Em seis anos, Tesouro injetou R$ 390 bi em bancos públicos para estimular crédito

A forte expansão é resultado da estratégia do governo de estimular a atividade econômica e aumentar a concorrência no setor financeiro. Quarta-feira, o governo deu mostras de que a estratégia permanecerá ativa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a liberação de R$ 100 bilhões para o BNDES no ano que vem. Desse valor, cerca de R$ 45 bilhões poderão ter como fonte o Tesouro Nacional.

Para muitos analistas, porém, o modelo adotado pelo governo traz pelo menos dois riscos. O primeiro é financeiro: um crescimento muito acelerado do crédito pode implicar pesadas perdas no futuro caso haja alguma mudança abrupta no cenário econômico brasileiro e/ou global. Foi o que deu origem à crise financeira internacional que estourou em 2008.

“Se hoje, com a economia relativamente em boa situação, os índices de inadimplência estão elevados, o que pode acontecer se houver uma reviravolta?”, indaga o analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu. Ele pondera que, atualmente, “o crédito está andando na frente da economia, quando o ideal é que os dois caminhem juntos”.

O analista refere-se à velocidade de expansão dos empréstimos e do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12 meses terminados em outubro, o crédito total no País cresceu 16,6%, enquanto o PIB deve avançar cerca de 1% no ano.

Na Caixa Econômica Federal, o ritmo tem sido muito mais expressivo: 45%. Em geral, os grandes bancos privados de varejo consideram saudável um crescimento do crédito duas vezes superior ao do PIB, já descontada a inflação.

Dívida do governo

O segundo risco apontado pelos especialistas na estratégia do governo é fiscal: a dívida pública bruta é pressionada pelos desembolsos do Tesouro Nacional aos bancos, embora a dívida líquida (que desconta os ativos do governo federal) permaneça em trajetória de queda.

“Se essa política for mantida indefinidamente, poderá levar o Brasil a ter problemas de solvência no futuro”, afirmou o economia Felipe Salto, especialista em finanças públicas e analista da Tendências Consultoria Integrada.

Salto, que levantou os números para o Estado, observa que a dívida bruta brasileira deve encerrar 2012 próxima de 64% do PIB, segundo os critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na média, os países emergentes estão com endividamento na casa dos 35% do PIB. Os avançados, que enfrentam grave crise de confiança justamente por causa das dívidas elevadas, estão com 111% do PIB.

Para o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, esses dados mostram que a dívida bruta brasileira, hoje, não é alta nem baixa. “A questão é que a prudência recomenda que um governo mantenha o endividamento em níveis baixos para ter espaço fiscal caso tenha de enfrentar uma crise inesperada, como a de 2008”, afirmou.

Se a folga fiscal não é tão grande, o socorro de um governo para evitar (ou amenizar) uma recessão pode se transformar em uma crise ainda maior. É o que ocorreu nos Estados Unidos, que tinham um nível de endividamento relativamente confortável antes da quebradeira de bancos.

As medidas de George W. Bush e Barack Obama para evitar uma depressão como a dos anos 30 elevaram a dívida e, por tabela, o risco fiscal. A situação americana só não é mais delicada porque o país emite o dólar, ainda a moeda mais confiável do mundo.

Por tudo isso, o sócio da MCM Consultores e ex-diretor do Banco Central (BC), José Julio Senna, avalia que o governo tem de trocar de estratégia. “O problema do Brasil, hoje, é estimular a oferta da economia, e não a demanda, seja por meio de mais crédito público ou outros instrumentos”, argumenta.

Ele pondera que, na fase mais aguda da crise, a resposta do governo fez sentido. “Foi aceitável, naquela ocasião, o aumento do crédito público. Mas hoje vivemos a fase crônica da crise, que precisa de outro tipo de remédio.”

Senna afirma ainda que não vê riscos de solvência no Brasil de hoje, porque vários outros países têm situação fiscal pior. “Minha preocupação maior é com o uso dos recursos públicos, que deveriam ser direcionados para questões mais prementes do dia a dia dos brasileiros, como saúde, educação e segurança.”

