Governo prepara fundo único de pensão para Estados
O governo prepara um projeto de lei para criar um fundo único de pensão para os funcionários públicos de Estados e municípios que desejarem implantar a aposentadoria complementar e não tem condições de arcar com os custos desse empreendimento. Na sexta-feira, durante reunião do Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social (Conaprev), o governo espera conseguir a adesão de pelos menos seis Estados para a proposta, segundo informou o secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência, Jaime Mariz.
Ao mesmo tempo, o governo vai estimular os governos estaduais a capitalizar os seus fundos previdenciários com bens imóveis e com suas dívidas ativas. Segundo o secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim Guimarães, essa é uma alternativa para reduzir a atual “sangria” de recursos estaduais com o pagamento de benefícios aos seus servidores inativos, que dificulta os Estados a realizar investimentos. “Por causa dessas despesas, alguns Estados já romperam o limite prudencial de gastos com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse Guimarães.
Atualmente, a maioria dos Estados já possui dois regimes de previdência para os seus servidores. Um sistema de repartição simples, que abrange os aposentados já existentes e os funcionários mais antigos e um regime de capitalização para os com menos tempo de serviço, que opera com a lógica de acumulação de recursos. A maioria dos governos estaduais fez a segregação desses dois sistemas.
A terceira alternativa é a criação da aposentadoria complementar, que valerá apenas para os funcionários que ingressarem no serviço público estadual após a criação do fundo de pensão. Para esses, os Estados pagarão aposentadorias até o teto do INSS (de R$ 3,9 mil). Se quiser obter um valor maior de aposentadoria, o servidor terá que aderir à aposentadoria complementar, como fazem atualmente os trabalhadores da iniciativa privada.
No início, o governo federal estimulou os Estados a criarem os seus próprios fundos de pensão, nos moldes do Funpresp, instituído neste ano pela União. Mas apenas os governos do Rio e de São Paulo conseguiram criar os seus. Mesmo manifestando grande interesse pela ideia, os demais Estados não conseguiram arcar com os custos administrativos iniciais, pois não possuem escala para isso, uma vez que apenas os novos funcionários teriam que participar de forma obrigatória.
Diante dessa realidade, o governo começou a trabalhar a proposta de um fundo único que atenda esses Estados e os municípios interessados. A União apenas capitalizaria inicialmente o fundo, que seria administrado por um conselho compostos por representantes dos Estados participantes. O custo de administração do fundo seria compartilhado entre eles.
O governo acredita que essa proposta pode permitir que os Estados menores, no futuro, estruturem as suas próprias entidades e possam sair do fundo único. O secretário Mariz disse que a proposta do fundo único já foi levada ao Ministério da Fazenda, que espera a formalização do interesse dos Estados para continuar a discussão com o Ministério da Previdência Social.
O principal problema dos Estados, hoje, são os elevados estoques de benefícios previdenciários que são obrigados a pagar todos os anos. E essa conta só cresce. Em 2010, o déficit previdenciário (receitas previdenciárias menos despesas) dos Estados foi de R$ 31,1 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Previdência Social. Em 2011, esse déficit subiu para R$ 35,3 bilhões. Apenas cinco Estados foram superavitários no ano passado. O déficit de São Paulo, por exemplo, foi de R$ 9,3 bilhões e o do Rio de Janeiro, de R$ 6,1 bilhões.
Para fazer frente a essa despesa crescente, o secretário Leonardo Guimarães considera que os Estados podem lançar mão de bens imóveis que possuem e de sua dívida ativa. “Quase todos têm bens de valor que podem ser usados para capitalizar os fundos previdenciários”, afirmou. “Eles precisam fazer um inventário desses bens, selecionar alguns e destiná-los aos fundos”, disse.
Guimarães informou que o inventário de bens feito pelo governo de Mato Grosso identificou um patrimônio de R$ 23 bilhões, o que é mais do que suficiente para cobrir o déficit atuarial do regime previdenciário do Estado, estimado em R$ 15 bilhões. A transferência dos bens para os fundos previdenciários precisa, no entanto, ser autorizada por lei estadual.
