CGU vê irregularidades em aplicações do FGTS

Investigação da Controladoria Geral da União (CGU) apontou que a liberação de cerca de R$ 3 bilhões para incorporadoras imobiliárias pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi alvo de um esquema irregular que teria beneficiado funcionários da Caixa Econômica Federal e conselheiros do fundo. Para a CGU, ficou caracterizada “situação de conflito de interesses na gestão dos recursos públicos e privados”. Com R$ 260 bilhões em ativos, o FGTS auxilia o trabalhador demitido sem justa-causa.

Relatórios da CGU aos quais o Valor teve acesso mostram que a funcionária da Caixa Marcelita Marques Marinho, o integrante do conselho curador do FGTS Celso Petrucci e o membro do Grupo de Apoio Permanente (GAP) do conselho curador do FGTS e do comitê de investimento do FI-FGTS André Luiz de Souza são ou foram sócios ou dirigentes da Sscore, empresa que prestou serviços para seis das sete emissões de debêntures de incorporadoras compradas pelo FGTS entre 2009 e 2010 e analisadas pela CGU no ano passado. Hoje, nenhum dos três ocupa esses cargos. O FGTS comprou papéis de 13 empresas, mas a CGU fez uma auditoria parcial.

A Caixa é responsável pela operação do FGTS, decidindo suas aplicações. Depois de tomar conhecimento da auditoria da CGU, o banco decidiu reforçar a estrutura de governança do fundo (ler texto abaixo). O conselho curador é a instância do FGTS que decide suas principais linhas de investimento, entre elas, a aplicação em debêntures e em fundos de investimento. É presidido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e composto por entidades representativas dos trabalhadores, dos empregadores e do governo. O GAP faz o assessoramento técnico dos curadores. Por causa dessas relações, a CGU apontou “participação conflituosa”.

“Ficou claramente evidenciada a existência de interesses alheios aos da defesa da regular aplicação dos recursos do FGTS, visto que tanto um conselheiro, um representante integrante do GAP e do comitê de investimentos do FI-FGTS, como servidores da Caixa participaram de empresas que fizeram negócios com empresas beneficiadas pelas operações com recursos do FGTS”, diz o relatório da CGU de novembro de 2011.

A conclusão da auditoria é que essas três pessoas podem ter exercido influência no processo de decisão de investimento do FGTS, ao mesmo tempo em que teriam recebido parte do dinheiro liberado pelo fundo como pagamento por serviços privados prestados. Algumas das companhias que captaram recursos do FGTS por meio da emissão de debêntures foram Gafisa, Odebrecht, Trisul, Rodobens, MRV, PDG e Rossi (ler texto abaixo).

Figura central da auditoria da CGU é André Luiz de Souza. Integrante do conselho curador do FGTS pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) até 2007, Souza é sócio de sete empresas de consultoria imobiliária que, segundo a CGU, são “parceiras” da Caixa, entre elas Sscore, Contrathos e Arche.

Depois de renunciar ao assento que tinha no conselho curador, Souza permaneceu como membro do comitê de investimentos do FI-FGTS, fundo que aplica recursos em ações e papéis de dívida de empresas de infraestrutura, e do Grupo de Apoio Permanente do FGTS. Mesmo tendo mudado de função, Souza continuou tendo participação ativa nas reuniões do conselho curador, segundo a CGU.

Nas emissões de debêntures, a Sscore – sociedade de Souza, Petrucci e Marcelita – exerceu o papel de agente de garantia, isto é, de responsável por zelar pelas garantias dadas pelas incorporadoras ao FGTS. É uma figura que, de acordo com a CGU, é facultativa nas operações de debêntures.

Em outro caso, a Contrathos, empresa de André Souza, foi contratada como agente de crédito por um fundo de direitos creditórios criado pela RB Capital e que recebeu recursos do FGTS. Se alcançasse o limite máximo de patrimônio permitido, de R$ 450 milhões, o fundo pagaria à Contrathos R$ 2 milhões por ano pelos serviços de agente de crédito, segundo a CGU. Hoje, o fundo gerido pela RB tem patrimônio de R$ 235 milhões.