Ele acrescenta, ainda, que empréstimos concedidos por instituições financeiras privadas tendem a ser mais bem aplicados (e, portanto, mais eficientes) porque não costuma haver interferência política na decisão.


Calçadistas fecham fábricas até fora do RS

Zero Hora

Ainda que os problemas que as atinjam hoje sejam diferentes, para o presidente do Badesul e coordenador do setor coureiro-calçadista da Política Industrial do Estado, Marcelo Lopes, as dificuldades enfrentadas por essas empresas podem apontar um erro de avaliação sobre os riscos de fazer a migração.

– Algumas saíram e acabaram voltando, e outras tantas têm crescido sem deixar o Rio Grande do Sul. Construir um cluster (complexo) calçadista não é fácil, e isso já está estabelecido aqui – afirma Lopes.

Vagas perdidas não retornarão

Mesmo que as empresas que deixaram o Estado estejam encontrando dificuldades em outros lugares, para o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, os empregos que se perderam com o fechamento das fábricas locais não devem voltar ao Estado. Conforme dados do Ministério do Trabalho e da Abicalçados, em 1991, o setor empregava 56,8 mil pessoas. No ano passado, eram 44,6 mil. Em duas décadas, 12,2 mil vagas foram suprimidas.

– São situações muito pontuais, não terão reflexos no emprego aqui. As empresas brasileiras sofrem com os importados – avalia Klein.

O presidente do Badesul, no entanto, considera possível a volta das empresas. Lopes afirma que estão sendo realizadas reuniões com representantes do segmento para discutir ações que ampliem a competitividade do Rio Grande do Sul.

– A questão fiscal é central para as empresas calçadistas. Tivemos modificações no ano passado, e é possível que possamos avançar nesse tema – projeta Lopes.

Nem na Bahia estrangeiros dão trégua

Fundada em Parobé, no Vale do Paranhana, onde chegou a ter 8 mil funcionários, a Azaleia deixou definitivamente de produzir no Estado em 2011. Agora está fechando 12 filiais no Nordeste, desempregando 4 mil trabalhadores. A única fábrica baiana que seguirá é a de Itapetinga.

A opção da Azaleia por produzir no Nordeste foi baseada principalmente nos incentivos fiscais recebidos. Conforme a Abicalçados, enquanto no Rio Grande do Sul o ICMS chega a 12%, a alíquoita na Bahia está perto de zero.

Além disso, a mão de obra nordestina, no início da migração das empresas gaúchas, há mais de 20 anos, era em média 10% mais barata. Hoje, essa diferença quase inexiste.

A Vulcabras, dona da Azaleia, afirma que está fechando as unidades em função de “sucessivos e elevados prejuízos financeiros”. O problema seria causado pela maior competição com produtos importados a preços baixos. Conforme analistas de mercado, o modelo de unidades em diferentes cidades estaria aumentando as perdas, o que explicaria a opção por centralizar a produção.

– A carga tributária não é só ICMS, e em certos setores se justifica não produzir no Brasil – diz o especialista em direito tributário e professor da UFRGS, Humberto Ávila.

Falta de boa mão de obra na Nicarágua

A Schmidt Irmãos chegou a ter 21 unidades no Estado, com 3 mil funcionários. Fundada em 1943, em Campo Bom, a empresa foi atraída para a Nicarágua em 2010 principalmente pelo acordo de livre comércio firmado entre países da América Central e os Estados Unidos. O Cafta prevê imposto menor para exportar, gerando redução no preço final do produto entre 10% a 12% em relação ao Brasil.

Pouco mais de um ano depois, a indústria perdeu seu principal cliente nos EUA. Além disso, teve dificuldades para treinar mão de obra qualificada. Em agosto, a Schmidt Irmãos começou a reduzir sua equipe na Nicarágua, e a tendência é de que a unidade seja fechada.

– A empresa ainda mantinha funcionários em Campo Bom, que agora devem perder seus empregos. Avaliamos que estejam encerrando definitivamente suas atividades – afirma o presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom, Vicente Selistre.

