Economistas a favor de inflação na Constituição
Economistas aprovaram a sugestão do economista Edmar Bacha de incluir uma meta de inflação de longo prazo na Constituição, mas políticos foram mais cautelosos em acolher a proposta. Na defesa, acredita-se que é preciso garantir inflação baixa para juros no menor nível histórico. Já os políticos consideram que outras reformas são prioritárias e que o momento atual de crise não é adequado.
– Ainda temos mecanismos que perpetuam uma inflação elevada. Para perpetuar juros baixos, é preciso garantir inflação mais baixa – afirmou o professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, aprovando a discussão proposta por Bacha.
Para a diretora do Iepe/Casa das Garças, Monica de Bolle, em momentos de turbulência é importante estabelecer compromisso de longo prazo com controle de preços:
– É compreensível que se aceite inflação mais alta a curto e médio prazo, mas é preciso avaliar até onde isso vai e evitar o risco de um retrocesso.
Em reportagem publicada ontem no GLOBO, a ideia de Bacha também está no livro “Belíndia 2.0 – Fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes” (Civilização Brasileira), que será lançado hoje na Livraria da Travessa, no Leblon.
O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), disse entender a preocupação, mas discorda de se incluir metas de inflação na Constituição. Ele lembrou que já se tentou metas para juro.
– Existe essa consciência desde o governo Fernando Henrique, e continuou no governo Lula. Para ser mais justo, o processo começou com Fernando Collor e continua com Dilma Rousseff – disse.
Para o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), somente será possível estabelecer meta na lei após um conjunto de reformas, como tributária, revisão do pacto federativo e redução da burocracia:
– As reformas são necessárias, sem elas teremos dificuldades de estabelecer metas na Constituição.
O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) destacou o atual momento de crise global:
– Qualquer mecanismo de retenção orçamentária pode causar a desaceleração do crescimento. É óbvio que a inflação é sempre uma preocupação, mas o foco central deve ser a atividade econômica.
Bancos falidos deixam rombo de R$ 10,8 bilhões
Correio Braziliense
Apesar da quase certeza sobre a intervenção do Banco Central no Banco BVA, efetivada na última sexta-feira, o clima de insegurança que já rondava o sistema financeiro se agravou. O fim de semana foi marcado por troca de telefonemas entre executivos de várias instituições, especialmente as de pequeno e médio portes, que veem uma escassez ainda maior de recursos para se financiarem. “Sinceramente, não acreditamos muito quando o BC assegura que todos os problemas foram resolvidos, que, com a intervenção no BVA, deu-se por encerrado o processo de fechamento de bancos em dificuldades”, diz um integrante do setor. “Vivemos tempos de incertezas. Está cada vez mais difícil tocar nossos negócios”, acrescenta.
O motivo, destaca outro executivo, é o medo dos investidores de serem surpreendidos. Ele ressalta que, a cada intervenção, o discurso do diretor de Fiscalização do BC, Anthero Meirelles, é sempre o mesmo. Ou seja, de que não há mais problemas e que as irregularidades detectadas eram localizadas. Mas, nos últimos dois anos, sete bancos (PanAmericano, Cruzeiro do Sul, Morada, Schahin, Prosper, Matone e BVA) e uma financeira (Oboé) fecharam as portas ou tiveram as operações transferidas para outros grupos. Juntos, deixaram um rombo aproximado de R$ 10,8 bilhões. Esse buraco é maior do que o total de ativos administrados pela 32ª maior instituição do país, o Banco da Amazônia (Basa).
Chama a atenção, no entender dos especialistas, a facilidade com que, ao longo de anos, os bancos liquidados ou vendidos conviveram com fraudes, vendendo uma saúde que não tinha, sem serem importunados pelo BC. No Matone, incorporado pelo grupo JBS, descobriu-se um buraco de R$ 850 milhões cavado por meio de operações fictícias. No BVA, o total de créditos contabilizados de forma errada chega a R$ 550 milhões, mas, para se manter de pé, a instituição precisa de ao menos R$ 1 bilhão, o que sentencia sua liquidação. No Cruzeiro do Sul e no PanAmericano, onde a farra contábil era institucionalizada, os rombos chegaram a R$ 4,3 bilhões e a R$ 3,1 bilhões, respectivamente.