Petrucci é economista-chefe do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliário) e ex-integrante do conselho curador do FGTS pela Confederação Nacional do Comércio. Também chegou a presidir, até o ano passado, a Contrathos. Nos relatórios da CGU, ele aparece como representante legal da Sscore, mas Pettrucci afirmou ao Valor ser sócio da Sscore. Até o fechamento da edição Souza não foi localizado no escritório da Sscore. Petrucci justificou que Souza estava em viagem.

Petrucci negou conflito de interesse. “Não tem como ligar as coisas, o fato de eu ter sido conselheiro do FGTS e sócio da Sscore. Como conselheiro, não tinha influência nas operações de crédito do fundo, que são aprovadas pela Caixa”, disse Petrucci, que renunciou ao conselho em julho de 2011, depois que a apuração da CGU teve início. No mesmo mês, Souza também renunciou aos cargos no FI-FGTS e no Grupo de Apoio Permanente.

“Fui parar no FGTS porque sou um técnico. Durante todos esses anos [2005 a 2011] fiz um trabalho voluntário. Só que ao mesmo tempo em que ajudava no crescimento do fundo, tinha que continuar meus negócios”, alegou Petrucci.

A Sscore foi fundada em 2008, um ano antes de o FGTS começar a comprar debêntures do setor imobiliário e de infraestrutura para fomentar a construção num momento em que a economia brasileira sofria os efeitos da crise mundial. “A Sscore fez um primeiro trabalho para uma emissão de debênture do FGTS e depois as outras empresas também nos procuraram, por isso, fizemos tantas operações”, afirmou Petrucci.

Em relação a Marcelita Marques Marinho, a CGU afirma que ela permaneceu durante oito meses como superintendente nacional de risco de crédito da Caixa e sócia da Sscore, até se aposentar do banco. Dona de outra consultoria, a MMM & Associados, Marcelita tinha como sócias três funcionárias da área de risco da Caixa: Edna Lima, Natália Evangelista e Thaís Rodrigues da Silva. Marcelita não foi localizada pela reportagem.

Os relatórios da CGU foram produzidos entre julho e dezembro de 2011. Agora, o caso está na Procuradoria Geral da República, que iniciou um inquérito no mês passado para investigar as constatações. Dependendo da conclusão, o caso pode parar na Justiça. Procurada desde quarta-feira, a CGU não retornou os pedidos de entrevista.

 


BNDES vai ganhar R$ 10 bi para linhas de crédito

O Estado de S. Paulo

O Tesouro vai liberar R$ 10 bilhões para reforçar as linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os recursos fazem parte do esforço para irrigar o mercado com crédito e acelerar a expansão da atividade, que teve baixo desempenho no primeiro quadrimestre deste ano.

O governo também prepara novas medidas de estímulo ao crédito, que podem ser anunciadas nesta semana. “O governo quer animar a economia para acelerar o crescimento”, disse uma fonte.

No cardápio, reduções de taxas de juros nos empréstimos para a habitação oferecidos pela Caixa Econômica Federal e medidas para destravar o crédito para a aquisição de automóveis.

Entre elas, a liberação de parte dos depósitos compulsórios que as instituições financeiras são obrigadas a deixar no Banco Central, o barateamento do custo do dinheiro, a ampliação do número de prestações e a redução do valor da entrada.

Uma fonte do governo informou que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acertou na semana passada com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o início do repasse dos R$ 45 bilhões anunciados entre as medidas da segunda fase do Plano Brasil Maior. O banco receberá R$ 10 bilhões em junho e outros R$ 10 bilhões no segundo semestre. A avaliação é de que o BNDES não precisará, este ano, de todo o montante anunciado. O restante ficará para 2013.