A Schmidt Irmãos confirma que deve deixar a América Central, mas não comenta desdobramentos.

– Há problemas culturais, que as empresas precisam analisar antes de decidir ir para outro país – analisa José Carlos Lehn, especialista em administração e negócios internacionais e professor da Universidade Feevale.


Analistas reduzem projeções para o PIB

Valor Econômico

O mercado financeiro continuou a reduzir suas apostas para o crescimento da economia brasileira neste e no próximo ano. Mediana das estimativas de cerca de cem analistas consultados pelo Banco Central para o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 1,27% para 1,03% em 2012 e desceu de 3,70% para 3,50% em 2013. Os números estão no boletim Focus, divulgados ontem.

A expectativa do mercado financeiro para a inflação neste ano voltou a se deteriorar. A mediana das estimativas dos analistas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurada pelo Banco Central para o boletim Focus, subiu de 5,43% para 5,58%.

Na sexta-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o IPCA marcou alta de 0,60% em novembro, ante 0,59% em outubro, uma variação bem acima da expectativa média de 0,50%, apurada pelo Valor Data.

No acumulado até novembro, o IPCA marcou 5,01% e, em 12 meses, 5,53%. No Focus de ontem, a mediana para a inflação em 12 meses passou de 5,39% para 5,44%. Para 2013, foi mantida a estimativa de 5,40% para o IPCA.

Na segunda-feira, mais dois indicativos de que a inflação ao consumidor está mais salgada. O IPC-S, da Fundação Getulio Vargas, se acelerou de 0,45% na última semana de novembro para 0,63% na primeira de dezembro. E o IPC também aumentou, para 0,56% na primeira prévia do IGP-M de dezembro, de 0,16% no mesmo período de novembro.

Apesar da perspectiva de deterioração da inflação e da atividade ainda fraca, o mercado não alterou sua projeção para a Selic ao fim de 2013. A mediana ficou em 7,25%, taxa atual. Já há quem considere uma taxa abaixo desse nível em 2013, mas essa expectativa ainda não chegou ao Focus.


Líderes europeus pedem que a Itália mantenha reformas

O Estado de S. Paulo

Diante da volta da turbulência, lideranças europeias foram unânimes em condenar o retorno da incerteza política na Itália e apelaram para que 0 próximo governo itaLiano mantenha as reformas iniciadas por Monti. “Berlusconi é uma ameaça para a Europa e para 0 mundo”, disse Martin Schultz, presidente do Parlamento Europeu. Há dois anos, Berlusconi comparou 0 político alemão a um “guarda” na porta de um campo de concentração. “Monti foi um grande primeiro-ministro e espero que as políticas que implementou continuem depois das eleições”, disse Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu em Oslo. 0 coro foi reforçado pelo ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, e pelo homem que tem a chave do cofre do resgate europeu, Klaus Regling, chefe do Fundo de Resgate da Europa.

Para os líderes europeus, a dívida italiana de 124% do PIB precisará ser tratada e as reformas terão de avançar, não importa quem vença as eleições. Na Espanha, 0 ministro de Economia, Luis de Guindos, disse que a instabilidade provocada pela Itália poderia contaminar seu país.

“A ajuda que a Espanha necessita hoje é que se eliminem as dúvidas sobre o futuro do euro.”


Possível fim do corte do IPI puxa venda de carros

O Estado de S. Paulo

Na primeira semana do mês, as vendas de veículos cresceram 13% em relação ao mesmo período de novembro, somando 84 mil unidades. A possibilidade do fim da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em vigor desde o fim de maio, está levando mais pessoas às lojas, informam concessionários. Já em relação a dezembro de 2011 o resultado da primeira semana é de queda de 16, 7%.

Há grande expectativa entre as montadoras de que o governo manterá o IPI menor ao menos até março, com receio de uma queda expressiva na atividade econômica no primeiro trimestre de 2013. Mas, se isso ocorrer, o anúncio da prorrogação será feito somente depois do dia 20.