Outra alternativa, segundo o secretário, é agilizar a cobrança da dívida ativa estadual. “Se for possível recuperar de 20% a 30% do total da dívida, já será uma receita importante para ajudar o Estado a arcar com os gastos previdenciários”, observou. Ele disse que o Rio de Janeiro já adota essa alternativa.
Múltis brasileiras mais globais
O Estado de S. Paulo
Gurus da autoajuda empresarial gostam de citar o ex-presidente americano John Kennedy em momentos difíceis. Em 1959, ele fez uma declaração que, apesar de equivocada, popularizou uma máxima sobre “crises”. Em chinês, disse o presidente, essa palavra é formada por dois caracteres – um representa “perigo” e o outro “oportunidade”.
Na prática, essa não é uma afirmação que vale para todos os casos em tempos de recessão. Mas, para as multinacionais brasileiras, até que é bem apropriada. Apesar das dificuldades, elas conseguiram se tornar mais globais, aproveitando o momento em que os empresários estrangeiros estavam com a corda no pescoço por causa da crise para acelerar as aquisições.
De 2007 até junho deste ano, as multinacionais verde-amarelas investiram US$ 99 bilhões na compra (total ou parcial) de empresas no exterior. Esse valor é quase o dobro do que foi investido nas duas décadas que antecederam a crise. “Não podemos dizer que foi um período fácil para as empresas brasileiras. Não foi”, diz Sherban Leonardo Cretoiu, coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral. “Mas, apesar das incertezas do mercado externo, as companhias conseguiram manter a expansão iniciada em 2005 e se tornaram mais internacionalizadas.”
Um exemplo emblemático do que foram esses cinco anos para as múltis brasileiras é o da fabricante de equipamentos Romi, sediada em Santa Bárbara D”Oeste, a 140 km de São Paulo. Em agosto de 2007, ela já se preparava para fazer sua primeira aquisição no exterior quando veio o primeiro soluço da crise: o banco francês BNP Paribas congelou os resgates em três fundos de investimento baseados em títulos hipotecários – era o “subprime”. “Nossa bola de cristal da época não mostrava que o mundo ia afundar”, diz o presidente da Romi, Livaldo Aguiar.
Mesmo assim, em maio de 2008, a companhia comprou a fabricante italiana de equipamentos Sandretto, por 5,5 milhões. “A Romi estava com ótimos resultados e a aquisição seria a porta de entrada para a Europa a um preço atraente”, conta Aguiar. Mas a crise derrubou o volume de pedidos e o alto custo trabalhista fez com que a primeira fábrica da Romi no exterior desse prejuízo (as perdas ainda não foram calculadas). Apesar do revés, Aguiar não desistiu do plano de expansão internacional, que visava reduzir a dependência da empresa do mercado brasileiro, onde está 75% da receita atual.
No fim de 2011, a Romi comprou também a alemã Burkhardt + Weber e já tem pedidos firmes para usar toda a capacidade da fábrica por um ano e meio. “Queríamos ter acesso a uma tecnologia mais avançada, e não apenas a um mercado”, afirma Aguiar. Hoje, a Romi já faz planos de equipar a fábrica do Brasil com as máquinas feitas pela subsidiária da Alemanha.
Desempenho. A Romi não foi a única a ter perdas no exterior. Levantamento recente da USP e da FGV com 95 multinacionais mostra que 80% delas não atingiram suas metas de faturamento e margem de lucro nos últimos anos. “É natural que empresas que estão no início do processo de internacionalização tenham um desempenho baixo”, diz Maria Tereza Leme Fleury, uma das autoras da pesquisa. “Mas a crise também influenciou.”