Mais recursos. Mantega decidiu anunciar um valor maior do que a necessidade estimada para o BNDES em 2012 para sinalizar que o governo não deixará faltar recursos para o setor produtivo. Foi justamente para emitir esse recado ao mercado, que o valor inicialmente trabalhado foi ampliado de R$ 30 bilhões para R$ 45 bilhões. As linhas operadas com recursos do Tesouro têm taxas de juros subsidiadas e são destinadas a capital de giro e investimentos das empresas.

Para o setor da construção civil, a Fazenda negocia com a Caixa a redução das taxas de juros das linhas de financiamento habitacional operadas com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Além disso, a pedido da Associação das Indústrias de Material de Construção (Abramat), tenta destravar o crédito para pessoas físicas comprarem material de construção até R$ 20 mil. Essa linha tem R$ 1 bilhão do FGTS, mas não deslanchou.

Também há preocupação em acelerar o crédito para habitação do programa Minha Casa Minha Vida. A presidente Dilma Rousseff já anunciou que a meta do programa passará de 2 milhões para 2,4 milhões de unidades até 2014.

Outra preocupação do governo é com o setor automotivo. As empresas estão com estoques elevados e o governo teme demissões. A equipe econômica tem mantido reuniões com representantes do setor e dos bancos para destravar o crédito, que secou com a alta da inadimplência. Mantega já determinou que Caixa e Banco do Brasil ofereçam mais empréstimos para a compra de veículos.

 


Krugman: ‘Saída da Grécia é inevitável’

O Globo

O Nobel de Economia Paul Krugman afirmou, em entrevista à revista alemã “Der Spiegel”, que a saída da Grécia da zona do euro é inevitável. O economista sugeriu, ainda, que países como Espanha e Itália não devem iniciar investimentos públicos elevados porque terão dificuldade de financiamento.

“Odeio dizer isto porque é como gritar fogo em um cinema cheio de gente. Mas não há alternativa. Todas as soluções que estão em debate não servem para resolver o desastre”, disse o economista à publicação alemã.

Krugman afirmou, ainda, que a saída da Grécia da zona do euro deve provocar fuga de capital dos países vizinhos e sugeriu que o Banco Central Europeu reaja com uma injeção de liquidez. Na sua avaliação, no entanto, a situação de Espanha e Itália é mais fácil porque os problemas não são consequência de irresponsabilidade, como é o caso da Grécia.

Na entrevista, Krugman também não poupou críticas à postura da chanceler alemã, Angela Merkel, de defender a austeridade fiscal a todo custo.

 


Receita estimada para 2012 diminui em R$ 10 bi

Valor Econômico

O governo federal confirmou na sexta-feira que a receita estimada para o ano diminuiu em quase R$ 10 bilhões. No relatório de avaliação fiscal relativo ao período de março/abril, a receita administrada pela Receita Federal projetada para 2012 caiu para R$ 690,02 bilhões, ante os R$ 700 bilhões da previsão anterior. O relatório divulgado pelo Ministério do Planejamento traz a reavaliação do governo para a execução orçamentária, à luz do que ocorreu no segundo bimestre do ano.

Assim, os números apontam que, apesar de esperar uma receita com tributos (não é a única, mas constitui a parcela majoritária das receitas do governo) mais elevada no primeiro bimestre do ano, o que realmente entrou nos cofres do governo foi menor, gerando uma queda nas projeções para 2012 no valor de R$ 9,98 bilhões.

No relatório, o governo mantém projeção de alta de 4,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) no ano, apostando no efeito benéfico que a redução dos juros e o aumento do crédito via bancos oficiais terá na economia.

A aposta do governo destoa dos analistas do mercado, que já cogitam crescimento da economia mais fraco que os 2,7% observados em 2011. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que chegar a 4,5% em 2012 será muito difícil, “aspirando algo em torno de 4%” (ver mais sobre o assunto na página A6).