A cobrança em cima do BC, por causa desses sucessivos casos de fraudes, só não tem sido maior porque as operações não vêm envolvendo dinheiro público, como ocorreu nos anos 1990, com o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer). Desta vez, a conta está recaindo sobre o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), instrumento criado para garantir depósitos de até R$ 70 mil de pessoas físicas em conta-corrente e na caderneta de poupança e de até R$ 20 milhões em operações especiais, normalmente feitas por fundos de pensão, que administram recursos de trabalhadores.
“Porém, se outro caso perturbar o mercado nos próximos meses, pode ter certeza de que o BC será cobrado de forma mais incisiva. E não serão aceitas justificativas rasas, de oba-oba. Sistema bancário vive de confiança. E esse importante ativo anda desgastado, sobretudo no que se refere aos bancos de pequeno e médio portes”, admite um técnico do governo.
Montadoras apostam na prorrogação do IPI
O Estado de S. Paulo
As montadoras não falam oficialmente, mas esperam do governo a prorrogação do corte do Imposto dobre Produtos Industrializados (IPI) para carros, beneficio previsto para acabar no fim do mês. Para o presidente da Volkswagen do Brasil, Thomas Schmall, o governo deve trabalhar em medidas de longo prazo para tornar a indústria brasileira mais competitiva, mas também em medidas de curto prazo, como o corte de impostos.
“O que não podemos é deixar o mercado ir para o buraco neste momento, pois será mais difícil sair de lá”. As vendas de veículos na primeira quinzena deste mês caíram 10% ante igual período de setembro, que já tinha sido 30% menor que agosto.
O presidente da GM América do Sul, Jaime Ardila, disse que o setor não está negociando a manutenção do benefício com o governo, mas ele vê como “natural” a manutenção, ao menos até dezembro, tendo em vista que o novo regime automotivo entra em vigor em janeiro.
“O novo regime trará outras formas de se obter o corte do IPI, portanto vejo como natural que haja essa prorrogação para fazermos a transição.”
‘Nem nem’:legião que não estuda nem trabalha
O Estado de S. Paulo
O Brasil já aprendeu que lugar de criança é na escola. Tanto que praticamente todos os pequenos de 6 a 14 anos estudam (98,2%). O País, contudo, não teve o mesmo sucesso com jovens e adolescentes. Levantamento do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj aponta que quase um em cada cinco jovens (19,5% dos 27,3 milhões dos jovens entre 18 e 25 anos) não estuda, não trabalha, nem procura emprego. São os chamados “nem nem”, representados por um contingente de 5,3 milhões de pessoas.
É um cenário longe de ter um desfecho feliz. Em dois anos, a parcela dos jovens entre 15 e 17 anos que estuda caiu de 85,2% em 2009 para 83,7% em 2011, conforme mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Ou seja, há outros 1,7 milhão de adolescentes dessa faixa etária longe dos bancos escolares, um contingente que pode ajudar a engrossar a geração dos “nem nem”.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a grande maioria desses jovens de 15 a 17 anos mora com os pais. O que surpreende é que, entre os que têm de 25 a 29 anos e não estudam nem trabalham, há quase 20% chefes de família.
Não são poucos os motivos: da evasão escolar ao desalento, passando por gravidez precoce e envolvimento com o crime. Fazer o jovem não abandonar os estudos é, sem dúvida, o maior desafio da educação brasileira. A taxa de desemprego de adolescentes de 10 a 17 anos caiu de 20,1% para 19,4%, em dois anos.
“A evasão escolar mostra que a escola não está interessante o suficiente. É entre os mais pobres que encontramos as maiores proporções de excluídos, tanto dos estudos quanto do trabalho”, disse Adalberto Cardoso, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da UERJ, acrescentando que mudar esse quadro exige políticas públicas que busquem, por exemplo, incentivar as famílias carentes para a manutenção dos jovens na escola e criar espaços acessíveis e gratuitos de aprendizagem profissional.
Pelos dados do Iesp, com base no Censo 2010, o número de moças que não estuda e não trabalha é quase o dobro do número de rapazes: respectivamente, 3,5 milhões e 1,8 milhão. A maternidade é a grande explicação para essa distância. Para se ter ideia, 50% das jovens da geração “nem nem” têm filhos.