O momento de maior retração da expansão internacional foi 2009, quando mercados de todo o mundo entraram em compasso de espera até saber quanto faltava para chegar ao fundo do poço. No ano seguinte, os investimentos foram retomados. Agora, com mais turbulências na Europa, as multinacionais brasileiras fizeram nova parada técnica.
A compra de participações de empresas no exterior, que no primeiro semestre de 2010 movimentou US$ 14 bilhões, caiu para US$ 8,3 bilhões em 2012. “O medo do desconhecido fez com que elas colocassem novamente o pé no freio”, diz Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet).
Além disso, com o mercado ruim lá fora, as múltis estrangeiras têm apostado ainda mais fichas no Brasil. “É hora, portanto, de as brasileiras reservarem uma atenção maior para o mercado nacional”, afirma Luis Motta, sócio-líder de fusões e aquisições da KPMG.
A Petrobrás, que iniciou sua expansão fora do País nos anos 70 junto com gigantes como Odebrecht e Embraer, anunciou no ano passado que venderá ativos no exterior, como blocos de exploração e refinarias, para priorizar o pré-sal. “Essa, no entanto, é uma situação momentânea para boa parte das empresas brasileiras, porque a internacionalização é um caminho inevitável”, diz Lima, da Sobeet.
A última pesquisa da Fundação Dom Cabral sobre multinacionais brasileiras mostra que, embora 28% delas não queiram iniciar uma nova operação internacional no curto prazo, 60% planejam expandir atividades nos mercados em que já atuam.
Alguns fatores explicam por que é tão importante para as grandes companhias nacionais explorar o mercado externo. Primeiro: as empresas que querem crescer em seus segmentos precisam buscar novos mercados. “O Brasil é grande, mas o mundo é maior”, diz Alberto Mondelli, presidente da consultoria Mercer.
Para quem já é líder no mercado nacional, aumentar 1% ou 2% de participação custa mais do que começar do zero em outro país. Foi o que a fabricante de tubos e conexões Tigre, detentora de 50% do mercado no Brasil, pensou ao ir para os EUA em 2007. “Só agora tivemos um pequeno lucro, mas não vamos arredar o pé de lá, porque é o mercado onde podemos crescer”, diz Evaldo Dreher, presidente da companhia catarinense.
Para sobreviver à competição global, as multinacionais brasileiras não podem ignorar que suas principais concorrentes também são internacionais. É preciso olhar o mundo inteiro, para saber explorar as vantagens de cada país – como está fazendo a fabricante de motores elétricos WEG. Neste ano, a companhia passou a comprar componentes de fornecedores indianos para abastecer suas outras fábricas, incluindo a brasileira. Em 2011, também fez uma aquisição nos Estados Unidos para ter acesso a tecnologias para o setor de óleo e gás, com o objetivo de atender clientes como a Petrobrás e empresas do Oriente Médio.
Motivações. Ao mesmo tempo em que se tornam mais competitivas, as múltis conseguem reduzir os danos de uma possível recessão interna diversificando suas operações mundo a fora. Num período de crise como o dos últimos cinco anos, fica mais fácil fazer aquisições, já que o preço dos ativos no exterior despenca. Para quem precisa de escala para sobreviver é um bom impulso ao crescimento.
O caso do JBS, maior produtor de carne do mundo, é o que mais se destaca. Com nove aquisições em sequência a partir de 2007, a empresa viu o peso do mercado externo em seu faturamento saltar de 10% para 75% hoje.
Na mesma linha do JBS e com a mesma motivação de ganhar escala, a Stefanini, que atua na área de tecnologia de informação, chegou ao fim desses cinco anos com 71 escritórios em 29 países, responsáveis atualmente por 40% da receita do grupo. “Aproveitamos para assumir contratos de concorrentes com problemas financeiros”, conta o presidente da empresa, Marco Stefanini.