Responsável pelos números, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda justifica que “após apresentar ligeira contração no terceiro trimestre de 2011, influenciada pela deterioração no cenário internacional”, a economia brasileira voltou a “recuperar o dinamismo já no fim do ano passado, acelerando o crescimento de forma gradual no primeiro trimestre de 2012”. Justifica ainda no texto que as medidas de estímulo adotadas pelo governo “ainda não afetaram, plenamente, a atividade econômica”.

A SPE diz ainda que a economia deve acelerar nos próximos trimestres, “como resultado da redução nas taxas básicas de juros, da elevação da oferta de crédito pelos bancos públicos, além da implementação de medidas” do Plano Brasil Maior.

No relatório, entretanto, há a ressalva de que as incertezas no front internacional recomendam manutenção dos parâmetros macroeconômicos “elaborados em março”.

A taxa básica de juros Selic média esperada caiu de 10,48% para 9,86% em 2012, enquanto a projeção do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice que mede a inflação oficial, se manteve em 4,7% no ano.

 


Bom da Rio+20 é a sociedade, dizem cientistas

O Estado de S. Paulo

A exatamente um mês da Rio+20, membros da sociedade civil reunidos ontem em São Paulo em debate sobre a conferência para o desenvolvimento sustentável manifestaram que, nessa altura dos acontecimentos, o melhor que se pode esperar do evento é que ele sirva para fortalecer a mobilização da sociedade.

“Os temas que estão colocados na Rio+20 – economia verde, governança e erradicação da pobreza – são como recomeçar o mundo. Sem dúvida são coisas que dependem de acordos entre governos, mas temos a sensação de que esses acordos vão demorar cada vez mais. Então é fundamental a sociedade se mobilizar por esses temas, pressionar”, afirmou o pesquisador da USP Pedro Roberto Jacobi, do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental. Ele falou durante debate no evento Viva a Mata, que celebra o Dia Nacional da Mata Atlântica, no domingo.

Jacobi resumiu um sentimento que prevalece na academia, entre organizações não governamentais e até entre os negociadores de alto nível de certo pessimismo que a conferência não resulte em compromissos mais concretos para que o mundo se encaminhe para o tão falado desenvolvimento sustentável.

A comparação inevitável é com a Rio-92, vista como um momento que representou uma mudança de paradigma.

“A Rio+20 significa um nada, um vazio. De 92 para cá o que aconteceu foi a não implementação de tudo o que foi acordado. Só que passados 20 anos, temos hoje muito mais dados e certezas de que caminhamos para um desastre ambiental e o que acontece? Nada”, disse João Paulo Capobianco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade.

“É uma reunião sem entendimento mínimo sobre o que se espera dela, marcada pela falta de líderes, e que não vai enfrentar nosso pior problema, que é a falta de governança, a incapacidade de implementar acordos que nós mesmos fizemos”,

Para o economista Ricardo Abramovay, também da USP, só uma forte pressão social poderia levar a conferência a alcançar pelo menos uma nova forma de medir e avaliar o crescimento econômico que seja alternativa ao Produto Interno Bruto (PIB). “Precisamos entrar no mérito do que o sistema econômico de fato está oferecendo para a sociedade para podermos julgar se essa oferta aumenta o bem-estar das pessoas ou não e se está comprometendo os serviços ofertados pela natureza ou não.”

 


Lista de produtos de material de construção com IPI reduzido pode ser ampliada

Valor Econômico

O governo federal avalia a possibilidade de ampliar a lista de produtos de material de construção beneficiados com a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na quarta-feira, os representantes do setor pediram ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que mais 30 produtos fossem incluídos no grupo dos desonerados de IPI, o que implicaria a queda de preço ao consumidor e, consequentemente, aumento das vendas. A área econômica está estudando a proposta.