Mas a família não é a única explicação. Há, segundo Cardoso, um forte desalento em consequência da qualificação ruim. “A qualificação ruim dos jovens não permite a eles ingressarem no mercado de trabalho, mesmo em plena atividade. Os pobres são, sem dúvida, os mais afetados”, disse Cardoso, acrescentando que, na parcela mais pobre da população brasileira, com renda per capita de até R$ 77,75, quase metade dos jovens estava fora da escola e do mercado de trabalho.
Impactos
Tatiane Destefano, de 23 anos, teve de optar por dois sonhos em 2009: continuar os estudos, ela estava ainda no 2.º ano do ensino médio, ou ter o filho, que veio sem ser planejado. Ela optou pela maternidade e abandonou os estudos. Sem trabalhar, vive com a mãe na zona norte do Rio e conta com a ajuda da avó paterna de seu filho – o pai do garoto se recusou a registrar a criança.
Ela diz que não se arrepende da escolha. “Vivi a maternidade intensamente, estou com meu filho no principal momento de sua formação, que é até os quatro anos. Claro que tenho vontade de concluir os meus estudos e trabalhar, mas espero isso para quando ele estiver mais crescido.”
Determinada, Tatiane conta que nunca pensou em não ter a criança. Ela lembra que sua mãe é fundamental para ela e que um problema de saúde que atravessa agora dificultou a tentativa de retornar seus sonhos de trabalho e estudo. Mas ela não desiste. “Uma coisa é certa: nunca é tarde para recomeçar.”
Círculo vicioso
Para Fernando de Holanda Barbosa Filho, professor da Fundação Getúlio Vargas, a taxa de matrícula no Brasil é muito baixa. E, com isso, boa parte dos jovens que trabalha não tem o nível médio, o que ajuda a explicar essa condição de desalento estrutural. “É um problema de longo prazo. Afinal, o que se vê são perspectivas menores de emprego para os jovens que não concluem o ensino médio. A escola precisa ter qualidade”, apontou o professor da FGV. Mas, apenas isso, não retém o jovem. É preciso, segundo ele, tornar a escola mais atraente. E isso pode implicar até mesmo alterar o currículo das aulas. “Tornar a escola atraente passa por tornar o seu conteúdo mais apropriado à realidade. Muitos jovens, por exemplo, já viram que a taxa de empregabilidade dos cursos profissionalizantes é baixa. E, com isso, deixam esses cursos”, comentou ele.
Hildete Pereira, professora da UFF, acrescenta ainda que não é apenas a gravidez ou a maternidade os responsáveis por tirar as jovens da escola. “Não basta ter escola. É preciso ter escola com qualidade.”
Na avaliação de Flavio Comim, professor de Cambridge, a falta de investimento na juventude traz impactos econômicos e sociais. Com menos educação, afirma, os jovens ficam mais propensos a uma gravidez na adolescência, a maiores índices de violência e a vagas de pior qualidade.
Mas ele não acredita que a responsabilidade seja só do governo. “A esfera privada, e com isso eu quero dizer a esfera das famílias, dos espaços de trabalho, das comunidades não pode ficar de fora da discussão e da implementação de soluções para resolver o problema. A educação dos filhos deveria ser a prioridade de todos os pais. Por que não é? Em alguns casos, simplesmente não existem escolas, mas em outros, a grande maioria, o problema é de baixa qualidade da educação. O que os pais deveriam pensar é: o que fazer para melhorar a qualidade da educação da escola do meu filho?”
Emprego ruim
Cardoso, do Iesp, acrescentou que, em algum momento, esses jovens que não estudam e não trabalham vão tentar entrar no mercado de trabalho. “E parte desses jovens vai se tornar assalariado sem carteira assinada.” Em alguns casos, deixar os estudos pode ser uma opção para jovens quando o mercado de trabalho segue aquecido, apesar da desaceleração econômica no País. Com o desemprego em queda, o jovem se sente mais atraído a trabalhar, justamente no momento em que o setor de serviços, atual motor da economia, mostra-se como um dos maiores empregadores do País. E, ao contrário do que acontece em países desenvolvidos, o setor não exige profissionais altamente especializados.