Até lá, fabricantes e concessionários vão fazer campanhas com o mote de “último mês de redução do IPI” para atrair clientela. A General Motors realizou feirão na fábrica de São Caetano do Sul (SP) no último fim de semana usando o chamativo e vai repetir a dose no próximo sábado e no domingo.

“Nesta segunda-feira (ontem) já notamos maior número de clientes na loja, sinalizando uma movimentação maior em razão do fim do IPI”, diz Marcos Leite, gerente da revenda Volkswagen Amazon, na capital paulista. A loja está reforçando estoques para evitar falta de produtos e até garantir alguma sobra de modelos com IPI mais baixo para início do próximo ano.

Segundo Leite, apenas modelos importados como Jetta, Tiguan, Passat e Fusca estão em falta. “Não aceito nem encomenda, pois não há garantia de entrega até o fim do mês.”

Alguns carros que j á tinham lista de espera em outubro, quando ocorreu a última prorrogação do benefício do IPI, seguem com dificuldade de entrega. O compacto March, da Nissan, voltou a ser importado do México mas dificilmente o consumidor vai encontrá-lo para pronta entrega. Em algumas lojas de São Paulo também há fila para algumas versões do Fiat Grand Siena e do Ford EcoSport, segundo relatam concessionários. Na GM, a espera pode passar de 30 dias para Cobalt, Spin, Cruze e o recém-lançado Onix, mas há Agile, Celta e Classic – alvos principais do feirão – para pronta entrega.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta vendas de quase 370 mil veículos este mês. Se confirmado, será o terceiro melhor em vendas da história, atrás dos resultados de dezembro de 2010 (381,5 mil unidades) e agosto deste ano (420 mil).

Atingindo esse volume, a indústria fechará 2012 com vendas de 3,8 milhões de veículos, quase 5% acima do resultado de 2011. Para 2013, a estimativa da Anfavea é de chegar próximo das 4 milhões de unidades, incluindo caminhões, cujas vendas começaram a reagir em outubro.


Superávit da balança no ano chega a US$ 16,7 bi

Valor Econômico

A balança comercial brasileira registrou déficit de US$ 463 milhões na primeira semana de dezembro, informou ontem o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). O saldo negativo é resultado de US$ 4,678 bilhões em exportações e US$ 5,141 bilhões em importações. No ano, o resultado das transações comerciais brasileiras é positivo em US$ 16,722 bilhões. No mesmo período do ano passado, o saldo da balança comercial era de US$ 26,309 bilhões.

A média diária de US$ 935,6 milhões nas exportações da primeira semana de dezembro é 7% inferior à média diária de US$ 1,006 bilhão dos embarques realizados em todo o mês de dezembro de 2011. Essa queda é explicada pelo menor embarque de produtos básicos e manufaturados. Houve avanço nas vendas de semimanufaturados na mesma comparação.

As exportações de produtos básicos caíram 11,1%. No caso de manufaturados, os embarques apresentaram baixa de 7,8%. Já para os semimanufaturados, a média subiu 16,7% na mesma comparação.

Na outra ponta, as importações aumentaram 23,5% até a primeira semana de dezembro de 2012, com média diária de US$ 1,028 bilhão, ante US$ 832,7 milhões em todo o mês de dezembro de 2011. Houve aumento de gastos com produtos farmacêuticos (80,2%), cobre e suas obras (73,8%) e aeronaves e peças (53,2%).


Bancos desalojam 500 famílias espanholas por dia

Carta Maior

É a face mais perversa da crise econômica na Espanha: a cada dia mais de 500 famílias são expulsas de suas casas pela impossibilidade de seguir pagando o financiamento do imóvel ao banco. A previsão das associações de consumidores é de que até o final de 2012 o número total de desalojamentos forçados ultrapasse os 100 mil.

Como se os números não fossem suficientes para demonstrar o drama, há outros vários elementos que multiplicam sua intensidade e que levam milhares de cidadãos a perguntarem: “por quê?”

O primeiro ponto de dúvida sobre a validade de ações de despejo é que enquanto os antigos moradores passam a depender do favor de amigos ou parentes para ter um teto, seus lares ficam vazios, já que a recessão freou o comércio de imóveis em todo o país.

