratuito foi instaurado.

Essas leis, às quais algumas eram realmente revolucionárias para a época, como a legislação sobre o aborto, não podiam mudar num passe de mágica a mentalidade arcaica da população de um país onde a servidão tinha sido abolida, somente, em 1861. As massas camponesas que constituíam a maioria do país não estavam prontas para aceitar, da noite para o dia, mudanças tão radicais.

O que se passou no domínio dos costumes se repetiu em todas as outras esferas da vida cultural russa. Máksim Górki, em um panfleto escrito no ano de 1922 e intitulado O camponês russo, tirou algumas conclusões sobre os primeiros anos da revolução e previu o futuro que ele vislumbrava de maneira muito sombria. Depois de estudar os diferentes aspectos da vida dos camponeses russos que atestavam a manutenção de todos os costumes e uma mentalidade extremamente atrasada, ele concluiu: “Muito frequentemente, os homens que amam verdadeiramente e os fanáticos da ideia distorcem conscientemente sua alma para o bem de outro. Isso se aplica, sobretudo, à maioria dos intelectuais russos ativos: eles sempre subordinaram a questão da qualidade de vida aos interesses e às necessidades de uma massa de homens primitivos34”.

Quais serão as mudanças que se produzirão no seio do povo russo? “Do meu ponto de vista”, escreve Górki, não será o “tão charmoso e simpático povo russo”, mas será, enfim, um povo de negócios, desconfiado e indiferente a tudo o que não diz diretamente respeito às suas necessidades […] Uma boa memória histórica se desenvolverá nesse povo e, lembrando-se do seu recente e doloroso passado – os primeiros momentos de construção da nova vida – ele tratará com desconfiança, senão com grande hostilidade, o intelectual e o operário, dos quais nascem toda a sorte de desordens e de problemas35”.

As discussões em torno do novo Código da Família provam os profundos méritos dessas reflexões36. A maior resistência contra o reconhecimento dos casamentos sem registro vinha das aldeias. As reuniões organizadas no campo demonstravam uma ligação profunda com a velha família patriarcal. Os casamentos religiosos continuavam sendo celebrados em grande número. Foi, aliás, para combater essa tendência que o governo soviético quis aumentar o valor legal do casamento de fato. Mas a resistência contra essa nova lei não vinha apenas dos camponeses. A unanimidade estava longe de alcançar os dirigentes e os teóricos do Partido.

O texto de Riazanov que mencionamos foi concebido para a defesa do casamento registrado. Descrevendo a sociedade futura como um espaço onde “toda dependência das mulheres em relação aos homens desaparecerá, a mulher não será mais escrava de seu ‘lar’”. Ele coloca a questão: “Nessa sociedade superior, o registro dos casamentos será mantido?”, e ele responde sem hesitação: “Sim. Mas esse registro se tornará um dever tão natural para a sociedade quanto será o trabalho. O comunismo é inconcebível sem o registro de todas as forças produtivas e de todas as necessidades da sociedade, o homem é a força produtiva mais preciosa também para sociedade comunista”37.

Por outro lado, o camarada Kursky, Comissário do Povo para a Justiça, em seu relatório diante do Parlamento, declarou: “Eu estou profundamente convencido de que chegará o tempo em que os casamentos registrados e os casamentos de fato terão os mesmos direitos sob todas as relações e onde nós aboliremos os registros”38. Depois de muitas discussões, o segundo Código da Família foi aprovado e o casamento sem registro foi reconhecido. Deve-se acrescentar que, no caso de um casamento sem registro, devidamente comprovado, a proteção da lei se exercia apenas na defesa da propriedade conjugal e no direito à pensão alimentícia. O casamento sem registro não dava o direito, por exemplo, a moradia num imóvel coletivo. Na verdade, essa lei servia também para defender centenas de milhares de mulheres que ficavam sem recursos com um ou mais filhos depois da partida de um homem com o qual elas viviam há muitos anos. As ligações passageiras não se beneficiavam dessas vantagens, as quais, contrariamente às descrições otimistas de Kollontai sobre a sociedade comunista onde o Estado tomaria para si a responsabilidade sobre as crianças, as mães solteiras não tinham as mesmas vantagens que as mulheres casadas ou aquelas que comprovavam um casamento de fato.

Afora o reconhecimento dos casamentos não registrados, o novo código não trazia muitas mudanças. Em 1924, entretanto, um decreto suprimira a obrigatoriedade para os cônjuges de escolher um nome em comum. O divórcio permanecia livre, assim como o direito ao aborto gratuito foi mantido. Mas esses debates apaixonados em torno dos problemas relativos à família, que se desenrolavam ao longo de 1926, apontam que para a maior parte dos participantes, deputados de diferentes repúblicas, a preocupação principal era preservar “a moral” e colocar um fim nas desordens sexuais provocadas pela guerra e pela guerra civil.

Se houve “deslocamento familiar” foi, principalmente, devido às circunstâncias históricas. Os debates animados sobre “a nova moral” se desenrolavam entre os jovens dos ambientes urbanos. As aldeias russas continuavam ligadas aos antigos costumes e, por razões estritamente táticas, os dirigentes bolcheviques não queriam despertar sua hostilidade. Assim, toda a evolução do regime soviético mostra uma tendência clara à conservação da célula familiar. O exame de diferentes códigos da família que se sucederam após 1926 não nos deixa qualquer dúvida a esse respeito.

