Mariátegui e o jornalismo que ilumina

História e exemplo de um jornalista peruano pouco conhecido

Em razão do tipo violento e constante processo de invasão cultural norte-americana e, em certa parte, europeia, este país acabou, literalmente, dando as costas para o povo e a cultura da América Latina. Um dos resultados mais trágicos dessa exclusão deliberada é o desconhecimento e, consequentemente, a desvalorização da intensa e rica produção intelectual de nossos vizinhos. São inúmeros pensadores, escritores, lutadores do povo que entraram para nós na categoria de intelectualmente invisíveis. Mariátegui é uma dessas personagens que precisa ser conhecido.

José Carlos Mariátegui é peruano, nascido em 14 de junho de 1894, em Moquegua, uma cidadezinha ao sul de Lima. Foi jornalista e, segundo Luiz Bernardo Pericás (1), “é um dos mais criativos e originais pensadores marxistas de nosso continente”. Dedicou-se, na teoria e na prática, a questão educacional. Teve participação ativa na formação das universidades populares, no movimento estudantil, nas ações com camponeses e indígenas, na fundação da Central Geral dos Trabalhadores e do Partido Socialista do Peru. Mas Mariátegui é também um intenso produtor de um outro tipo de comunicação: a que ilumina e liberta às consciências.

Desde criança, José Carlos Mariátegui teve grandes dificuldades com sua saúde. “Sofrera de inanição e formação física defeituosa, com cansaço, febres e dores constantes – teve pouco acesso à educação formal. Foi basicamente autodidata por toda vida”. Nas muitas horas de solidão e isolamento, era nos livros de bibliotecas que mergulhava. Uma de seu bisavô, que foi jornalista, político, e outra do intelectual Manoel González Prada, que acaba sendo uma espécie de mestre para Mariátegui. Essa condição de autodidata terá forte influência em quase toda sua produção intelectual. Ele torna-se um crítico feroz da letargia e do conservadorismo nas universidades.

REVISTA AMAUTA – Mesmo com saúde muito frágil, começa a trabalhar como gráfico em jornais e revistas, círculos povoados de intelectuais anarquistas, rebeldes, comunistas, antioligárquicos. Inicia como entregador, assistente gráfico e linotipista em La Prensa. Em pouco tempo passa a escrever e publicar artigos, inicialmente crônicas do cotidiano. Mariátegui colaborou com várias revistas e jornais, como El Tiempo, El Túrf e Lulú. Junto com Abraham Valdelomar, Percy Gibson e José Maria Eguren cria a revista modernista Colónia, onde publica poemas. Ele também foi um dos criadores da revista Nuestra Época e, em seguida, do jornal La Razón, instrumento fundamental de apoio aos trabalhadores que realizavam vários movimentos grevistas pelo país.

Mais tarde faz sua própria revista, a Amauta, que em quéchua significa sacerdote, sábio. A publicação divulga as ideias socialistas, na qual colaboram os mais importantes intelectuais de vanguarda do Peru. Anos mais tarde, o próprio Mariátegui, que chegou a ser vice-presidente do Círculo de Periodistas do Peru, também começará a ser chamado de “Amauta” pelos intelectuais progressistas e socialistas de todo o continente. A revista circulava nas áreas urbanas e rurais no Peru. No campo, por exemplo, os textos da Amauta eram lidos em voz alta para os camponeses e depois ocorriam debates sobre o tema abordado. A revista não era apenas destinada a um público intelectualizado, mas aos camponeses e indígenas, muitas vezes analfabetos ou com pouca instrução formal.

Em jornais e revistas, Mariátegui denuncia a miséria do povo peruano, o militarismo e o Governo do Partido Civilista. Não se cala diante do atraso econômico de grande parte da população controlada pelo capital imperialista, que mantém relações sociais injustas para perpetuar seu domínio e aumentar seus ganhos. Ele tem participação ativa na luta dos camponeses, dos índios e de uma massa operária crescente. Mas é junto ao movimento estudantil que Mariátegui tem maior ação. Ele defendia a união entre estudantes e trabalhadores na luta pelo Socialismo.

Antes do exílio que ia sofrer por fazer críticas ao Governo de Augusto Leguía, José Carlos Mariátegui ainda recebeu forte influência do amigo, professor de Direito, diplomata e jornalista Victor Maúrtua, um entusiasta da Revolução Russa de 1919 e das doutrinas socialistas. É a partir daí que Mariátegui será um ferrenho defensor do envolvimento dos artistas e cientistas nas lutas do povo no sentido de ajudar a transformar o mundo e a “construir um homem novo”. No final de 1919, ele chega exilado à França, mas logo depois vai à Itália e depois para Alemanha. Sua passagem pela Europa foi fundamental para consolidar seu preparo intelectual e político. Na Itália, por exemplo, participou do XVII Congresso do Partido Socialista.

UNIVERSIDADES POPULARES – Em 1923, quando retorna ao Peru, Mariátegui vai dar conferências nas universidades populares criadas por Abraham Gómez, Luis Bustamante e Haya de La Torre. “O objetivo desses centros de ensino seria o de promover um ciclo de cultura geral com caráter nacionalista, e outro ciclo de especialização técnica, abrindo a universidade para o proletariado e para as camadas mais pobres da população e criando a possibilidade de maior democratização da educação e do aprimoramento do nível educacional e crítico dos trabalhadores”.

Mariátegui se tornou diretor da revista Claridad, órgão oficial das unidades populares. Essa publicação, com ele, radicalizou-se na defesa socialista e começou a ser considerada também órgão da Federação Operária Local de Lima e da Juventude Livre do Peru. Mariátegui ainda fundou a Sociedade Operária Claridad, representante das federações de trabalhadores e indígenas, das Universidades Populares González Prada e dos intelectuais de vanguarda. A ideia era produzir várias publicações para disseminar os anseios do proletariado, abrir livrarias operárias e editar livros, folhetos e revistas de propaganda que difundissem a cultura das classes oprimidas. Mariátegui se torna provavelmente a figura de esquerda mais conhecida e importante do país. Ao longo dos anos, sua casa se transformou no principal local de encontros de intelectuais, artistas, operários e estudantes.

Ainda em 1925, fundou, com seu irmão Julio César, a Editora Minerva, por onde publicou seu livro “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”. Em 7 de outubro de 1928 Mariátegui ajuda a fundar o Partido Socialista do Peru, tendo sido eleito Secretário-Geral. No início de 1929 ajudou a organizar a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru. Até o final da vida dirigiu a revista Mundial e ainda teve forças para fundar o jornal quinzenário Labor. Faleceu a 16 de abril de 1930, deixando sua vida como referência para todos os lutadores do povo, especialmente aqueles que se dedicam a construção de um outro tipo de educação e de comunicação, de um outro mundo possível.

José Cristian Góes

Referência:

(1) MARIÁTEGUI, José Carlos. Mariátegui sobre a educação. Seleção de textos. Tradução de Luiz Bernardo Pericás. São Paulo: Xamã, 2007.

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