De fato, em 2011 (antes de que o problema atingisse seu auge, portanto) o número de financiamentos concedidos foi 33% inferior ao do ano anterior, mais um dado ruim para um setor que já acumula cinco anos no negativo.

Pior: além de não resolver o problema do banco – que de qualquer maneira fica sem receber dinheiro pelo imóvel que retomou – tomar a casa do comprador inadimplente não o livra da dívida, como acontece no Brasil. Pelo contrário, o sujeito desalojado fica sem teto e com um débito que varia entre 150 e 300 mil euros, segundo cálculos das associações que lutam pelos direitos desses cidadãos afetados pelo problema.

“É um embargo à vida da pessoa porque quando recupera a sua condição econômica, terá uma dívida imensa para fazer frente”, condena o técnico da Associação de Usuários de Bancos, Caixas e Seguros da Espanha (Adicae), Francisco Javier Alvarado, que mantém uma organização para tentar evitar os despejos.

Ocorre que grande parte dos inadimplentes estão incluídos nos 25% da população economicamente ativa espanhola desempregada. Existem 1,7 milhão de lares espanhóis nos quais nenhum integrante tem uma renda fixa – e mais de 5 milhões são sustentados por uma única pessoa com renda.

Diante dessa situação, não parece um absurdo que nos últimos 40 dias quatro pessoas tenham se suicidado ao receber o comunicado da justiça de que devem deixar seus lares.

“São dramas humanos muito fortes. Há vários casos de desalojo de famílias com crianças pequenas ou de anciões que deram sua casa como garantia ao financiamento pedido pelos filhos. É impossível ficar imune”, reconhece o porta-voz do Sindicato Unificado da Polícia espanhola, José María Benito Celador.

Os agentes reclamam de um problema de consciência: por um lado, não podem descumprir o seu dever nem as ordens que recebem. Por outro, o sindicato já denunciou casos inclusive de mal-estar físico, de guardas que tiveram que ser levados ao hospital depois de participar em um despejo. “Já há muitos agentes que se negam a ir a ações deste tipo”, revela. E coloca o dedo na ferida: “A lei é injusta”.

Inadimplentes são acusados sem direito à defesa

As centenas de pessoas que perdem suas casas diariamente na Espanha – já são mais de 500 mil desde 2008 – não são apenas vítimas de uma crise econômica que nem o Partido Socialista (PSOE) e tampouco o atual governo comandado pelo Partido Popular (PP) souberam solucionar.

Muitos dos contratos que permitem hoje aos bancos reclamar a casa pelo não pagamento da dívida de financiamento possuem cláusulas abusivas – a mais famosa é a que institui um mínimo de juros a serem pagos mesmo nos casos em que o índice que gerencia o reajuste das parcelas se reduza.

Mas há outras mais: “Durante o período da bolha imobiliária foram feitos todos os tipos de aberrações. Só pensavam em vender apartamentos e casas, não importa com que condições”, condena o técnico da Adicae, Francisco Javier Alvarado.

Não por casualidade a bolha imobiliária é um dos elementos que está na origem da crise econômica na Espanha. E embora o argumento seja suficientemente forte ao menos para levar um juiz a pedir um estudo criterioso de cada contrato, não é possível parar uma execução de despejo porque há uma cláusula legal que dá razão ao reclamante. “Contra os bancos ninguém pode se opor”, critica o porta-voz da associação progressista Juízes para a Democracia, Joaquim Bosch.

Não há direito à defesa, o sujeito não pode argumentar sobre o porquê não paga nem demonstrar que o contrato é nulo, abusivo, ou foi feito contra as leis. “No caso das hipotecas há uma nítida vantagem dos bancos sobre as pessoas. Essa situação vulnerabiliza o direito fundamental à moradia, que está garantido na Constituição”, denuncia Joaquín Bosch.