O novo código da família entrou em vigor em 1936 e aboliu o aborto. O editorial do Pravda que comentou o projeto insistiu, várias vezes, sobre o aspecto essencial da nova jurisdição: “o reforço da família soviética” e “a luta contra a atitude leviana e negligente em relação ao casamento”39. O autor do artigo acrescentou:

quando falamos em reforço da família soviética, nós nos referimos, precisamente, à luta contra as sobrevivências de uma atitude burguesa em relação ao casamento, às mulheres e às crianças. O chamado ‘amor livre’ e toda a vida sexual desordenada são demasiadamente burgueses e não têm nada a ver com os princípios socialistas, nem com a ética e o comportamento de um cidadão soviético40.

O último parágrafo do artigo merece ser citado integralmente posto que lembra determinada linguagem largamente utilizada na Alemanha hitlerista: “Uma mulher sem filho merece nossa piedade porque ela não conhece a verdadeira alegria de viver. Nossas mulheres soviéticas, cidadãs florescentes do país mais livre do mundo, conhecem a benção da maternidade. Nós devemos proteger nossas famílias e criar e treinar saudáveis heróis soviéticos!”41.

Depois da votação definitiva do novo código, no órgão filosófico do Partido Comunista são publicados uma série de artigos que tecem comentários sobre as novas medidas. O sociólogo S. Wolffson, que, em 1929, publicou um livro intitulado A Sociologia do casamento e da família, no qual preconizou o desaparecimento da família, faz sua autocrítica sobre esse assunto, com abundantes citações de Marx, Engels e de Lênin.

Ele ataca violentamente Kollontai, qualificando suas ideias como “basicamente animalescas” e “antimarxistas42”. A explicação acerca da nova lei sobre o aborto acabou sendo relativamente simples: as razões que pressionam as mulheres a abortarem numa sociedade burguesa não existem mais na União Soviética, “assim, os abortos em série, solicitados por razões egoístas, não devem mais ser tolerados”43.

O divórcio continua liberado, todavia, algumas restrições ao procedimento legal são acrescentadas, como, por exemplo, a inscrição do divórcio nos passaportes e no pagamento de uma taxa um pouco alta em cada ato de divórcio. Aqui também a explicação é confortável: o casamento dos jovens soviéticos não está mais fundado sobre os interesses econômicos. A fragilidade de certas uniões resulta de uma atitude pouco séria em relação ao casamento onde pode penetrar, certas vezes, um pouco de “cálculo” ou de “carreirismo”.

É natural que esses comportamentos sejam combatidos. Essas restrições que dizem respeito ao divórcio também são importantes do ponto de vista da defesa das crianças que, na maioria das vezes, ficam sob responsabilidade da mãe. Também, o não pagamento da pensão alimentícia pode levar a penas de prisão. É notável que não se considere mais, mesmo num futuro distante, a questão do Estado comunista se encarregar da educação das crianças. A última frase desse longo artigo exprime todo um programa que jamais será negado no futuro pelos legisladores soviéticos: “A família não desaparecerá no socialismo: ela se reforçará”44.

Os próximos decretos relativos à família foram publicados em 1944. As imensas perdas humanas sofridas pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial explicam o aumento da ajuda material dada pelo Estado às mães, casadas ou solteiras. As mães solteiras se beneficiavam de altas pensões mensais, de acordo com o número de filhos. Em contrapartida, elas eram privadas do direito de reivindicar a paternidade e solicitar pensão alimentícia. Essa última disposição ainda suscitaria muitos conflitos e problemas para as crianças nascidas dessas uniões. Será preciso aguardar a nova legislação, de 1968, para que essa flagrante injustiça seja reparada.

Quanto às novas leis concernentes à família, a evolução esboçada em 1936, continua em 1944. Os casamentos de fato não são mais reconhecidos, somente os casamentos registrados se beneficiavam da proteção da lei. As mães de famílias grandes tinham direito a um título honorífico de “Mãe Heroica”, seja a Ordem da Glória Materna, seja a Medalha da Maternidade. O aborto continua proibido, mas a mulher que faz o aborto não é mais penalmente responsabilizada. A mudança mais importante nesse novo Código concerne ao divórcio. Até 1944 os pedidos de divórcio passam pelos escritórios de estado civil. Segundo o novo decreto, eles precisam passar pelos tribunais e os tribunais tinham o direito de rejeitar o pedido. A taxa, paga por uma das partes no caso de um divórcio acordado, poderia alcançar a soma de 2000 rublos45.

A legislação de 1944 contribuiu, e muito, para a consolidação da família, respondendo, assim, aos votos expressos pelos legisladores, pelos dirigentes, pela imprensa, em síntese, por todos aqueles que tinham emitido suas reflexões sobre o assunto.

Nesse sentido, o texto da nova lei de 1968 sublinha, orgulhosamente, que “é na União Soviética que estão reunidas as condições mais favoráveis para o reforço e florescimento da família”46, no entanto, o Código de 1968 modificou dois pontos das leis que exprimiam um sentido “liberal”. De um lado a respeito do divórcio, de outro sobre a situação das crianças naturais.

Desde o início dos anos 1950, uma campanha foi desenhada na imprensa em favor da simplificação do processo de divórcio. Assim, a nova lei tornou possível o divórcio por consentimento mútuo, nesse caso ele recaía sob as autoridades de registro dos atos de estado civil. A maior carência da legislação de 1944 dizia respeito às crianças naturais, nascidas dos casamentos de fato, que não estavam cobertas pela lei. Os “pais fugitivos” se tornaram figuras comuns na vida russa.