Mas nem sempre o jovem que sonha em trabalhar quer largar definitivamente os estudos. Diogo Chaves, de 23 anos, abandonou o ensino médio quando começou a fazer o serviço militar obrigatório. Hoje, ele tem de correr para retomar seus projetos: interessado em virar policial, ele vai fazer um curso preparatório para concursos e tenta concluir o ensino médio em supletivo, para ser aceito no serviço público. “Realmente, tenho de recuperar o tempo perdido. O problema é que fica mais difícil se preparar para concurso e trabalhar. Fiz uma entrevista de emprego, mas o horário não coincidia. Tentei meio período em telemarketing, mas também não deu certo”, diz o carioca, que mora na Penha, zona norte do Rio, com os avós e com a mãe.
Reforma tributária continuará a ir fatiada para o Congresso, diz Ideli
Valor Econômico
A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, não terá um fim de ano fácil. A articuladora política do governo Dilma Rousseff tem a missão de mobilizar a base aliada para aprovar no Congresso Nacional a grande maioria das dez medidas provisórias (MPs) que tramitam no Legislativo e expiram até o fim de fevereiro. Em paralelo, precisará negociar propostas de interesse do governo e que terão impacto direto nas contas públicas e nos esforços do governo para elevar a competitividade do país.
Dilma quer que uma série de reformas avancem no Parlamento. Ideli assegura que ainda não foi acionada para negociar mudanças nas leis trabalhistas, na Previdência ou na regulamentação do direito a greve no serviço público. Por outro lado, a ministra só aguarda a conclusão dos estudos feitos pela equipe econômica para dar início às articulações para aprovar medidas que simplifiquem o sistema tributário nacional e mudem a atual forma de cobrança de PIS/Cofins. “Até o fim do ano com certeza nós teremos novidades”, afirmou a ministra ao Valor.
Ideli esquiva-se quando perguntada sobre as mudanças que a presidente Dilma deve fazer no primeiro escalão do governo para promover uma reacomodação dos partidos aliados. Entretanto, ela destaca que a aliança PT-PMDB sai fortalecida das urnas. E acrescenta que o PSD, sigla que ensaia uma aproximação ao Palácio do Planalto e consolidou-se nas eleições municipais como uma força entre os partidos de médio porte, tem potencial para passar a ocupar espaços no governo federal.
Ex-líder do governo e do PT durante a administração Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra acompanha à distância o julgamento do mensalão. Mas arrisca fazer um prognóstico sobre as consequências das decisões tomadas no Supremo Tribunal Federal (STF): as atuais práticas políticas permanecerão inalteradas, caso o Congresso não aprove uma reforma eleitoral.
A seguir, os principais trechos da entrevista da ministra:
Valor: A presidente Dilma tem sinalizado que pretende reunir forças políticas para simplificar o sistema tributário, um dos tópicos da sua agenda legislativa para depois das eleições. Como isso se dará?
Ideli Salvatti: Na parte da reforma tributária, vamos ver se a gente consegue fazer a Câmara aprovar aquela história do comércio eletrônico. Ali, são 26 a 1 [São Paulo]. No Senado, foi mais fácil aprovar porque todos têm três senadores. Na Câmara, já é um pouco mais complexo porque exatamente esse um tem uma bancadinha maior.
Valor: Quando serão enviadas ao Congresso as mudanças na cobrança de PIS/Cofins?
Ideli: Nós vamos ter novidades, porque o Ministério da Fazenda está mexendo no PIS/Cofins e na questão da cumulatividade. Eles estão com várias propostas em andamento. Sei que até o fim do ano com certeza nós teremos novidades. A reforma tributária até agora veio fatiada e continuará fatiada. Não há a menor condição de você fazer um conjunto de medidas porque, quando se coloca uma gama muito grande de assuntos, se perde toda a capacidade de construir maioria.
Valor: Outra indicação da presidente é a realização de mudanças nas leis trabalhistas e na Previdência. Como andam os preparativos para a retomada das negociações dessas propostas?
Ideli: Não tenho nenhum sinal disso, nenhuma luz.
Valor: E em relação à regulamentação do direito a greve no serviço público?
Ideli: Esse foi um tema que foi tratado e também houve uma movimentação [no Congresso], porque já tem projetos tramitando. Se vai sair um projeto daqui [Executivo], a gente tem que ver no retorno [dos trabalhos do Congresso] como é que fica.
Valor: O Supremo deu ao Congresso um prazo até o fim do ano para a aprovação de novas regras de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O governo entrará nessa discussão?