Vale lembrar que os bancos, que se beneficiaram da negligência dos órgãos de controle e de defesa do consumidor durante o período de fartura, também são os grandes protegidos dessa crise: enquanto que nos últimos cinco anos se destruíram 4 milhões de postos de trabalho no país, e apenas em 2012 houve aumento de impostos e recortes em serviços sociais, o governo espanhol teve que assumir como seu o resgate que a União Europeia concedeu às entidades financeiras 100 bilhões de euros. Parte do dinheiro será aplicada na criação de um “banco ruim”, que reunirá todos os ativos desvalorizados das instituições para sanear os caixas privados.

Decreto do governo é insuficiente

Diante da comoção social que tomou conta da Espanha no último mês – além de associações de todo o tipo se manifestarem contra a forma como estão sendo levadas a cabo as execuções hipotecárias, vários prefeitos de cidades espanholas liberaram seus corpos policiais de participar em ações de despejos, se comprometendo a assumir eventuais problemas judiciais que surjam por “insubmissão” – o governo atuou.

Sem conseguir um acordo com o principal partido da oposição (PSOE), a gestão de Mariano Rajoy (PP) baixou um decreto que paralisa durante dois anos os despejos em famílias que se encontrem em situação de “risco extremo”. Na prática, a medida fez com que os processos judiciais se detivessem porque agora é necessário reestudar cada caso para ver se se enquadra no perfil protegido pela lei.

Mas não é o suficiente. As associações acusam o governo de manobrar para tirar da mídia os casos mais dramáticos – os de famílias extremamente pobres, por exemplo, que revoltam mais a população – mas afirmam que o decreto não terá impacto significativo no número total de despejos.

“Essa moratória é insuficiente porque exclui a maioria das pessoas afetadas e não aborda o problema da dívida, que seguirá aumentando durante os dois anos previstos de moratória”, protesta a Plataforma de Afetados pelas Hipotecas (PAH).

“Pior”, prosseguem, “o decreto pode piorar a situação porque pode provocar que algumas pessoas atentem contra sua própria saúde para cumprir com o requisito de ‘doença grave’ ou que decidam ter um filho para entrar na categoria de ‘família com um filho menor de três anos’”. De todas as formas, nenhum dos casos de suicídio ocasionado pela ameaça de despejo seria evitado se o novo decreto já estivesse em vigor.

O que todas as associações consultadas para esta reportagem defendem é uma moratória geral no pagamento do financiamento bancário de imóveis que permita revisar a lei que gerencia esse mercado – que deveria conter a possibilidade de que a entrega do imóvel quite a dívida do comprador, algo que os bancos temem que gere uma distorção na toma de empréstimos.

A cidadania também solicita que o governo institua o “aluguel social”, o que além de tudo movimentaria o setor de compra e venda de casas e apartamentos ou a construção civil, já que o Estado deveria adquirir esses locais para logo alugar a famílias necessitadas.

Os bancos se manifestam apenas reiterando que lamentam o ponto a que chegou a situação, mas não propuseram nada além dos dois anos de moratória. A PAH já recebeu o comunicado de que para a próxima semana estão previstos 12 despejos, em oito diferentes municípios do país.


A receita da The Economist para o Brasil: liberar o “espírito animal do setor privado”

Carta Maior

Em seu último número, a revista The Economist disse que o ministro da fazenda Guido Mantega deveria sair, porque todas as suas previsões de recuperação econômica não tinham se confirmado. “O governo tinha convencido os economistas independentes de que, com uma moeda mais competitiva, com taxas de juros mais baixas e uma redução de impostos da indústria automobilística, a economia iria se recuperar”. As estatísticas foram – segundo a The Economist – “decepcionantes”, um “choque”.

O editorial e o texto sobre o Brasil foram publicados dois dias depois de o ministro da Fazenda do Reino Unido, o conservador George Osborne, reconhecer que o plano de consolidação fiscal que anunciou que o período 2010-2015 terá de estender a austeridade até 2018, para cumprir com o seu objetivo, sempre e quando se puder acreditar nas projeções quem os governos se baseam.

Não há nenhuma garantia. O Escritório para Responsabilidade Orçamentária, uma organização criada pela Coalizão Conservadora-liberal democrata para medir a marcha da economia, previu no começo do ano um crescimento de 0,7% para 2012. Agora disse que, na realidade, a economia vai se contrarir 0,1% este ano. O rombo fiscal é o dobro do projetado há uns dias.