Segundo as novas disposições, o tribunal podia obrigar o pai, ao qual a paternidade é estabelecida por via judicial, a assumir uma responsabilidade material. Essa disposição dizia respeito às crianças nascidas de relações ocasionais. J. Andreiev apresenta, assim, a nova lei na revista Izvestia: “nossa sociedade, defensora dos interesses da criança, não encoraja e não mais incentiva os vínculos ocasionais, tampouco um modo de vida dissoluto. A moral e o direito protegem a família, consolidando-a e encorajando-a”47.

Um outro problema que suscitava muitas discussões dizia respeito às famosas menções deixadas em branco. Na verdade, o decreto de 1944 interditava a menção do nome do pai no registro de nascimento de uma criança nascida fora do casamento, mesmo se o pai solicitasse. A partir do código de 1968, no entanto, o sobrenome da mãe era mencionado, no masculino, no registro substituindo o sobrenome do pai, seguido pelo nome e pelo patronímico do pai[acho que vale uma nota de rodapé igual do que fazer], segundo as informações fornecidas pela mãe, portanto, segundo V. Bil’chaï, candidato a ciências jurídicas que dedicou um artigo à nova lei na Literatunaïa Gazeta, o problema do reconhecimento das crianças naturais ainda não tinha uma resolução. O parágrafo que segue merece ser citado integralmente porque nos faz ter uma ideia do “caminho” percorrido pela União Soviética, de 1917 até os nossos dias:

Qual lógica presidirá a diferenciação de um amor sério e infeliz das relações passageiras coroadas pelo nascimento de uma criança? Do que somente a mulher poderá ser culpada? Podemos conceber que o mesmo comportamento seja imoral na mulher e ‘legítimo e moral’ no homem. Mesmo que seja necessário seguir essa concepção da moral que recomenda de uma vez por todas que as jovens moças se guardem dos homens e preservem sua inocência até a fixação de um selo sobre o seu passaporte, mesmo que se deva admitir que algumas dessas jovens não ouviram esse aviso, as crianças devem, contudo, pagar pelos seus pais?48.

O casamento em que a jovem moça entra, de preferência virgem, deve ser, então, um negócio muito sério. Andreiev ressalta que “para que esse evento capital de nossa vida assuma um caráter memorável e oficial” o texto da lei prevê uma regra: “o casamento deve comportar uma cerimônia solene”49. Além disso, é a primeira vez que a lei exige um prazo de um mês entre os proclames do casamento e sua celebração.

Em todo caso, o Código da Família de 1968 prova que é muito fácil acusar Stálin por todos os males da sociedade soviética, por todas as ideias retrógradas que regiam a vida na URSS. No que diz respeito aos problemas relativos à família, as ideias reacionárias tinham os seus defensores, como acabamos de mostrar, já no início dos anos 1920. Sem dúvida, eles eram maioria, e a pressão das massas camponesas com sua mentalidade arcaica terminou por se fazer sentir em todos os domínios da vida soviética.

E quanto à igualdade entre mulheres e homens? A Constituição da URSS lhes garantia igualdade em todos os domínios da vida pública, sociopolítica, material e cultural do país, mas, vimos anteriormente, que ao menos num domínio, aquele da moral sexual, essa igualdade não existiu. E suas consequências são graves não apenas para a mulher como, também, para a criança.

A “dupla moral”, contra a qual Kollontai lutou energicamente durante toda a sua atividade política, era igualmente denunciada por todos os teóricos do marxismo, sem exceção. A mulher soviética continuava sofrendo por seus maus passos. Os preconceitos têm vida longa. Nenhuma lei pode mudar a estrutura psíquica do indivíduo da noite para o dia. Mas na União Soviética, as coisas se passaram de maneira inversa. Pouco a pouco a legislação se conformou com a moral tradicional, frequentemente por razões táticas. As próprias mulheres soviéticas pertenciam, em grande parte, ao meio rural e, carentes de educação, e sobretudo de uma verdadeira reflexão coletiva, continuavam vivendo segundo os antigos esquemas, impostos por um Estado todo-poderoso, dirigido, majoritariamente, por homens.

Citemos um exemplo para demonstrar o quanto as mulheres na União Soviética tinham poucas possibilidades de se impor no que quer que seja. A lei do aborto foi modificada em 1955 e, então, o aborto voltou a ser liberado, mas os abortos realizados nos hospitais aconteciam sem anestesia. Conforme veremos adiante, uma das profissões mais feminizadas é a profissão médica. É provável, então, que a maior parte desses abortos fossem executados por mulheres. É preciso um certo grau de interiorização das ideias correntes numa sociedade dominada por homens para que também as pacientes e as médicas aceitassem esse regulamento.

Tem pelo menos um domínio no qual a mulher soviética obteve grandes satisfações: no trabalho feminino. Por razões econômicas – bem evidentes – a utilização da força de trabalho feminina se tornou indispensável desde o início. Seria profundamente injusto dizer que os dirigentes do novo Estado Soviético eram animados, apenas, por interesses econômicos. Lênin nunca deixou de sublinhar que a independência econômica da mulher era uma das condições mais fundamentais para a vitória da revolução. A partir de 1917, todas as restrições tradicionais que separavam as profissões “femininas” e “masculinas” foram abolidas, basta consultar as estatísticas desses últimos anos para se convencer de que, em todos os ramos da economia, o trabalho feminino ocupava uma posição importante. Mas a igualdade foi realmente realizada?

As estatísticas também são eloquentes sobre esse assunto e a resposta é: não. Na verdade, observamos que quanto mais alta a hierarquia, menos encontramos mulheres. “Com qualificação profissional idêntica, os postos de direção são, via de regra, ocupados por representantes do sexo forte”. É um economista soviético, M. Sonine, quem faz essa constatação num artigo dedicado ao problema do trabalho feminino, publicado em 1969 na Literatunaïa Gazeta50.

