Comitês Populares Democráticos e trabalho de massas

imagemLucas Silva – Militante da célula Noroeste (São Paulo)

Resgatando experiências históricas dos comunistas brasileiros para contribuir com o trabalho de massas atual

“O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor
Vermelho!”

Vermelho – Fafá de Belém

Imagem: Prestes discursa em São Januário em 1945. Créditos: Netvasco.

Camaradas, o resgate e a atualização desse pequeno texto vem no sentido de colocar fogo na conjuntura e contribuir com indicações práticas e organizativas (com várias experiências de embriões de poder popular) para o trabalho de massas da militância comunista, de modo a dialogarmos e mergulharmos nos problemas da nossa classe, reverter o cenário de defensiva, acelerar a derrubada do bolsonarismo, reconquistar os vários direitos sociais perdidos, arrancar novos direitos da burguesia e avançar na conquista do poder popular no rumo do socialismo.

Ao longo da história das organizações comunistas brasileiras (aquelas construídas e ligadas ao PCB), sob orientação dos princípios leninistas de organização, o trabalho de massas dos comunistas teve como alicerce duas áreas de atuação: local de trabalho e local de moradia. Contudo é preciso frisar que a militância comunista não limitou-se a estes dois espaços, porém a força e inserção do partido historicamente foi mais sentida dentro das empresas, sindicatos e bairros populares.

Ao resgatar estas experiências, destaco que, durante os 99 anos de existência do PCB, tivemos mais de 60 anos de ilegalidade (reflexo da formação histórica do capitalismo brasileiro, profundamente complexo e com classes dominantes extremamente autocráticas, antidemocráticas e voltadas para interesses externos), fator que multiplicou nossos obstáculos (mas nunca impediu) na execução da nossa atividade política de massas.

Dito isso, trago para os leitores um período curto historicamente, porém, muito rico do ponto de vista das experiências de luta popular. Trata-se dos anos 1945-1947, curta época em que o PCB estava na legalidade, fruto das grandes lutas populares contra o Estado Novo e da conjuntura internacional, com a avassaladora vitória do povo soviético sobre o monstro nazista, proporcionando aos comunistas pelo mundo uma popularidade até hoje difícil de imaginar.

Esses dois anos foram marcados pela anistia aos presos políticos, muitos deles aliancistas e comunistas das lutas de 1935, entre os quais o Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, que foi libertado no primeiro semestre de 1945, e também das lutas do movimento operário contra a carestia, por melhores condições de trabalho, liberdade sindical e muitas outras.

O PCB, sabendo trabalhar numa conjuntura favorável, “cai no mundão” e parte para o trabalho de massas, organizando e disputando sindicatos, mobilizando os intelectuais e os militantes da cultura, consolidando sua inserção junto aos setores militares e etc. Mas não isento de contradições, devido à linha política de União Nacional com setores burgueses, com a orientação tática de “apertar os cintos”, causando diversas saias justas e pressões das bases populares sobre os comunistas, que, jamais deixando de atuar junto ao povo brasileiro, na prática e sem pestanejar, partiram para a organização e mobilização de diversas e amplas greves.

Os principais instrumentos de fortalecimento dos comunistas na época citada foram os chamados “Comitês Populares Democráticos”, organizações criadas e estimuladas pelo Partido para atuar principalmente nos locais de trabalho e locais de moradia, mas não só, pois há registro de comitês populares afro-brasileiros, evangélicos e de mulheres trabalhadoras.

A composição social destes comitês era muito heterogênea (mas sempre com foco nas frações proletárias), agregando operários, ferroviários, donas de casa e estudantes, advogados, médicos, comerciantes e mesmo alguns industriais (consequência da linha política comunista de União Nacional, e como mencionado acima, gerando contradições no processo).

No que se refere à atuação nos bairros, os Comitês Populares serviram para abrir canal com o proletariado dos bairros, uma debilidade histórica do Partido até aquele período, uma vez que nem sempre dentro das empresas tínhamos acesso ao conjunto dos trabalhadores, como os desempregados (principalmente a população negra e jovem), as trabalhadoras donas de casa e as demais frações de classe fora dos espaços tradicionais de trabalho.

Os Comitês Populares Democráticos tinham algumas funções principais, como organizar os moradores (principalmente das favelas e bairros populares) para atender suas demandas mais imediatas, como asfaltar e iluminar as ruas, reivindicar a construção de creches e escolas, trazer linhas de ônibus para os bairros mais afastados, geração de empregos e construção de frentes de trabalho, entre outros.

O mais interessante é que esses comitês não ficavam simplesmente a reboque do poder estatal, somente pedindo coisas ao Estado, muito pelo contrário, há registros de comitês populares que organizaram mutirões de construção de casas, mutirões para asfaltar ruas, algumas experiências de “policiamento comunitário”, organização de escolas populares e cursos de alfabetização, além de festas e outras atividades de lazer.