Ideli: Essa história do FPE é deles [Congresso]. Nós não vamos interceder, até porque não tem muito o que falar. A fórmula eles têm que ajustar entre os Estados. É uma pauta que nos preocupa bastante, apesar de não ser do governo. Ela tem uma implicação nas questões federativas. Se não conseguirem ter uma solução de mais prazo, eles não votam no Congresso. É lei complementar, uma tramitação complexa. É uma briga de foice no escuro. Não tem acordo e não vai ter votação simbólica.
Valor: Outra prioridade do governo no Congresso que esbarra num impasse entre os Estados é a aprovação da proposta de distribuição dos royalties do petróleo da camada pré-sal. Como a senhora trabalhará esse assunto?
Ideli: A presidenta Dilma tem um posicionamento muito claro, público, notório e sonoro: o que está em vigor não se mexe. O “daqui para frente” aí sim é possível fazer uma distribuição. Mas, por conta do debate do Plano Nacional da Educação (PNE), a posição também que ela tornou pública é no sentido de ter um vínculo deste recurso na sua totalidade ou em parte significativa para poder garantir a ampliação do investimento na educação.
Valor: Essas duas votações serão vinculadas ou há o risco de o PNE, que obriga a aplicação de 10% do PIB na educação, ser aprovado e depois as regras dos royalties não? Ou seja, criar-se a despesa sem a fonte de recursos…
Ideli: Por isso que a gente fez todo aquele movimento para que o plenário da Câmara se pronunciasse sobre o PNE. Sob o aspecto do debate e da consolidação desse vínculo, era muito importante que o plenário da Câmara tivesse apreciado o PNE.
“O PT saiu muito bem [da eleição]. Não se confirmou nenhum dos prognósticos [de perdas devido ao mensalão]”
Valor: Mas, agora teremos o debate dos royalties na Câmara e o do PNE, no Senado. Como vinculá-los?
Ideli: Como o debate do PNE deve levar um tempo e os royalties vão para o plenário da Câmara, acho que é possível os royalties encontrarem o PNE no Senado. O problema é saber se, sem ter debatido antes o PNE na Câmara com a totalidade dos parlamentares, a gente consegue aprovar o vínculo, porque isso vai ter que estar aprovado nas duas matérias.
Valor: Com que prazo a senhora trabalha para a aprovação das novas regras dos royalties, o que é essencial para que o governo possa realizar os leilões de exploração da camada pré-sal?
Ideli: Se tiver condição de aprovar no fim do ano, é bom. Se não puder, não há prejuízo maior, se for aprovado no primeiro semestre do ano que vem. Também não é aquela sangria.
Valor: E há ainda uma série de medidas provisórias em pauta, não?
Ideli: O problema é que a maior parte dessas MPs vence até o dia 28 de fevereiro, sendo que no mês de fevereiro eles [parlamentares] retomam o trabalho no dia primeiro com eleição de Mesa, presidências das duas Casas e das comissões. Lá pelo meio do mês, tem uma coisa chamada Carnaval. Para não correr riscos, tenho que votar dez MPs em menos de dois meses. Temos uns 40 dias.
Valor: Fora a aprovação do Orçamento, que sempre fica para a última hora…
Ideli: E mais o Orçamento, que precisa ter sessão do Congresso e reunião da Comissão Mista de Orçamento. E eles estão cada vez encurtando mais [o número de sessões deliberativas]. Antes, eram às terças e quartas-feiras. Agora, a gente já começa a perceber que terça[-feira] não adianta. É de arrancar os cabelos.
Valor: Os parlamentares podem aproveitar esse curto prazo que o governo tem para forçar a aprovação de emendas e contrabandos nessas MPs? Ou o fato de já virar logo o ano pode facilitar a edição de novas MPs sobre os mesmos assuntos das medidas que caducarem?
Ideli: Com a virada do ano, facilita nossa vida se [alguma MP] cair. Mas essa nova metodologia de tramitação das MPs permite que aquelas que têm uma negociação mais fácil passem na frente de outras. MP só tranca a pauta depois que sai da comissão. Vamos ter que fazer esse calendário assim.
Valor: Passadas as eleições municipais, como se dará o rearranjo da base aliada?
Ideli: Vamos ter que aguardar o segundo turno. Tivemos muitas manifestações ao longo do processo eleitoral, e é claro que é preciso se fazer os descontos dos arroubos eleitorais.