Um exemplo flagrante: 85% do corpo médico é constituído por mulheres, porém, mais da metade dos médicos-chefes e dos diretores dos estabelecimentos médicos é formada por homens. É preciso acrescentar que a profissão médica tem baixa remuneração na União Soviética. A mesma desproporção existe em, praticamente, todos os ramos da vida socioprofissional. Citemos mais uma vez Sonine: “Na esmagadora maioria dos casos, os homens são os líderes das administrações, das empresas, dos organismos de gestão”51. Como é a situação na vida política?

É a mesma em toda parte. Em 1921, Alexandra Kollontai lamentava que “os Soviets dos distritos contavam com 574 mulheres, enquanto os Soviets do governo contavam com, apenas, sete mulheres”52. A situação, evidentemente, melhorou depois dessa data. A proporção de mulheres em todos os Soviets Supremos das Repúblicas atingiu a casa dos 30%, mas é preciso considerar que os Soviets desempenhavam um papel muito restrito nas tomadas de decisões mais importantes.

O verdadeiro poder pertencia ao governo central da URSS, o qual sobre 57 membros contávamos apenas uma mulher. Quanto ao Partido Comunista, a situação era bem parecida. Kollontai se alegrou com o recrutamento feminino entre os militantes comunistas, de 9 a 10% de mulheres. No 1˚ de janeiro de 1965, o número de mulheres estava em torno de 20% no conjunto dos membros. Nenhuma mulher no escritório político e, dos 195 membros titulares do Comitê Central, havia apenas cinco mulheres.

Em outro domínio, aquele do trabalho medicalizado, a situação das mulheres era bastante preocupante. A força de trabalho não qualificada era constituída, em grande parte, por mulheres. Os trabalhos mais pesados e, ao mesmo tempo, de pior remuneração eram executados por mulheres, enquanto o trabalho que requer uma qualificação maior era reservado aos homens. Na agricultura encontramos o mesmo tipo de problema.

A situação das mulheres, em certos setores da economia, se tornou tão grave que vários juristas e economistas reclamavam uma nova legislação sobre o trabalho feminino. Quais conclusões podemos tirar disso? É indiscutível que a mulher soviética conquistou um lugar importante no mundo do trabalho em relação à mulher ocidental. A distinção entre “profissão de homem” e “profissão de mulher” praticamente deixou de existir na União Soviética. Apesar disso, dois fatos precisam ser constatados: de um lado, os homens continuavam ocupando os postos de comando, de outro, o nível de qualificação das mulheres ainda era, em média, inferior ao dos homens.

A igualdade não foi realizada nesse campo privilegiado, assim como em tantos outros, numa sociedade orientada para um crescimento contínuo da produtividade.

Nesse sentido, é evidente que uma questão se impõe: por quê?

A primeira resposta é simples: a mulher soviética tinha muitas outras obrigações. Retornemos à Alexandra Kollontai. Em uma de suas conferências, pronunciada em 1921, lemos a seguinte frase: “A separação entre a cozinha e o casamento – eis uma grande reforma não menos importante que a separação entre o Estado e a Igreja, ao menos para o destino histórico da mulher”53.

Parece que a segunda reforma foi mais fácil de realizar que a primeira. A alimentação coletiva, as residências coletivas, dispondo de lavanderia central, creche, jardim de infância ou os serviços de limpeza, são realizados por profissionais e não fazem mais parte do arsenal de propaganda do regime soviético. Uma célula familiar sólida e inquebrável pressupõe família individual. Somente o lar individual continua perpetuando a escravidão das mulheres.

As tabelas estatísticas são ainda mais eloquentes. A mulher soviética, seja ela operária, intelectual ou camponesa, passa, em média, duas vezes mais tempo cuidando da casa do que o homem. O mesmo ocorre para o tempo destinado aos cuidados com as crianças. É interessante notar que é nos meios intelectuais que a mulher é menos auxiliada. Para tomar consciência das dificuldades de uma mulher que cumpre os dois papéis concomitantemente, o de trabalhadora e o de mãe de família, é preciso ter em mente que o aparelhamento das famílias com eletrodomésticos está longe de ser uma realidade e que as intermináveis filas nas lojas de alimentação continuam a ser uma verdadeira maldição na vida cotidiana soviética. O tempo gasto com os trabalhos domésticos é retirado, logicamente, do descanso ou do lazer.

As reflexões da heroína da novela de N. Baranskaia54, Uma semana como outra qualquer, são bastante reveladoras disso. Nina deve responder a uma pesquisa que comporta, entre outras, uma questão relativa aos lazeres:

Lazeres, lazeres, tu falas! Não há nada de errado. Mulheres, defendam o seu direito aos lazeres culturais. Que piada, os lazeres. Assim, meu esporte favorito é a corrida. Corro numa direção e volto em outra. Uma sacola em cada mão, eu corro para embarcar no trem, no ônibus, nos túneis do metrô, subo e desço. Todos os dias a pé. Não existem lojas no nosso bairro. Faz mais de um ano que nós estamos lá e as lojas ainda são um projeto de Estado55.

Nina vive num grande conjunto habitacional onde a situação é ainda mais difícil que no centro da cidade, mas tem horas que os problemas parecem quase sem solução, como no caso dos cuidados com as crianças pequenas. O número de creches e de jardins de infância está muito abaixo das necessidades.