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Walter Cover, a solicitação foi para que o governo zerasse a alíquota de todos os produtos de material de construção. Mas ele admite que uma redução parcial já daria um alívio. “Seria importante esse estímulo porque como a concorrência é forte, a diminuição da alíquota seria repassada para os preços”, afirmou. Na avaliação dele, no entanto, é fundamental destravar o crédito para que o setor consiga atingir o crescimento projetado de 4,5% neste ano.

Em 2011, a baixa do IPI para materiais de construção foi prorrogada para o fim deste ano. A proposta do setor, que está sendo analisada pela área econômica, é aumentar a lista de beneficiados e por um prazo maior.

Além da ampliação da lista de desonerados de IPI, o presidente da Associação Nacional de Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco), Cláudio Conz, reforçou ao ministro que os bancos têm dificultado o acesso ao crédito. Conz destacou que nem o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de material de construção pela classe média está sendo liberado pelas instituições financeiras.

Em janeiro, o conselho curador do FGTS aprovou o uso do recurso do trabalhador para compra de material de construção. Inicialmente, foram aprovados R$ 300 milhões do fundo para a operação, que dependendo da demanda poderia ser elevado para até R$ 1 bilhão. A regulamentação foi finalizada em março, mas ainda não houve liberações.

Segundo um representante do conselho do FGTS, os bancos alegam que não querem atuar com a linha porque o risco de inadimplência é alto. O FGTS determinou uma remuneração de 6% ao ano e as instituições financeiras não podem cobrar uma taxa superior a 12% ao ano, que é o teto para operações do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Para o consultor do setor de material de construção Melvin Fox, ex-presidente da Abramat, houve um aumento do endividamento das famílias que não querem pegar dinheiro emprestado com um juro tão alto. A diminuição do custo do empréstimo pelos bancos públicos é importante para alavancar o setor, mas deveria ser maior. Ele defende também a desoneração do IPI para todos os produtos de material de construção. “Estudos mostram que a redução do IPI acaba estimulando o setor. Só não vejo agora uma queda radical”, destacou.

A queda do ritmo de crescimento da arrecadação do país, no entanto, pode ser utilizada pela área econômica como argumento para limitar as desonerações de impostos. A previsão de receitas administradas neste ano teve uma queda de quase R$ 10 bilhões.

 


Crédito restrito explica PIB menor, diz Mantega

Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, está convencido de que o fraco desempenho da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano decorreu, em boa parte, de uma restrição do crédito verificada no período. “Uma ação pró-cíclica dos bancos, no sentido de reduzir a disponibilidade de crédito”, disse, em entrevista ao Valor.

Segundo ele, essa restrição afetou de forma mais nítida o setor automobilístico, que depende muito do crédito. “De cada dez propostas de financiamento, só duas ou três estavam sendo aprovadas, o que causa uma contração”, analisou. Para agravar a situação, os bancos diminuíram o número das prestações dos financiamentos e aumentaram o valor da entrada para a aquisição de veículos. “Isso atrapalhou bastante”.

Outro fator que afetou o crescimento neste início de ano foi o agravamento da crise internacional. “Isso acaba afetando as expectativas, embora todos saibam que o Brasil é um dos países mais protegidos da crise.”

O Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br) mostrou queda de 0,35% em março na comparação com fevereiro, feito o ajuste sazonal. O IBC-Br é uma tentativa de antecipar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre, o IBC-Br cresceu 0,15% em relação ao trimestre anterior.

A avaliação do ministro sobre os fatores que contribuíram para o baixo crescimento do primeiro trimestre explica a atuação do governo nas últimas semanas, no sentido de ampliar a oferta do crédito e forçar uma redução dos spreads bancários. Para isso, o governo vem utilizando os bancos públicos, que baratearam o custo de seus financiamentos, o que levou os bancos privados a seguir o mesmo caminho, embora de forma mais lenta e comedida.

Para ajudar a ampliar o crédito, vários economistas defendem que o governo reduza os depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central. Mantega foi cauteloso ao tratar desse assunto, mas não afastou a possibilidade. “O governo está estudando um conjunto de medidas para viabilizar um crédito maior e mais barato para diversos setores”, anunciou.