A estimativa da Sobeet é de que 900 empresas brasileiras estejam atuando no exterior – três vezes mais que há dez anos. A crise nos países desenvolvidos não é lá uma novidade para elas, já que por anos viveram num Brasil desfavorável aos negócios. A experiência aqui dentro ensinou que estar em vários mercados é uma proteção natural. “A capacidade de resistência é um ativo que a crise nos dá”, diz Stefanini. “O empresário sangra, mas vira o jogo.”
Reduzir pobreza não basta, diz Cepal
Valor Econômico
A América Latina teve sucesso em reduzir a pobreza na última década. Agora é hora de os governos agirem com força para combater a desigualdade e, assim, assegurar os ganhos sociais obtidos recentemente. Essa é uma das conclusões da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que abre hoje seu 34º período de sessões, em El Salvador.
O órgão das Nações Unidas apresentará suas propostas durante o evento, que reunirá delegados de 44 países-membros e 8 associados à comissão. Elas estão resumidas no livro “Mudança Estrutural para a Igualdade: Uma Visão Integrada do Desenvolvimento”. Com mais 300 páginas, a obra “propõe um caminho concreto para o crescimento de longo prazo com igualdade e sustentabilidade ambiental” na América Latina.
Antonio Prado, secretário-executivo-adjunto da entidade, afirma que a região vive uma espécie de “inércia” com relação à redução da desigualdade. E que os governos precisam agir ativamente para criar um cenário que favoreça essa diminuição. “Essa inércia não pode ser superada apenas com mecanismos de mercado”, afirma. “São esses mecanismos que ajudam a potencializá-la.”
Prado exemplifica dizendo que os setores de alta produtividade, responsáveis por 66,9% do PIB regional, geram apenas 19,8% dos empregos. Já os de baixa produtividade, incluindo-se aí os informais, respondem por 10,6% do PIB, mas empregam 50,2% das pessoas. Nesse estrato está a faixa mais vulnerável, que pode voltar rapidamente à pobreza. “Os investidores privados procuram setores onde há mais rentabilidade. O setor público tem que tomar a iniciativa”, diz. “Não é hora de os governos cortarem investimentos. É preciso uma política industrial para melhorar a qualidade do emprego.”
Os governos devem também atuar em outras frentes, como a política fiscal. “A carga tributária média na região, de 18%, 19%, é muito baixa para dar aos governos musculatura para investir”, diz ele.
BB e Caixa colocam mais R$ 64 bi em crédito na economia no 2º trimestre
O Estado de S. Paulo
Os bancos públicos em geral despejaram R$ 65,7 bilhões no mercado no segundo trimestre, colaborando para a volta do crédito e para a retomada da economia. Esse valor representa mais de 70% do crescimento total do crédito no País, que chegou a R$ 93 bilhões no período, conforme dados do Banco Central – o saldo passou de R$ 2,074 trilhões no primeiro trimestre para R$ 2,167 trilhões no segundo.
Obedecendo às orientações da presidente Dilma Rousseff, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil foram os maiores responsáveis por esse crescimento do crédito. A Caixa aumentou em R$ 29 bilhões o volume de empréstimos, enquanto o BB colaborou com R$ 35 bilhões – um total de R$ 64 bilhões.
Atraídos pela agressiva política de redução de juros dos bancos públicos, os consumidores migraram suas dívidas. Também optaram por tomar crédito na Caixa e no BB em áreas até agora pouco exploradas, como o financiamento de veículos.
Nos últimos meses, a portabilidade de crédito deslanchou. Os indicadores do BC apontam que foram, em média, 45,2 mil operações mensais de maio a julho, representando R$ 522 milhões por mês. Não há dados oficiais, mas é provável que boa parte dessa migração tenha sido em direção aos bancos públicos.
A Caixa foi a mais agressiva, com alta de 51,5% na carteira de crédito no primeiro semestre. A participação da Caixa nas concessões, excluindo financiamentos imobiliários, nos quais já é tradicionalmente forte, subiu de 5,9% em dezembro de 2011 para 7,1% em junho deste ano.
