Memória: Laudelina de Campos Mello
Por Camila Oliver
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2019, mais de seis milhões de pessoas trabalharam em serviços domésticos. Desse total, 92% são mulheres — em sua maioria negras, de baixa escolaridade e oriundas de famílias de baixa renda. E 7 entre cada 10 trabalhadoras/es não têm carteira assinada. Além disso, em junho de 2021, uma mulher foi resgatada de condições análogas à escravidão em São José dos Campos (SP) e em 2022 outra mulher negra nessa mesma condição foi resgatada em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. Vale ressaltar que esse quadro já foi ainda pior, quando não havia leis que assegurassem direitos às/aos trabalhadoras/es domésticas/os.
Por esse motivo, nesta edição de julho, a Memória de O Momento faz homenagem a Laudelina de Campos Mello, pioneira na luta por direitos de trabalhadoras e trabalhadores domésticas/os no Brasil. A sua iniciativa fez surgir o movimento sindical dos/as domésticas/os na cidade de Santos, São Paulo, em 1936.
Laudelina nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1904, filha de pais alforriados pela Lei do Ventre Livre, em 1871. Começou a trabalhar aos sete anos de idade, ficou órfã de pai aos 12 anos e abandonou a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe trabalhava. Aos 16 anos, já atuava em organizações sociais do movimento negro, sendo eleita presidente do Clube 13 de Maio, que promovia atividades recreativas e políticas entre a população negra de sua cidade. Aos 18 anos, mudou-se para a cidade de São Paulo e, aos 20, casou-se com Geremias Henrique Campos Mello. Em 1924, mudou-se para a cidade de Santos, onde nasceu o seu primeiro filho.
Em Santos, Laudelina participou da agremiação Saudade de Campinas, grupo que celebrava a cultura negra. Com dois filhos, Laudelina e Geremias separaram-se em 1938. Em 1936, Laudelina filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a sua atuação política nos movimentos políticos e populares intensificou-se. Tornou-se uma das diretoras da Frente Negra Brasileira (FNB), a maior entidade negra do século XX. Na FNB, Laudelina criou o Departamento Doméstico buscando a conscientização da categoria. A missão da FNB era “integrar o povo preto à sociedade”, promovendo cursos profissionalizantes, da valorização da cultura negra, da conscientização racial, política e da luta por direitos da população negra e contra a violência policial.
Ainda em 1936, Laudelina fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país, a qual foi fechada durante o Estado Novo, retornando às atividades apenas em 1946. Na pauta de reivindicações da associação estavam: auxílio às trabalhadoras e a seus familiares e inclusão da categoria na CLT.
Durante a Ditadura Vargas, Laudelina integrou, como voluntária, o Primeiro Batalhão Militar de Santos, mandado para a Itália na Segunda Grande Guerra (1939-1945). No campo de batalha, as suas funções eram: socorrer as tropas, cuidar da alimentação dos combatentes e atuar como soldada.
No início dos anos 1950, Laudelina foi para Campinas, cidade onde trabalhadoras brancas tinham preferência, o que a levou a protestar junto do Correio Popular contra a veiculação de anúncios preconceituosos. Assim, ela também integrou-se ao Movimento Negro de Campinas.
Em 1954, abriu a Escola de Bailado Clássico Santa Efigênia para meninas pretas, com professora de dança preta, em contraposição às escolas de bailes da sociedade branca que não admitiam alunas negras. Em 1961, obteve o apoio do Sindicato da Construção Civil de Campinas para fundar, em suas dependências, a associação de empregadas domésticas.
No dia 18 de maio de 1961, mil e duzentas empregadas domésticas estiveram presentes na inauguração da Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas. No ano seguinte, Laudelina foi convidada para participar da organização de diversos sindicatos da categoria em outros estados, militando também em movimentos negros e feministas.
Com o Golpe de Estado de 1964, para que a associação não fosse fechada, precisou ligar-se à União Democrática Nacional (UDN). Neste período, várias entidades trabalhistas, movimentos estudantis e organizações sociais e políticas entram na clandestinidade, e Laudelina foi presa por ser comunista. Permaneceu pouco tempo na prisão, contudo, a entidade acabou se dissociando, pois, mulheres brancas, patroas, assumiram o controle e logo foi fechada. Mas, em 1982, retornou à direção do movimento por insistência de suas antigas companheiras. A associação tornou-se Sindicato das Empregadas Domésticas em 1988, a principal diferença é que, enquanto a associação representa apenas as/os suas/seus filiadas/os, o sindicato pode desenvolver uma atuação mais política, de mobilização, e representa toda a categoria.
Laudelina morreu em 12 de maio de 1991, aos oitenta e seis anos, em Campinas, deixando sua casa para o sindicato da cidade. Contudo, Laudelina permanece viva no legado que a sua intensa militância produziu. Em 1989, foi criada a organização não governamental Casa Laudelina de Campos Mello, dedicada a celebrar a atuação e militância de Laudelina, e desenvolver ações de autonomia econômica, produção e troca de conhecimentos, além da formação e qualificação profissional de mulheres negras.
A memória de Laudelina foi homenageada pelo Governo Federal com a adição à Ordem do Mérito do Trabalho no grau de Cavaleira post-mortem em 2005. Já em 2015 foi produzido o documentário Laudelina: Lutas e Conquistas, resultado de uma parceria entre o Museu da Cidade (Campinas/SP) e o Museu da Imagem e do Som (MIS). Em 12 de outubro de 2020 Laudelina foi homenageada pelo Google com um Doodle.
Laudelina de Campos Mello, presente!