Mantega observou que o setor de material de construção também foi afetado pela redução do crédito. “Ele cresceu em torno de 5%, porém é menos do que vinha ocorrendo”, disse, dando a entender que o governo poderá adotar alguma medida direcionada a este segmento. A hipótese de redução da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito também não foi descartada. “Tudo isso faz parte do arsenal que temos. Mas não podemos antecipar medidas que podem afetar o funcionamento dos mercados.”

Segundo ele, o governo está preparado para utilizar inclusive recursos fiscais para garantir que o crescimento brasileiro vai continuar. Ele disse que mesmo a queda de R$ 10 bilhões na estimativa de arrecadação da receita administrada pela Receita Federal neste ano, anunciada na semana passada, não reduzirá o espaço fiscal para as medidas. “O que será menor é a receita administrada. Outras receitas estão se expandindo, de forma que uma coisa compensa a outra”, explicou. “No primeiro trimestre, nós fizemos um superávit primário muito confortável, superamos a meta para todo o quadrimestre e acumulamos poupança. Temos recursos disponíveis”.

Ele assegurou que o governo continuará adotando medida para estimular a economia. “Na próxima semana sairão novas medidas e nós vamos tomando medidas diante das necessidades.” A entrevista ao Valor foi dada na sexta-feira.

O Brasil tem as bases para a continuidade do seu crescimento econômico, na avaliação de Mantega. Ele lembrou que o emprego continua aumentando e a massa salarial cresce acima de 5%. “O comércio varejista ampliado cresceu 0,6% em março sobre fevereiro. Se pegarmos o acumulado do ano, o crescimento é de 7,3%”, informou.

Mantega relativizou a análise que aponta a inexistência de espaço para sustentar a retomada da economia pela via do crédito, por causa do endividamento das famílias. Embora admita que o endividamento aumentou em relação a 2007 e 2008, ele observou que a demanda no Brasil continua em expansão e apenas foi afetada por uma deficiência de crédito. “Se reduzirmos o custo financeiro, e isso vai ocorrer, e aumentarmos a disponibilidade de crédito, recolocaremos no mercado os consumidores, que podem ter saído por causa da elevação do custo financeiro ou por dificuldade de liberação de novo crédito”, analisou.

Para ele, não se pode esperar e não é desejável que o crédito e o consumo cresçam às taxas de 2010, quando o crédito teve uma expansão de 30%. “Claro que, com endividamento maior, não se deve esperar isso. Mas se pode esperar um crescimento do comércio varejista de 7% ou 8%, o que é possível para alimentar um crescimento da economia de 4% ou 4,5%”, disse.

Desde o final de abril, as empresas brasileiras não tomam empréstimos no mercado internacional. Nas duas primeiras semanas de maio não houve uma única captação. Porém, o ministro da Fazenda colocou em dúvida se essa paralisação das captações já é um sinal do contágio da crise europeia no Brasil. “Não sabemos se foram as empresas que protelaram a tomada de crédito”, disse. “Provavelmente, elas estão pensando duas vezes em recorrer ao crédito externo porque ele ficou mais caro”, afirmou. Ele lembrou que a desvalorização do real encareceu o crédito externo e tornou o risco cambial mais elevado. “Mas não dá para dizer que está faltando crédito”.

O ministro da Fazenda admitiu que alguma restrição maior ao crédito externo poderá ocorrer com o agravamento da situação, mas ele não acredita que a crise chegue ao ponto de 2008, quando o suprimento para o Brasil foi totalmente cortado. “Se houver agravamento, eu acredito que ele será de menor intensidade e de mais curta duração do que em 2008”.