Cerca de 27 mil pessoas levaram suas dívidas para a Caixa no segundo trimestre, um aumento de 123% em relação ao primeiro. Em seis meses, foram 42 mil operações. “Acreditamos desde o começo no crescimento da economia e nos antecipamos”, diz Márcio Percival, vice-presidente de finanças da Caixa.
O BB foi mais cauteloso, mas, pelo seu peso, fez diferença. O banco cortou as taxas de juros em até 30% e sua participação de mercado subiu de 19,2% no primeiro trimestre para 19,5% no segundo. De acordo com Alexandre Abreu, vice-presidente de negócios de varejo, o banco cresceu na área de veículos, em que praticamente não atuava.
Ele conta que cerca de 60% dos novos financiamentos foram concedidos para pessoas que tomaram empréstimos pela primeira vez. Os brasileiros também trocaram dívidas caras por mais baratas. No BB, o consignado cresceu 20,6% no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2011, enquanto as concessões no cheque especial e no rotativo do cartão de crédito caíram 7% e 6%, respectivamente.
Com o impulso dos bancos públicos, o mercado de crédito começa a dar sinais de fôlego, mas a previsão dos analistas é que a recuperação só ocorrerá no quarto trimestre. “Estamos em um momento de transição”, diz Luís Miguel Santacreu, da Austin Asis.
O mercado brasileiro de crédito viveu um boom. Em 2008, cresceu 31%. Esse patamar desacelerou em 2009, para 15%, mas voltou a ganhar ritmo, com alta de 20,6% em 2010 e 19,1% em 2011. O brasileiro comprometeu uma fatia elevada da renda com dívidas e a inadimplência subiu.
No primeiro semestre, o crédito avançou apenas 6,8% em relação ao mesmo período de 2011, mas o BC prevê alta 15% no ano. Para os especialistas, há condições para uma retomada: estabilização da inadimplência, queda da taxa Selic e dos spreads bancários e renegociação de dívidas.
Em julho, a quantidade de pessoas que saiu de casa para procurar crédito aumentou 2% em relação a julho de 2012, segundo a Serasa Experian. Foi a primeira alta inter anual em nove meses. O registro de pessoas inadimplentes cresceu 10,5%no período – o menor ritmo desde julho de 2010. “As pessoas estão resolvendo os pagamentos atrasados e voltando a tomar crédito”, diz Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa.
De janeiro a julho, a recuperação de dívidas cresceu 13,5%, mais que a alta de 7% dos registros de inadimplentes, segundo a Boa Vista Serviços, que administra o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC). Até 2011, as pessoas davam mais calote que limpavam o nome. “Estamos no início de um ciclo mais sustentável de crédito”, diz Dorival Dourado, presidente da Boa Vista.
Poucas empresas escapam da queda geral dos lucros
Valor Econômico
No trimestre que talvez tenha marcado o fundo do poço e que levou mais de 60% das empresas listadas em bolsa a uma piora nos resultados, os setores de educação e de imóveis para aluguel chamaram a atenção de investidores na ponta oposta. Os lucros e resultados operacionais dessas empresas aumentaram de forma significativa e superaram as estimativas.
O conjunto das 245 principais empresas listadas em bolsa teve alta de 12% nas receitas, mas queda de 70% no lucro, no pior segundo trimestre desde 2002, de acordo com levantamento feito pelo Valor com base em dados da Economatica.
Já o grupo de 12 companhias dos setores de educação e de imóveis para aluguel – incluindo shopping centers -, avançou 65% no faturamento e lucrou 153% mais no período. (Nota: a amostra é diferente da que foi usada na tabela acima.)
“Esses segmentos tiveram melhora na rentabilidade pelo ganho de participação de mercado e de escala”, afirma João Noronha, estrategista-associado da área de pesquisa sobre ações do Santander. Ele destaca ainda que os dois segmentos reúnem empresas defensivas, que geram caixa e que permitem previsibilidade de resultados, mas com crescimento.