Valor: Mas já não dá para concluir que alguns partidos se consolidaram e outros perderam força?
Ideli: Do primeiro turno, tivemos resultados e gestos da consolidação do eixo PT-PMDB. Consolida o processo de reeleição da presidenta com esse eixo, mas este é um assunto para rodar mais nos próximos meses.
Valor: O PSD se consolidou como um partido de médio porte?
Ideli: O partido se consolidou. Todo mundo faz uma avaliação do seu crescimento, mas você tem que sempre lembrar que o PSD não surgiu do nada. É boa parte do DEM, e só teve dois partidos que cresceram em termos de prefeituras: PT e PSB. A quantidade de prefeituras que ele conquistou está muito vinculada às que os demais partidos perderam. O PSD se consolida como uma força significativa dos médios partidos.
Valor: A aproximação entre PSD e governo se intensificará?
Ideli: A tendência é que deve ter continuidade das conversas já iniciadas de vinda para a base. Sobre esse aspecto, teve gestos. O PSD fez gestos inclusive de proximidade, tanto que teve gravação da presidenta para [a campanha da] Dárcy Vera em Ribeirão Preto (SP).
Valor: Isso refletirá na inclusão do PSD no ministério? Já é possível fazer alguma previsão sobre reforma ministerial?
Ideli: Se o PSD, com esse peso, confirmar a sua vinda [para a base aliada], acho que é um partido que se coloca na possibilidade e na potencialidade de ocupar espaços de governo. Mas, obviamente, tudo isso depende da presidenta.
Valor: Falando sobre articulações para a constituição de uma coalizão de governo, a senhora acha que o julgamento do mensalão pelo STF pode levar a alguma mudança nas atuais práticas políticas e na forma como são feitas as alianças entre partidos?
Ideli: O que tem potencial e condição de efetivamente mudar isso são as regras do sistema político brasileiro. Não sei se o Congresso, no seu retorno, terá condição ou tomará alguma iniciativa. Agora, sem modificar as regras do sistema partidário, do processo eleitoral e organização não tem mudança. As regras que estão estabelecidas propiciam determinadas situações. Não considero que seja um julgamento que tenha potencial de modificar. O que tende a mudar isso é fazer modificações, por exemplo, no financiamento de campanhas e regras de composição.
Valor: E como levar isso adiante?
Ideli: Acho que teria uma possibilidade de fazê-lo, se adotasse a mesma lógica da reforma tributária. É fatiar e ver: aquilo que tem condição e maioria vai mudando. É algo que o Congresso tem que tomar a iniciativa. Uma votação difícil, mas absolutamente necessária.
Valor: A senhora arriscaria um prognóstico de como ficará o PT e a correlação de forças dentro do partido depois das eleições e do julgamento do mensalão?
Ideli: O PT saiu muito bem. Foi o partido que mais cresceu e teve o maior número de votos. Ampliamos e capilarizamos. Não se confirmou nenhum dos prognósticos [de perdas devido ao mensalão]. Aqui [na Secretaria de Relações Institucionais] não posso jamais olhar o PT. A minha questão sempre é a governabilidade. Mas, mesmo tendo aumentado o número de prefeituras só o PT e o PSB e em número de vereadores o PT, o PSB e o PDT, se você pegar os partidos que já estão [na base] e os que estão próximos, a oposição ficou absolutamente reduzida. Acho que não chega a um quinto dos prefeitos do país. Tivemos uma votação expressiva e significativa, que consolida a perspectiva da reeleição da presidenta.
Eleição regional deve impulsionar separatismo basco
Valor Econômico
O Partido Popular, do primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, manteve o controle da assembleia legislativa regional da Galícia, mas ficou muito atrás de dois partidos nacionalistas no País Basco. Esse é o resultado de um eleitorado dividido, que deu ontem um veredicto não muito claro sobre a maneira como Rajoy vem administrando a crise da dívida na Espanha.
As eleições legislativas nas duas regiões do norte do país foram o primeiro grande teste eleitoral dos esforços de Rajoy, em seus 10 primeiros meses de governo, para reforçar as abaladas finanças do país e conter o separatismo regional.