Foi publicado, em 1968, na revista Novyi Mir56, uma reportagem dedicada à Medvedkovo, um novo bairro construído no subúrbio de Moscou57. Esse grande conjunto se assemelha a todos aqueles que conhecemos na França ou no exterior. Os problemas que se apresentam aos novos habitantes são bastante familiares: abastecimento, transporte, falta de comunicação, etc. O aparelhamento de creches e jardins de infância é igualmente inferior às necessidades, mas como na União Soviética a esmagadora maioria das mulheres trabalha, esse problema é ainda mais agudo. Assim, sobre os murais, vemos uma vasta quantidade de anúncios que pedem “empregadas domésticas” ou “babás”. Conforme diz a reportagem, esse fenômeno na União Soviética propõe a organização da profissão de empregadas domésticas para dar dignidade a essa profissão, já que aquelas que a exercem se sentem constantemente humilhadas. É um pouco chocante ler tais frases sob a pena de uma mulher de um país onde, cinquenta anos antes, aconteceu a primeira revolução socialista do mundo.

A queda da natalidade, preocupação constante de todos os países do Leste, é muitas vezes imputada à sobrecarga de trabalho que recai sobre a mulher. Alguns pensam que a solução ideal seria permitir que a mulher se ausentasse do seu emprego por um período de dois a três anos, para se dedicar inteiramente à educação de seus filhos pequenos. Essa experiência foi realizada na Hungria, onde durante dois anos após o nascimento da criança, a mãe se beneficiava de uma indenização mensal de 600 florins, aproximadamente quinhentos euros, tendo garantido o seu retorno ao emprego depois da licença.

Muitos na União Soviética são partidários dessa solução, mas ela também encontra seus opositores. Enquanto os economistas denunciam os prejuízos que essa licença poderia causar para a economia nacional, algumas vozes de mulheres se erguem contra o caráter retrógrado de tal projeto. M. Pavlova, candidata ao curso de história, escreve na Literatunaïa Gazeta, em 1970: “em relação à tal solução do problema, um equívoco insuspeito será cometido contra a nossa sociedade pelo reconhecimento dos preconceitos concernentes à necessidade de recolocar a mulher dentro de casa, da não rentabilidade do trabalho feminino, etc.”58.

O que pensa a soviética média? Ela retornaria, voluntariamente, para o fogão e o tanque? É muito difícil responder esta questão de maneira definitiva. As únicas fontes disponíveis são sondagens variadas da opinião pública nos jornais, e nós sabemos o quanto valem essas sondagens.

Em 1967, A Literaturnaïa Gazeta publicou os resultados de uma pesquisa aplicada simultaneamente entre as operárias de Leningrado e de Varsóvia59. Dentre as 53,8% das mulheres entrevistadas, em Leningrado, que afirmaram trabalhar para obter um salário de apoio, 13,6% trabalham para participar da produção. Segundo outra pesquisa, essa mais recente60, das duas mil mulheres entrevistadas, 70% responderam afirmativamente à questão “você trabalharia se o seu marido fosse duas vezes melhor remunerado?”.

O jornalista que conduziu a reportagem sobre essa grande maioria afirma, com certa raiva, que nenhuma mulher renunciaria ao seu trabalho se tentassem aliviar um pouco sua sobrecarga. As jovens heroínas da novela de Baranskaïa não parecem vislumbrar, apesar de todas as suas dificuldades, o retorno ao lar, mas elas trabalham num instituto de pesquisa. As mulheres entrevistadas em Leningrado eram operárias. Encontraríamos situação análoga a essa nos países ocidentais, onde, na maioria dos casos, as mulheres intelectuais têm consciência da independência que o trabalho lhes garante?

Marcuse, em sua análise sobre o marxismo soviético, examinando as condições para a emancipação da mulher, concluiu: “Enquanto a produtividade crescente não for controlada pelos próprios indivíduos, a emancipação econômica e cultural das mulheres lhes garantirá apenas uma parte igual no sistema de trabalho alienado”61. Quanto mais descemos na hierarquia do trabalho, mais a alienação se faz sentir. Não há nada de surpreendente, portanto, no fato de que as mulheres que exercem uma profissão liberal tenham um nível de consciência mais elevado.

Se o trabalho da mulher é visto como uma das razões da baixa taxa de natalidade, alguns não hesitam em, igualmente, responsabilizá-lo pelo crescente número de divórcios, no entanto, e apesar das contínuas incitações no sentido do reforço da família, apoiadas por uma legislação adequada, essa não se comporta assim tão bem.

V. Perevedentsev, demógrafo que elogiou a família rural, de longe a mais sólida, analisou as mudanças responsáveis pela “nova” atitude frívola em relação ao casamento62. Entre as razões indicadas encontramos a autonomia econômica da mulher. Perevedentsev vai ainda mais longe e emite uma opinião bastante genérica e segundo a qual não se atribui valor suficiente para os trabalhos domésticos.

O trabalho doméstico da mulher integra o trabalho social em geral. Nossas contemporâneas ‘ultra progressistas’ protestam. Não contra esse trabalho mal organizado e pouco mecanizado que absorve muito tempo, mas contra o trabalho em si, como se quisessem superar isso o mais rápido possível. Mas não podemos superar isso. Nós apenas damos aos jovens uma percepção negativa em relação a este trabalho63.

Essas declarações dispensam comentários. Para refutar essas ideias e outras tantas que encontramos nas colunas de jornais e revistas soviéticas, bastaria opor-lhes os argumentos de Marx e Engels que polemizaram contra os defensores da família burguesa.

IV

Como a sociedade soviética chegou nesse ponto? Uma das razões, e sobre a qual avançamos, é a da predominância cada vez maior da mentalidade tradicional do campesinato, encorajada pelos dirigentes do país. Por outro lado, os “costumes” dissolvidos, uma família abalada, não podia servir aos interesses de um regime que se tornava cada vez mais autoritário e policialesco.