Como se vê, nesse terreno minado das previsões econômicas, não há mais precisão no Reino Unido do que no Brasil. Por acaso a “The Economist” pediu a cabeça de Osborne?

Não é de surpreender. O semanário apoiou os conservadores nas eleições de 2010 e o programa de Austeridade da Coalizão. Em maio deste ano, mês das eleições, a economia estava se recuperando do estouro financeiro de 2008. Crescimento era anêmico – 1,7% -, mas começava lentamente a recuperar o alento, graças a um massivo programa de investimento público do governo trabalhista.

A austeridade da coalizão afogou este impulso. O programa previa cortes de 80 bilhões de libras (em torno de 140 bilhões de dólares) para o período 2010-2015, por meio de uma forte redução da estrutura estatal, com mais de meio milhão de desempregados. A esse golpe, o governo agregou outro: um aumento massivo de impostos.

Os despedidos começaram a engrossar as filas de desempregados que cobram o seguro-desemprego e que não contribuem, aumentando o gasto do Estado e diminuindo a arrecadação. Os consumidores em geral, mesmo os que conservam seus empregos, adotaram uma atitude mais cautelosa para diminuir o seu endividamento pessoal e se preservar, caso a enfermidade econômica acabasse os afetando.

O resultado macroeconômico está à vista. Em 2011, a economia foi se desacelerando trimestre após trimestre (de 0,4% entre julho e outubro, a 0,3% no último trimestre). Nos dois primeiros trimestres deste ano o crescimento foi diretamente negativo, uma medida convencional que os economistas usam para definir uma recessão (dois trimestres consecutivos). É a segunda queda que o Reino Unido experimenta em 3 anos.

As Olimpíadas de Londres deram um impulso econômico transitório que permitiu ao Reino Unido sair do crescimento negativo, mas a essas alturas o plano da Coalizão já estava em marcha. A queda na arrecadação devido à falta de crescimento é hoje tão pronunciada que, segundo as previsões que o governo anunciou na Câmara dos Comuns na última quarta-feira, será necessário mais três anos de ajustes para se alcançar o equilíbrio fiscal que se havia prometido para 2015.

Em sua nota sobre a situação econômica do Reino Unido, a “The Economist” faz uma análise fática, com números e gráficos, mas em momento algum fala da necessidade de mudança de estratégia. À diferença do editorial e da matéria sobre o Brasil, que deslizam rapidamente para o campo da opinião (“o que o governo Dilma Rousseff teria de fazer é deixar de se meter na economia, liberalizar o mercado de trabalho e deixar que o espírito animal do setor privado possa expressar-se livremente, para gerar o crescimento de que o Brasil precisa”), o artigo sobre a economia britânica se atém aos fatos, que termina usando como uma justificação do erro de cálculo de Osborne.

Sem explicitá-lo, o final da nota da revista sugere que não é necessária uma mudança de estratégia, no Reino Unido, porque a origem da crise não é o programa governamental, mas a situação econômica do mundo. “A miséria da zona do euro não vai terminar tão cedo, mas tampouco piorará. A desaceleração chinesa parece próxima do fim. Os Estados Unidos podem voltar a crescer com vigor na primavera e evitar o abismo fiscal. Um panorama global mais otimista pode evitar as más notícias para Osborne”.

Há que se aguardar para ver. Por ora, as notícias sobre a produção industrial, anunciadas na sexta-feira – a revista é publicada pela manhã – falam de uma queda de 1,3%, o nível mais baixo em duas décadas. “Esta queda aumenta as possibilidades de uma nova recessão, a terceira queda que a nossa economia experimentaria”, assinalou ao “The Guardian” Samuel Tombs, da consultoria Capital Economics. Caso esse prognóstico se cumpra, haverá uma mudança de perspectiva da “The Economist”? Calculo que não. Os pedidos de mudança de ministérios da Fazenda o semanário reserva para os ministros “intervencionistas” da América Latina.

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