A liderança na contagem dos votos na Galícia, terra natal de Rajoy, deu ao primeiro-ministro algum espaço de manobra para levar a cabo medidas de austeridade econômica, mas o País Basco poderia produzir novas dores de cabeça, com a voz de um representante separatista eleito numa região que ainda se recupera de anos de violência do movimento separatista.
A contagem, quase finalizada no fechamento desta edição, mostrava o partido conservador de Rajoy ganhando 41 das 75 cadeiras da assembleia legislativa da Galícia, deixando para trás o Partido Socialista e dois concorrentes menores. Ele vinha louvando a Galícia como modelo regional do programa de austeridade econômica que seu governo vem implementando, em meio a crescentes protestos populares no resto da Espanha.
No País Basco, a votação mostrou um segundo lugar surpreendentemente forte de uma nova coalizão radical separatista, o suficiente para ajudar um partido nacionalista mais moderado a derrubar a atual coalizão governamental da região, entre o partido de Rajoy e o Partido Socialista.
Uma mudança de poder no País Basco, semanas após um protesto em massa pela independência da Catalunha, pode ampliar a tensão entre o governo central e as 17 regiões autônomas da Espanha, tensão que vem crescendo em paralelo com o fardo da dívida do país.
O partido de Rajoy e os socialistas cairiam dos 38 assentos que tinham para 26 (dos 75 assentos) na assembleia regional basca, mostrava a contagem quase em seu encerramento. O moderado Partido Nacionalista Basco, ou PNV – que já é o maior partido na assembleia – caiu de 30 assentos para 27, e o bloco radical pró-independência EH Bildu ganhou 21 assentos.
Iñigo Urkullu, o líder do PNV, agora está perto de se tornar o próximo governador basco, e dependeria do apoio de partidos menores para ter leis aprovadas.
Isso volta a fazer do País Basco um foco de agitação separatista na Espanha, ao mesmo tempo em que os nacionalistas da Catalunha pedem a autodeterminação e preveem grandes vitórias na eleição regional marcada para novembro. A eleição no País Basco foi a primeira desde que o grupo armado separatista ETA renunciou à violência, em 2011, terminando formalmente uma campanha de terror que deixou mais de 800 mortos.
Nas vésperas das eleições, o premiê Rajoy exortou os espanhóis a permanecerem unidos. Votar no seu partido, disse ele em um comício na Galícia na sexta-feira, “é apostar nos valores que unem todos os espanhóis – valores que são os mesmos para nós na Galícia, no País Basco, na Catalunha e em toda a Espanha”.
“É uma escolha entre a estabilidade, a moderação e o bom senso, ou a confusão, a incerteza e a tensão constante”, acrescentou.
A Espanha está em sua segunda recessão em três anos e tem quase 25% de desemprego. Seu orçamento ficou reduzido com o custo de socorrer alguns de seus bancos e governos regionais. Desde que assumiu o cargo, em dezembro, Rajoy aumentou impostos e cortou gastos, na tentativa de convencer os investidores de que a Espanha consegue administrar suas finanças sozinha, em vez de aceitar um custoso pacote de socorro internacional.
Os protestos em todo o país contra as medidas de austeridade têm aumentado nos últimos meses, e os sindicatos espanhóis convocaram uma greve geral para 14 de novembro.
A Galícia, no noroeste da Espanha, é um reduto do Partido Popular há 24 dos últimos 31 anos. Sua economia está um pouco melhor que a do resto do país, com a prosperidade gerada pela varejista de roupas Zara, cuja controladora, a Inditex, tem sede nessa região.
Mas as empresas menores sofreram durante a crise, e no ano passado o Estado assumiu o controle do principal banco de poupança da Galícia, devido a empréstimos inadimplentes. A taxa de desemprego da região quase dobrou, para 21%, desde que Alberto Núñez Feijóo foi eleito governador da Galícia em 2009.
Núñez Feijóo convocou a eleição regional cinco meses mais cedo. Os líderes da oposição disseram que ele fez isso por julgar que a Espanha iria pedir ajuda internacional nas semanas seguintes, iniciativa que poderia trazer mais medidas de austeridade e provocar mais agitações. Rajoy disse na semana passada que ainda não decidiu se pedirá um pacote de socorro.
Seja como for, Núñez Feijóo procurou se distanciar a do governo central. Ele concorreu com o slogan “A Galícia primeiro”, no idioma galego. Ele e Rajoy fizeram apenas uma aparição conjunta durante a campanha.