“O comunismo é inconcebível sem o registro de todas as forças produtivas”64, escreveu David Riazanov, em 1926, a propósito da discussão sobre o casamento. Isso significa, claramente, que o indivíduo é visto sob o único ângulo da produção de bens. E isso é verdade tanto para a sociedade capitalista quanto para a socialista, a única diferença é que a última o declara abertamente. Como ambas as sociedades são fundadas sobre a moral do trabalho, todos os outros valores estão subordinados a esse dever supremo que é o aumento da produtividade.

Marcuse analisa a moral soviética e avança sobre a ideia de que

As exigências comuns da industrialização trazem grande semelhança entre os valores característicos das éticas ‘burguesa’ e ‘soviética’. Tal semelhança se manifesta tanto na moral do trabalho quanto na moral sexual. A própria filosofia moral soviética considera essa relação entre os dois sistemas antagônicos, sustentando que os valores éticos que estavam viciados na sociedade burguesa estão sendo realizados na sociedade soviética65.

Ele ainda afirma, igualmente, que desde o início para a sociedade soviética, “a nova moral era aquela de uma coletividade do trabalho mais do que de uma comunidade de indivíduos livres”66, e ele cita Alexandra Kollontai para sustentar sua tese. Mas as ideias de Kollontai eram muito mais matizadas. Se ela saudava o novo espírito de camaradagem no trabalho, fundado sobre uma solidariedade de classe, era porque pensava que novas relações livres entre os sexos andariam lado a lado com o desenvolvimento do senso de coletividade.

É evidente que muitas dessas ideias defendidas por Kollontai, hoje em dia, soam ingênuas e utópicas, mas os problemas que ela expõe são ainda atuais e têm a autenticidade própria da experiência vivida. Enquanto mulher ela sentia a opressão, para ela isso se tratava de quebrar suas próprias correntes, por isso, também, ela ia mais longe nas suas análises do que os marxistas homens de sua época.

Em A Nova Moral e a classe operária67, ela chama a atenção do leitor para as proposições feitas nessa época de crise sexual. O campesinato, poupado durante muito tempo dessa crise, sofria agora, tanto quanto as outras camadas sociais, suas consequências. Estamos em 1918, as convulsões históricas levam à desregulação completa da vida cotidiana. As normas bem estabelecidas da vida sexual, às quais se esforçam, em maior ou menor medida, para se adaptarem homens e mulheres, colapsaram com a queda dessa sociedade.

As antigas normas perderam validade e, quanto às novas, uma desordem maior ainda reina nos espíritos. Os dirigentes do país, os teóricos, pensam ou declaram terem coisas mais importantes a fazer do que se ocupar de problemas assim tão fúteis como a vida sexual. Todos, ou quase todos, exceto uma, Alexandra Kollontai que, já em 1918, lastimou amargamente aquilo que Wilhelm Reich, em 1936, denunciara: a falta de reflexão sobre essas questões, a retração dos problemas sexuais.

“De onde vem a nossa imperdoável indiferença em relação a uma das tarefas mais essenciais da classe trabalhadora?”, escreveu ela. “Como explicar o rebaixamento hipócrita do problema sexual no armário dos ‘assuntos de família’, desprezando o esforço coletivo como se as relações não aparecessem em todo o curso da história como uma porta entre os sexos, nos limites de um grupo social determinado, como se não influenciassem de maneira fundamental no resultado da luta entre as classes sociais antagônicas?”68.

Isso não poderia estar mais claro. De fato, é um ato de acusação e não seria correto que Lênin não fosse também visado por ele. As famosas reuniões de Clara Zetkin e de Lênin não dão uma visão geral das ideias deste último sobre o assunto. Rememoremos as passagens mais célebres.

Depois de repreender Clara Zetkin durante as sessões de discussão com as operárias, muitas vezes tratando sobre sexo e casamento, Lênin declara: “Eu desconfio desses que estão constante e obstinadamente absorvidos por questões de sexo, como o faquir hindu na contemplação do seu próprio umbigo”69. Ele também lastimou que na Rússia houvesse tantas discussões dedicadas à reflexão teórica dessas questões entre os jovens. Criticando violentamente “a teoria do copo d’água” (na sociedade comunista, satisfazer seu desejo sexual será tão simples quanto beber um copo de água) ele termina:

Eu não quero com a minha crítica pregar o ascetismo. Longe disso! O comunismo não deve trazer ascetismo, mas alegria de viver e acolhimento, ambos devidos à plenitude do amor. […] O que os jovens precisam, alegria de viver e acolhimento. Esportes, ginástica, excursões, toda sorte de exercícios físicos, interesses morais variados: estudos, análises, pesquisas, e tudo isso aplicado simultaneamente oferece à juventude bem mais do que relações e discussões sem fim sobre as questões sexuais e sobre a maneira de ‘gozar’ a vida, segundo a expressão corrente. Uma alma sã num corpo são. Nem monge, nem don Juan, nem filisteu alemão como meio termo70.

É interessante examinar com atenção esse parágrafo porque ele comporta todo o arsenal de preconceitos burgueses contra a sexualidade. A alegria de viver, o acolhimento e, para terminar, a saúde do corpo e da alma são opostos à sexualidade que só pode prejudicar a juventude. Por outro lado, essa última encontrará tudo o que é necessário para o seu bem-estar apenas nos exercícios físicos e intelectuais.