Outros setores que conseguiram melhora nos resultados no segundo trimestre, apesar do mau momento da economia em geral, foram os de farmácias, frigoríficos e planos de saúde. Os dois últimos, no entanto, não chegaram a empolgar e superar as estimativas dos especialistas.
O que não deixa dúvidas é que as empresas que conseguiram dar boas notícias aos investidores ainda são aquelas mais voltadas para o mercado interno. “Ainda que a economia esteja desacelerando, elas ainda tem um resultado melhor do que as ligadas ao cenário global”, afirma Noronha.
No setor de educação, as quatro empresas listadas – Anhanguera, Estácio, Kroton e Abril Educação – apresentaram melhora nos resultados. Embora a Abril ainda tenha ficado no vermelho, o prejuízo foi menor do que o registrado em igual período do ano anterior.
A procura por cursos de nível superior e a estratégia bem-sucedida de aquisições de faculdades de menor porte estão entre os ingredientes por trás do bom desempenho. “A falta de mão de obra qualificada abre espaço para um crescimento forte dessas empresas”, afirma Sandra Peres, analista da Coinvalores.
A base de alunos da Estácio aumentou 9,3% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Na Anhanguera, esse aumento foi de 31,4%. Já na Kroton, a base de estudantes matriculados saltou quase quatro vezes, para 412,8 mil, impulsionada principalmente pela aquisição da Unopar e da Uniasselvi, que a alçaram à condição de líder em ensino à distância.
Mas, para além do crescimento da base, a gestão eficiente e o sucesso na captação de sinergias também explicam o bom resultado das redes de ensino. A margem operacional da Estácio, após a incidência dos custos e despesas de operação, cresceu 3,4 pontos percentuais no segundo trimestre, para 11,3% e fez com que a empresa elevasse a projeção para o indicador no ano, de 14,7%, para 15,7%.
Na Kroton, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) cresceu mais de cinco vezes, para R$ 72,4 milhões. Nesse caso, a estrutura de custos enxuta do ensino à distância explica parte do bom desempenho. A margem bruta – a taxa de receita restante após a incidência de custos – da educação à distância foi de 80%, frente a 34,5% no segmento presencial. “O principal custo dessas empresas é com professores. No ensino à distância, um professor atinge centenas de alunos via Internet”, explica Sandra.
Na teleconferência sobre os resultados do trimestre, o presidente da Kroton, Ricardo Galindo, afirmou que, até outubro, pretende pedir o credenciamento de até 300 polos para ensino à distância.
Segundo Sandra, da Coinvalores, outro fator por trás do sucesso das empresas do setor é a parcimônia na estratégia de aquisições. Evitando a tentação de crescer a qualquer custo, que vitimou as incorporadoras, a redes de ensino se mostram dispostas a botar o pé no freio para manter a rentabilidade.
A Anhanguera já deixou claro aos acionistas que, neste ano, não quer adicionar novas empresas ao portfólio, mas sim capturar as sinergias e recompor seu colchão de recursos. Com essa estratégia, no segundo trimestre deste ano, a geração de caixa após os investimentos foi de R$ 49,5 milhões frente a uma “queima” de R$ 2,5 milhões no mesmo período de 2011.
No segmento de investimento para renda com aluguel, o lucro foi impulsionado por vendas e reavaliações de imóveis, mas os resultados operacionais também agradaram os investidores e as margens seguiram altíssimas.
Nos shopping centers, embora tenha havido uma desaceleração no ritmo de crescimento nas vendas no conceito mesmas lojas, o avanço permaneceu acima do verificado nas redes de lojas com ações em bolsa. “Ainda há uma migração do varejo de rua para os shoppings, por isso eles conseguem expansão maior que a do varejo como um todo”, afirma Renê Brandt, analista da Fator Corretora.
O crescimento via aquisições também teve influência nas farmácias, com ganhos de sinergia e crescimento constante dos negócios. O lucro da Raia Drogasil subiu 78% no trimestre, com impacto positivo das sinergias da associação entre as duas redes, como era esperado.