Mesmo se faltar crédito externo, Mantega diz que o governo tem condições de suprir com rapidez o mercado interno. “Se houver problema de recursos externos, nós temos hoje mais reservas internacionais (do que em 2008). Nossa situação cambial é sólida e supriremos a liquidez rapidamente”, garantiu. “Se faltar crédito, nós temos os compulsórios, temos crédito interno que poderemos disponibilizar. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] já tem hoje R$ 150 bilhões para liberar em 2012. O Brasil está preparado para enfrentar o agravamento da crise europeia. Temos vários instrumentos que não foram utilizados ainda. Não usamos nem 10% do arsenal que temos”.

O fraco desempenho da economia no primeiro semestre afetará o crescimento projetado para este ano, admitiu Mantega. “Para o ano todo, isso ficou mais difícil [crescer 4,5%]. Estamos aspirando algo em torno de 4%”, disse. “Mas com certeza o crescimento deste ano será maior do que o de 2011”. Para ele, já há indicadores de uma retomada da economia a partir de maio. “Abril não foi bom, mas em maio houve uma aceleração”.

Segundo ele, os dados de venda de veículos nas primeiras duas semanas de maio foram bons, assim como os dados do comércio varejista em geral. Além disso, o ministro lembrou que pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a confiança dos empresários aumentou este mês. Mantega chamou a atenção também para o fato de que algumas medidas já adotadas pelo governo, no âmbito do Programa Brasil Maior, ainda não entraram em vigor, como é o caso da desoneração da folha de 15 novos setores, que só começa a partir de julho. Mesmo a redução da taxa de juros realizada pelo BC, lembrou, demora um pouco a ter impacto sobre a economia. “No segundo semestre, nós estaremos crescendo nessa faixa de 4,5% até 5%”, disse.

 


Capacidade ociosa cresce e inibe investimento na indústria

Valor Econômico

A redução do nível de atividade da indústria de transformação em ritmo quase ininterrupto desde abril do ano passado contribuiu para diminuir os níveis de utilização da capacidade instalada em diversos setores da indústria no período, principalmente aqueles ligados à produção de bens de capital e de itens duráveis. Para economistas, a lenta recuperação da indústria deve demorar a pressionar o uso de capacidade e a consequência provável será um retardamento ainda mais pronunciado da retomada dos investimentos, já bastante deprimidos.

Em março, o nível de utilização da capacidade instalada aferido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) ficou relativamente estável em relação ao mesmo mês do ano passado, com queda de 0,5 ponto, para 83,8%. A produção da indústria de transformação, na mesma comparação, caiu 2,3%.

Em abril, dado mais recente disponibilizado pela FGV, o uso da capacidade passou para 83,9%, ainda 0,5 ponto abaixo do nível observado no mesmo mês do ano anterior. Dos 14 setores pesquisados, seis chegaram a abril com utilização da capacidade inferior ao observado no mesmo mês do ano passado. Outros três segmentos observaram ociosidade estável no período, enquanto em cinco segmentos houve aumento do uso da capacidade.

Os ramos em queda representam pouco menos de 50% do faturamento bruto da indústria de transformação, de acordo com a última Pesquisa Industrial Anual, de 2009. São segmentos relevantes, como metalúrgico, mecânico, material de transporte (que inclui toda a cadeia automobilística), têxtil, de produção de alimentos e matérias plásticas. Desse conjunto, todos estão no mínimo quatro pontos percentuais distantes do pico observado no período recente, enquanto a produção está entre 10% e 30% menor, na mesma comparação, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou um quadro semelhante. Os dados mais recentes da entidade, de março, desenharam uma cena de recuperação lenta da indústria, com aumento do faturamento e do nível de emprego. A capacidade instalada, no entanto, ficou em 81,5%, pior nível para um mês de março desde 2006, com exceção de 2009, ano marcado por forte retração da indústria. Dos 19 setores industriais pesquisados, em apenas seis a ociosidade diminuiu na comparação entre março de 2012 e o mesmo mês do ano passado.