Cartas endereçadas à Inessa Armand71, difíceis de serem resumidas em poucas palavras, fazem emergir os mesmos princípios retrógrados, indícios de um indiscutível medo da sexualidade. Não se trata, aqui, de tecer um ato de acusação contra Lênin; nós queremos, simplesmente, assinalar que em matéria de sexualidade os marxistas mais eminentes da época se mostraram bastante reacionários. Somente algumas mulheres sentiam, mais do que sabiam, que se tratava de problemas fundamentais da revolução. Não é por acaso que as mulheres são frequentemente mais conscientes que os homens sobre a importância dos problemas sexuais. São elas as verdadeiras vítimas da moral sexual, elas que suportam todas as consequências dessa “dupla moral”. A prostituição é talvez um flagelo do qual sofre toda a sociedade, mas são elas que se prostituem. As mulheres revolucionárias, conscientes o bastante sobre a importância dos problemas sexuais, eram pouco numerosas entre os bolcheviques. Alexandra Kollontai, a mais lúcida, aquela que foi mais longe nesse domínio, foi muito rapidamente eliminada da vida política e não é certo que suas ideias sobre a família e a nova moral não tenham a ver com a causa disso tanto quanto sua participação na Oposição Operária.

Nós deixaremos que leitor analise com cuidado os textos de Kollontai, que compare suas ideias com aquelas dos movimentos de mulheres atuais. Seus erros são muitos, mas é mais fácil nós detectá-los agora, meio século depois. Seu entusiasmo, suas descrições utópicas de um futuro maravilhoso que surgiria como por magia, sobre as cinzas do velho mundo, dariam origem à sorrisos se não tocassem o acorde sensível de uma esperança mais ou menos viva em cada um de nós.

Sua inquebrável fé em uma classe operária portadora da moral revolucionária é, talvez, o erro mais fundamental de Kollontai. Wilhelm Reich, que conhecia muito bem a juventude operária, escrevia, em 1932,

A moral sexual burguesa (na qual o essencial consiste em considerar a vida sexual não de maneira natural, mas em ligação estreita com a ordem social atual, é negar a sexualidade, ter uma atitude tímida e recuada em relação a ela) se encontra cravada na nossa pele, em nós, comunistas, mais profundamente do que possamos crer72.

A experiência soviética, assim como as nossas constatações diárias, confirma as palavras de Wilhelm Reich. Também as tarefas são claras, as lições a tirar do exemplo soviético são evidentes. A revolução, se houver uma revolução, deve ser realizada em todos os domínios e ao mesmo tempo. A crise sexual, cujo início remonta ao século XIX, não foi resolvida. Estamos convencidos que os textos de Alexandra Kollontai servirão como referência preciosa a todos aqueles que pensam que uma verdadeira emancipação da mulher é a condição básica para a mudança de toda a sociedade.

1 Expressão que retorna frequentemente sob a pena de Kollontai. Ela sugere a existência de “dois pesos e duas medidas” para julgar o comportamento de alguém. O julgamento incorre em diferenciações entre homens e mulheres.

2 “Deiateli S.S.S.R. i Oktriabrskoï Revolutsii”, Entsiklopeditcheskii slovar Rousskovo bibliografitcheskovo institouta Granat, Moscou, 7 ed., 1927-1929. Nós retomamos a tradução publicada em: HAUPT, Georges e MARIE, Jean-Jacques. Os Bolcheviques por si mesmos. Paris: Maspero, 1969. pp. 311-317.

3 Na realidade, a origem camponesa do ramo materno remonta à bisavó de Alexandra. Seu avô era exportador de madeira. Esse tipo de “engano” era corriqueiro nas autobiografias da época onde cada palavra era pesada e escolhida com cuidado.

4 Alexandre Bestoujev: famoso autor de romances que fez sensação entre as jovens da época.

5 Peter Berngardovich Struve (1870-1944) foi um economista, político, filósofo, historiador e editor russo que passou pelo marxismo, tornou-se liberal e, após a revolução soviética se juntou ao movimento branco.

6 Mikhail Tugan-Baranovsky (1865-1919) foi um economista, político e estadista russo, lembrado como um dos fundadores da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia. Foi um dos primeiros Ministro das Finanças da Ucrânia do Secretariado Geral do Conselho Central da Ucrânia de Vynnychenko. No meio profissional ele é lembrado como um dos expoentes do Marxismo Legal no Império Czarista Russo, além de um dos autores a publicar livros sobre a teoria do valor, a distribuição do lucro, história do desenvolvimento gerencial e dos fundamentos das atividades gerenciais cooperativas.

7 Cf. bibliografia ao final do volume.

8 Existe um “dossiê de imprensa” sobre A. Kollontai na biblioteca de documentação feminina Marguerite-Durand, na prefeitura do V Arrondissement, Praça do Panthéon, Paris.

9 Cf. Les Bolcheviks par eux-mêmes, [Os bolcheviques por eles mesmos], op. cit., Introdução.

10 “Zie um Wert meines Lebens”, in: Fuhrende Frauen Europas, 1 série, publicada por Elga Kern, Munique, 1926.

11 KOLLONTAI, Alexandra. Autobiographie einen sexuellemanzipierten Kommunistin, Herausgegeben und mit einem Nachwort von Iring Fetscher, Rogner e Bernhard, München, 1970; KOLLONTAI, Alexandra. Autobiography of a Sexually Emanciped Woman, Introdução de Germaine Greer, editado e revisado por Iring Fetscher. [As citações foram retiradas da edição inglesa e traduzidas por nós – nota da edição francesa]

12 O Tratado de Paz de Brest-Litovsky, assinado em 03 de março de 1918 entre a Rússia, sob o governo bolchevique, e as Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, Bulgária e Império Otomano), firmou a retirada russa da Primeira Guerra Mundial.