A Brazil Pharma, braço de varejo farmacêutivo do banco BTG e cujo modelo de negócios prevê importante atuação na consolidação do setor, saiu de prejuízo para lucro no segundo trimestre. A companhia atribuiu a melhora, principalmente, ao crescimento por aquisições e também por meio das lojas já existentes.
Na área de saúde, o analista Iago Whately, da Fator C orretora, diz que a formalização do mercado de trabalho ajuda, mas os resultados do trimestre não foram guiados por questões setoriais. Na Amil, que teve alta de 10% no lucro, ele diz que a data do Carnaval distorceu a comparação. “Por isso que parece que melhorou.”
Já Odontoprev e Tempo Assist tiveram melhoras nos lucros e nas margens, mas por questões específicas. “A Odontoprev trocou o sistema que era usado na Bradesco Dental, o que teve impacto positivo no custo. Já a Tempo tem também a parte de assistência, que é significativa para o negócio e puxou o resultado”, afirma.
Empresas de varejo, como Lojas Renner e Hering, também lucraram mais no trimestre. Nesse caso entretanto, a reação foi neutra. Só não houve surpresa negativa, destaca Valder Nogueira, analista-chefe da área de pesquisa do Santander, porque os analistas já haviam revisto para baixo, diante de dados macroeconômicos ruins.
Modelo para os aeroportos racha governo
Valor Econômico
A elaboração do pacote de novas concessões de aeroportos jogou o governo em uma zona de atrito constante entre dois grupos que guardam divergências ideológicas. Ao contrário do que vinha ocorrendo no desenho das medidas para rodovias e ferrovias, áreas nas quais a presidente Dilma Rousseff formou convicção rapidamente do caminho a seguir e seus principais auxiliares falavam a mesma língua, o mal estar entre essas duas alas se acentuou com a hesitação dela em torno do futuro dos aeroportos. Nada está fechado até agora.
O primeiro grupo é chamado de “privatista” no Palácio do Planalto. Estão nele o ministro Wagner Bittencourt (Secretaria de Aviação Civil), Luciano Coutinho (presidente do BNDES), Marcelo Guaranys (presidente da Agência Nacional de Aviação Civil) e Antônio Henrique Silveira (secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda).
Todos defendem novas concessões, começando pelo Galeão (Rio) e Confins (Belo Horizonte), mas incluindo pelo menos um aeroporto no Nordeste. Eles também levaram ao gabinete presidencial a ideia de privatizar dois terminais médios – Goiânia e Vitória – que têm um histórico de problemas graves com o Tribunal de Contas da União (TCU) e exigem investimentos em ampliação da capacidade.
No segundo grupo, destaca-se o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ele chegou ao ápice de sua força no governo Dilma e hoje é considerado o “cérebro” da ala que combate novas privatizações e defende o fortalecimento da Infraero. Nenhuma reunião sobre aeroportos é feita sem a sua presença. O grupo tem ainda a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e o secretário-executivo dela, Beto Vasconcelos, uma espécie de “pupilo” de Dilma.
O grau de divergências e a incerteza da presidente podem levar ao adiamento do anúncio de novas medidas. “Vamos deixar isso para outubro”, sugeriu Arno, na última reunião. Foi uma das poucas vezes em que Dilma demonstrou discordância com ele, na frente dos demais auxiliares, e cobrou empenho para fechar o restante do pacote em setembro.
Arno mexeu no plano de aviação regional, elaborado durante meses pela Secretaria de Aviação Civil, para incluir o ressurgimento de um subsídio do governo às companhias aéreas para viabilizar novas rotas entre pequenos municípios do interior. E foi pai da ideia de fazer parcerias público-privadas (PPPs) para atrair um sócio estrangeiro à Infraero, que continuaria como majoritária na gestão dos aeroportos.