Para o professor da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Gomes de Almeida, a queda da utilização da capacidade instalada reflete, em parte, a concorrência com o importado – efeito mais evidente em setores como têxtil e de fabricação de matérias plásticas – e também o encerramento de um ciclo de consumo de bens de capital e duráveis, o que pressiona segmentos como a indústria mecânica e de material de transporte. “A economia brasileira inicia o ano com dois problemas: a perda de espaço para o importado, que já foi uma grande questão em 2011, e a insuficiência da demanda efetiva, o que determina a redução da produção em alguns setores, como o de veículos.”

Na indústria automobilística, de acordo com a Anfavea, entidade que reúne as montadoras instaladas no país, houve queda de 3,4% das vendas nos primeiros quatro meses em relação a igual período de 2011, o que colaborou para que o estoque de veículos nas fábricas e nas concessionárias alcançasse 43 dias em abril, maior nível desde novembro de 2008.

Para Marcelo de Ávila, economista da CNI, o alto nível de estoques contribui para que as montadoras adiem a retomada da produção, o que resulta em queda do uso da capacidade. “A situação dos estoques é um agravante. A questão é que quando há um problema maior na indústria automotiva, o impacto se dá em toda cadeia, o que dificulta ainda mais a reação da produção industrial”, afirma.

“Quando o uso está relativamente baixo, não há estímulos para aumentar investimentos, e é isso que está ocorrendo”, diz Ávila. Para ele, a disposição do empresário para investir dificilmente deve responder às condições de crédito mais barato enquanto a produção continuar patinando. “Se uma indústria tem três máquinas paradas, não adianta comprar uma nova apenas para aproveitar a queda dos juros”, afirmou.

Em alguns setores em que há queda da produção e manutenção do nível de utilização da capacidade, argumenta Juan Jensen, economista da Tendências Consultoria, o investimento não tem sido suficiente nem mesmo para repor a depreciação das máquinas. O uso da capacidade instalada é a razão entre a produção e a capacidade de produção. Sem investimentos para repor o desgaste físico dos bens de capital, ele pode cair, apesar da atividade mais fraca. É o caso, por exemplo, de material eletrônico e de comunicações, em que a ociosidade diminuiu em março, de acordo com a pesquisa da CNI, apesar da forte queda de 18,4% da produção no período.

O resultado esperado dessa dinâmica é o recuo do investimento no início deste ano. A Tendências projeta queda de 3,1% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no primeiro trimestre, na comparação com os últimos três meses de 2011, feitos os ajustes sazonais. No ano, Jensen projeta crescimento próximo a 5% em relação a 2011, já que há expectativa de que a economia ganhe dinamismo a partir do segundo semestre, mas ressalta que a resposta deve ser mais dos investimentos em construção civil do que em máquinas e equipamentos.

Gomes de Almeida, do Iedi, considera 5% uma projeção “muito otimista”, já que a crise externa deve chegar ao Brasil via canal de expectativas e estagnar os investimentos industriais.

Para Aloisio Campelo, coordenador da Sondagem da Indústria da FGV, a utilização da capacidade tende a aumentar no segundo semestre, à medida que a atividade industrial responder aos estímulos já concedidos, como o ciclo de redução da taxa básica de juros e desoneração da folha de pagamentos. Para ele, como não houve acréscimos significativos de capacidade recentemente, qualquer avanço da produção deve elevar também o uso da capacidade.

Gomes de Almeida, do Iedi, concorda. “Se pensarmos na economia daqui a um ou dois trimestres, a demanda deverá estar mais aquecida, em função das medidas do governo”, avalia. Ainda assim, diz, há um risco não desprezível de que a recessão na indústria afete o nível de emprego e de renda, que por enquanto têm segurado o consumo de bens não duráveis. “Temos um contexto internacional ruim e um fator que conspira contra, que é o fim de um ciclo de consumo. Mas há aspectos favoráveis, como as medidas de estímulo. É um jogo que ainda está sendo jogado, mas espero um nível de atividade melhor no último trimestre do ano”, afirma.