Além de trabalhar com as necessidades mais imediatas do povo, o partido também divulgava sua linha política para as questões mais gerais, como o combate firme contra o fascismo, a luta contra a guerra, pela constituinte e por eleições livres e democráticas. O trabalho nesses comitês trouxe ganhos políticos importantes para os trabalhadores, como as conquistas da Constituição de 1946 (direito de liberdade religiosa para o Candomblé, Umbanda e outras religiões de matriz africana, leis de segurança do trabalho, direito de greve, direito de sindicalização, férias anuais remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas e etc.).

E por falar em constituição, nas eleições de 1946 o PCB elegeu uma bancada de 14 deputados e 1 senador, que trabalharam muito pelas causas populares, visitando bairros, indo às assembleias sindicais, levando demandas dos comitês populares para o Congresso, entre outras coisas. Outro fato espetacular foi o crescimento da militância partidária, que chegou a abrigar mais de 200 mil filiados, muitos deles por conta do trabalho dos Comitês Populares Democráticos.

Os comitês populares exerciam também atividades mais voltadas às questões eleitorais, como a alfabetização de trabalhadores e instrução no exercício do direito ao voto, combinando as instruções jurídicas e legais com a elevação da consciência de classe. O conjunto desses trabalhos nos comitês populares possibilitou a eleição em cargos federais, mas também de muitos deputados estaduais (como o grande comunista Caio Prado Júnior em São Paulo), vereadores (com um total de 50 vereadores eleitos pelo país, com 18 só na bancada carioca) e prefeitos (com destaque para Jaboatão dos Guararapes-PE e Santo André-SP).

A tática dos comitês populares revelou-se muita acertada naquele período (porém, a estratégia da revolução democrática-nacional revelou-se um grande equívoco, junto com a mediação tática da União Nacional, leituras que contribuíram decisivamente para a insuficiente preparação do Partido e das massas para se contrapor à tentativa de criminalização das lutas), botando pânico na burguesia e contribuindo grandemente para as principais lutas populares do país entre 1945-1947, a ponto de a burguesia cassar o registro legal do PCB e desencadear forte repressão sobre as organizações populares durante a presidência do general Dutra (1946-1950), certamente o governo mais entreguista, antidemocrático e anticomunista do fim do Estado Novo (1945) até a ditadura empresarial-militar (1964-1984). As marcas nefastas do governo Dutra foram sentidas até hoje, como a criação da Escola Superior de Guerra em 1949 (laboratório dos militares golpistas de 1964).

É preciso nos aprofundarmos cada vez mais na história e nas experiências da classe trabalhadora, especialmente a brasileira e latinoamericana, para que possamos extrair lições destes processos e avançar em nosso trabalho atual, evitando repetir erros do passado e que, através do balanço crítico e autocrítico desses processos, tenhamos recursos para desenvolver cada vez mais nossa inserção popular.

Que o legado dos Comitês Populares Democráticos nos inspire a conquistar cada vez mais mentes e corações da classe trabalhadora para a perspectiva revolucionária, socialista e do poder popular! Pois somente a nossa classe organizada, mobilizada e consciente pode enterrar de vez o bolsonarismo e o sistema podre que o criou.

*Por Lucas Prestes – Militante do PCB em São Paulo

Referências:

1 – Resoluções do XV Congresso do PCB;

2 – Resoluções do VII e VIII Congresso da União da Juventude Comunista;

3 – Resoluções do II Congresso Nacional da Unidade Classista;

4 – Artigo “A necessidade do trabalho de base” http://ujc.org.br/a-necessidade-do-trabalho-de-base/

5 – Artigo “Disputar os bairros: se não hoje, quando? Se não nós, quem? http://ujc.org.br/a-necessidade-do-trabalho-de-base/

6 – Artigo “A formação dos Comitês Populares Democráticos nas favelas cariocas em busca da efetivação de direitos a partir da influência do Partido Comunista Brasileiro” http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2013/relatorios_pdf/ccs/SER/SER-M%C3%A1rcia%20Bastos%20de%20Ara%C3%BAjo.pdf

7 – Livro – CARONE, Edgard. O P.C.B.: (1943 – 1964). São Paulo: DIFEL 82, 1982. 2 v. (Corpo e alma do brasil) – https://traduagindo.com/2021/04/27/edgard-carone-o-pcb-todos-os-volumes-para-baixar-pdf/

8 – Artigo “O PCB e a composição social dos Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)” http://www.revistahistoria.ufba.br/2013_1/a13.pdf

9 – Artigo “O PCB e a composição social dos Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)” http://www.revistahistoria.ufba.br/2013_1/a13.pdf

10 – Dissertação de Mestrado “O PCB e Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947)” https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/13331

11 – Livro – MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.

12 – Livro – SANTANA, Marco Aurélio. Homens Partidos: Comunistas e Sindicatos no Brasil. https://drive.google.com/file/d/1-jiVTssgug3PDvo9UnDyjUlR0k4JSh1P/view

13 – Livro – BEZERRA, Gregório. Memórias. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.