13 KOLLONTAI, Alexandra. A oposição operária, 1928. p. 28. (brochura que reagrupa os textos publicados pela revista Socialisme ou barbarie, n˚ 35, jan. -mar. 1964).

14 BODY, MARCEL, “Alexandra Kollontai”, Preuves [Provas], abril de 1952. Marcel Body servia ao mesmo tempo que Kollontai na missão diplomática soviética na Noruega. Seu estudo traz informações muito interessantes sobre a vida de Kollontai depois de 1922.

15 Ibid. p. 18

16 Ibid. p. 23.

17 KOLLONTAI, A. Autobiography.., Op. cit., p. 6

18 MORITZ, Martha. In: Die Internationale, 9, n˚ 27, 1926.

19 Para uma análise desse romance, ver o estudo de KENDALL E. BAILLES, “Alexandra Kollontai e a nova moral”, Cahiers du monde russe et soviétique, n˚ 4, 1965, pp. 471-496. Esse estudo contém, igualmente, vasta referência bibliográfica.

20 BODY, Marcel, op. cit.

21 Segundo vários testemunhos, entre as quais o de Marcel Body, Kollontai escreveu um trabalho detalhado que deve estar em posse do Instituto Marx-Engels de Moscou.

22 Cf. parte IV da presente obra: “Primeiras experiências”.

23 KOLLONTAI, A. Autobiography…, op. cit. pp. 47-48.

24 Ibid., p. 6.

25 Ibid., p. 43.

26 ENGELS, Friedrich. L’Origine de la famille, de la propriété privée et de l’État. Paris: Éditions sociales, 1971, p. 73.

27 Ibid.

28 Ibid., p. 72.

29 Ibid., p. 78.

30 Ibid., pp. 78-79.

31 Cf. Les Communistes er la condition de la femme. Paris: Editions sociales, 1970. pp. 91-92.

32 RIAZANOV, David. Communisme et mariage. Reproduzido no Partisans, n˚ 32-33, 1966. pp. 80-81.

33 Ibid.

34 GORKI, Maxime. Lénine et le paysan russe. Paris: Gallimard, 1924. pp. 180-181.

35 Ibid. pp. 184-186.

36 A melhor obra consagrada à evolução da legislação sobre a família na União Soviética é de autoria de Rudolf Schlesinger, Changing Attitudes in Soviet Russia. The Family. Londres: Routledge and Paul Kogan, 1949. Cf. também PIERRE, André. Les femmes en Union Soviétique. Paris: S.P.E.S., 1960, e as publicações de La Documentation française.

37 RIAZANOV, David. Op. cit. p. 88

38 SCHLESINGER, Rudolf. Op. cit. p. 129.

39 Ibid., p. 251.

40 Ibid., pp. 251-252.

41 Ibid., p. 254.

42 Ibid., p. 305.

43 Ibid., p. 310.

44 Ibid., p. 315.

45 Equivalendo, de acordo com a cotação de 2021, cerca de R$ 143,00.

46 La Documentation Française, série U.R.S.S., n˚ 4, julho-agosto 1968, p. 27. Esse número reproduz integralmente o Código da Família de 1968.

47 Ibid., p. 33.

48 Ibid., p. 36.

49 Ibid., p. 32.

50 La Documentation française. Série U.R.S.S., n˚ 31-32, 31 de julho – 7 de agosto de 1970, p. 31. Esse número da série contém um estudo muito bem documentado de R. Berton-Hogge dedicado à condição atual da mulher soviética. Ver também PIERRE, André, op. cit., mas esse livro data de 1960. Para informações mais detalhadas consultar: DODGE, N.T., Women in the Soviet Economy, John Hopkins Press, 1966.

51 Ibid.

52 KOLLONTAI, Alexandra. L’Ouvrière et la paysanne dans la republique soviétique. Paris: Librairie de L’Humanité, 1921. P. 12.

53 Cf. Parte IV da presente obra.

54 Natalya Baranskaia (1908-2004) foi uma novelista e escritora soviética cujo reconhecimento internacional deve-se à forma como descrevia a realidade social das mulheres soviéticas.

55 Les Temps Modernes, julho de 1970, p. 6.

56 Revista literária russa fundada em Moscou, em 1925. Ainda em circulação.

57 POLIAKOVA, E., Bolchaïa Moskva, Medvedkovo. Paris: Institut d’études slaves, 1968.

58 PAVLOVA, M. Les Femmes às la Maison et au travail”, Literaturnaïa Gazeta, n˚ 22, 1970.

59 La Documentation française, série U.R.S.S., n˚ 6, 1967, p. 19.

60 POLIAKOVA, E. op. cit.

61 MARCUSE, Herbert. Le Marxisme soviétique. Paris: Gallimard, 1968. p. 351.

62 La Documentation française, n˚ 31-52, op. cit. p. 37.

63 Ibid., p. 38.

64 RIAZANOV, D. op. cit. p. 88.

65 MARCUSE, H. op. cit. p. 359.

66 Ibid., p. 344.

67 Cf. partes II e II da presente obra.

68 Cf. parte II da presente obra.

69 Les Communistes et la condition de la femme. op. cit. p. 109.

70 Ibid., pp. 116-117.

71 SCHLESINGER, Rudolf. Op. cit. pp. 27-29.

72 REICH, Wilhelm. La Lutte sexuelle des jeunes. Paris: Maspero, Petite Collection Maspero, 1972. p. 129