Os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) chegaram a participar de algumas reuniões, mas se manifestaram de forma tímida e não são considerados protagonistas no debate. O comportamento do presidente da Infraero, Gustavo do Vale, intriga os dois lados. Ele chegou à estatal como um entusiasta das concessões, mas hoje acredita que tem condições de tocar obras no Galeão e em Confins com recursos públicos, além de ressaltar o fato de que pode comprometer sua capacidade financeira caso perca mais aeroportos lucrativos para a administração da iniciativa privado. Nas palavras de um conhecedor do que se passa nessas reuniões, Vale tem “coração privatista” e “cabeça estatizante”, mas manifesta apoio à ideia das PPPs.
Inclinada a favor do segundo grupo, Dilma determinou uma ida de Gleisi e de Bittencourt à Europa, para conversas pessoais com grandes operadores de aeroportos. Quatro gigantes serão sondadas e receberão explicações detalhadas sobre o modelo alternativo que ela pensa em aplicar: a alemã Fraport (Frankfurt), a francesa Aéroports de Paris (Charles de Gaulle), a britânica BAA (Heathrow) e a holandesa Schipol (Amsterdã).
Todas essas operadoras participaram do leilão de fevereiro, em associação com grupos nacionais, mas perderam a disputa por Guarulhos, Viracopos e Brasília. Em contatos informais com empreiteiras brasileiras, disseram não ter interesse em uma associação com a Infraero nos moldes das PPPs propostas agora pelo governo. A missão de Gleisi e Bittencourt à Europa estava sendo programada para esta semana e pode ser confirmada hoje.
Dilma, agora disposta a levar adiante as PPPs, tem demonstrado irritação nas últimas reuniões e seus auxiliares estão convencidos de que sua decisão ainda pode tomar um rumo diferente. No ano passado, quando os assessores presidenciais entraram em sua sala para uma reunião conclusiva sobre a proposta de privatizar o aeroporto de Guarulhos, ela surpreendeu a todos: “Quero incluir Viracopos e Brasília”. Ninguém tinha sido avisado e os dois outros aeroportos sequer constavam da pauta. Para um auxiliar de Dilma, é um sinal de que “às vezes ela decide com o fígado”.
Se vingar o modelo de PPPs com participação majoritária da Infraero, é provável que ela ganhe mais flexibilidade nas contratações, saindo definitivamente das amarras da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações). Se as dificuldades levarem Dilma a optar pela continuidade das privatizações, é certo que haverá mudanças.
Nesse caso, a tendência mais forte é que não haja obrigatoriedade de os consórcios incluírem uma operadora estrangeira no grupo, como ocorreu no leilão de fevereiro. Uma vez definidos os vencedores da disputa, haveria a exigência de, aí sim, encaixar uma grande operadora no negócio. A outra hipótese é aumentar o requisito de movimentação mínima de passageiros em um aeroporto estrangeiro. Esse número foi de 5 milhões por ano no primeiro e pode subir a níveis próximos de 30 milhões por ano, limitando a concorrência às maiores operadoras mundiais.
Hoje, o retrato é de pouca força política do grupo a favor das privatizações. Bittencourt e Guaranys foram apontados como responsáveis pela ausência dos grupos mais robustos na lista de vencedores do primeiro leilão. Antônio Henrique Silveira tem estudado profundamente o assunto, mas tem evitado entrar em conflito, nas reuniões. Apesar de Gleisi e Beto Vasconcelos estarem a poucos metros do gabinete de Dilma, os assessores da presidente avaliam que o futuro dos aeroportos hoje depende, em boa parte, das propostas que apenas duas pessoas lhe levarem: Luciano Coutinho e Arno Augustin.
Enquanto isso, o desencontro das informações veiculadas recentemente sobre as concessões de aeroportos, que reflete a indefinição dentro do próprio governo, constrange o Palácio do Planalto e tem levado o gabinete presidencial a disparar telefonemas que buscam identificar, entre os participantes das reuniões, quem está na origem dos vazamentos.