Ser doutor é mais fácil do que se tornar médico

 

Para resolver o problema do SUS é preciso assumir, de fato, o compromisso com a saúde pública gratuita e universal. O que significa investir muito mais recursos. Em 2011, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 per capita em saúde. Menos do que vizinhos como Uruguai (US$ 817,8) e Argentina (US$ 869,4), por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747), cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto do governo. Hoje, falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e sem eficiência, duas obviedades, não se constrói um sistema decente. Mas, para investir mais dinheiro no SUS, é preciso tocar também em questões sensíveis, como o financiamento da saúde privada. Falta dinheiro no SUS também – mas não só – porque o Estado tem subsidiado a saúde dos mais ricos via renúncia fiscal.

Um recente estudo do IPEA (leia aqui) mostrou que, em 2011, último ano avaliado, quase R$ 16 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo governo, por dedução no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e desoneração fiscal da indústria farmacêutica e de hospitais filantrópicos. O que é, de fato, renúncia fiscal? Um pagamento feito pelo Estado: ele não desembolsa, mas paga, ao deixar de receber. Assim, quase R$ 16 bilhões, o equivalente a 22,5% do gasto público federal em saúde, deixaram de ser investidos no SUS para serem transferidos para o setor privado, numa espécie de distribuição de renda para o topo da pirâmide. Para ter uma ideia do impacto, é mais do que os R$ 13 bilhões que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirma que o governo está investindo em unidades básicas de saúde, pronto-atendimento e hospitais. Não é a toa que, entre 2003 e 2011, o faturamento do mercado dos planos de saúde quase dobrou e o lucro líquido cresceu mais de duas vezes e meia acima da inflação.

O governo tem estimulado a população – e também os empregadores – a investir em saúde privada. Um plano de saúde privado tornou-se uma marca de ascensão social. A “classe C” ou “nova classe média” tem sido vítima de planos de saúde mequetrefes que, na hora de maior necessidade, deixam as pessoas desprotegidas. Como muitos já sentiram na pele, quando a coisa realmente aperta, quando a doença é séria e requer recursos  e intervenções de ponta, quem vai resolver não é a rede privada, mas o SUS, porque uma parte significativa dos planos não cobre os exames e tratamentos mais caros.

Para que a solução seja estrutural – e não cosmética – é preciso acabar com as distorções e fortalecer o SUS. Sem dinheiro, o SUS vai sendo sucateado e se torna o destino apenas dos mais pobres e com menos instrumentos para reivindicar seus direitos. Assustada com a precarização do SUS, a classe média se sacrifica para pagar um plano privado, que tem sempre muitas letras miúdas. Os trabalhadores organizados incluem saúde privada na pauta sindical, afastando-se da luta do SUS. Quem tem mais poder de pressão para pressionar o Estado por saúde pública de qualidade, portanto, encontra saídas individuais – que muitas vezes vão se mostrar pífias na hora da urgência – ou saídas coletivas, mas para grupos específicos, no caso dos empregados com planos empresariais.

Enquanto sobrar distorções e faltar dinheiro, o SUS não vai melhorar. Não vai mesmo. Neste sentido, tem razão quem afirma que o programa “Mais Médicos” é demagogia. Mas apenas em parte.

Acrescentar dois anos ao curso de medicina e tornar esses dois últimos anos um trabalho remunerado no SUS, uma das mudanças previstas para iniciar em 2015, pode ser um aprendizado. E rico. Não só da prática médica como da realidade do país e da sua população, o que não pode fazer mal a alguém que pretenda ser um bom médico. Para que isso funcione, tanto como formação quanto como atendimento de qualidade à população, é preciso que exista de fato a supervisão dos professores e das faculdades. E essa é uma boa causa para as entidades corporativas e para as escolas de medicina.

Hoje, um dos problemas do SUS é a fragilidade da atenção básica: o que poderia ser resolvido nos postos de saúde ou pelo médico de família e que consiste em cerca de 90% dos casos acaba indo sobrecarregar os hospitais, que deveriam ser acionados apenas para os casos mais graves. A distorção provoca problemas de atendimento de uma ponta a outra do sistema. Por outro lado, entre os avanços mais significativos do SUS está o Programa Saúde da Família (PSF), um dos principais responsáveis, junto com o Bolsa Família, pela redução da mortalidade infantil no país. Mas faltam médicos para esse programa. A atuação dos estudantes de medicina poderá fazer uma enorme diferença. E isso não é pouco num país em que os filhos dos pobres ainda morrem de diarreia e de doenças já erradicadas nos países desenvolvidos.

A obrigatoriedade de trabalhar dois anos no SUS tem sido considerada por alguns setores, como as entidades corporativas, uma violação dos direitos individuais do estudante de medicina. Será que não poderia ser vista, além de um aprendizado, também como uma contrapartida, especialmente para quem estudou em universidades públicas ou foi beneficiado com bolsas do Prouni? O Estado, o que equivale a dizer toda a população brasileira, incluindo os que hoje não têm acesso à saúde pela precariedade do SUS, financia os estudos desses estudantes. Não seria lógico e mesmo ético que, ao final do curso, os estudantes devolvessem uma mínima parte desse investimento à sociedade? Para os estudantes das escolas privadas, o projeto prevê a liberação do pagamento das mensalidades nestes dois últimos anos. Mas sempre vale a pena lembrar que também há financiamento público das particulares, na forma de uma série de mecanismos, como renúncia fiscal para as filantrópicas e para as que aderiram ao Prouni.

Os estudantes de medicina serão remunerados pelo trabalho e pelo aprendizado. O valor mensal da bolsa ainda não está definido, mas a imprensa divulgou que será algo entre R$ 3 mil e R$ 8 mil. Ainda que seja o menor valor, que outra categoria no Brasil pode sonhar em ganhar isso antes mesmo de se formar? E mesmo depois de formado? Por que, então, uma resistência tão grande?

Por causa do abismo. A maioria dos estudantes de medicina vem das classes mais abastadas, como mostrou a Folha de S. Paulo de 13/7: na Unesp (Universidade Estadual Paulista), apenas 2% cursaram colégio público, contra 40% no geral; na USP (Universidade de São Paulo), 20% dos estudantes têm renda familiar superior a R$ 20 mil, não há negros na turma que ingressou em 2013. Historicamente, a elite brasileira não se vê como parte da construção de um país mais igualitário. Pelos motivos óbvios – e porque está acostumada a receber, não a dar. Assim, ter seus estudos financiados pelo conjunto da população brasileira é interpretado como parte dos seus direitos – não como algo que pressupõe também um dever ou uma contrapartida. Dever e contrapartida, como se sabe, são para os outros.

Não fosse esse olhar sobre si e sobre seu lugar no país, seria plausível que trabalhar os dois últimos anos do curso no SUS pudesse ser uma boa notícia para quem escolheu ser médico. Fosse até desejável. Primeiro, porque está ajudando a levar saúde a uma população que não tem. E, neste sentido, pode fazer a diferença, algumas vezes entre viver e morrer. Segundo, por participar da construção de um país mais justo, o que implica deveres ainda maiores a quem recebeu mais. Receber mais – melhores escolas, melhor saúde, melhores oportunidades – não significa que tenha de continuar recebendo mais, mas que precisa dar mais, já que a responsabilidade com quem recebeu menos se torna ainda maior. Terceiro, porque é inestimável a oportunidade de conhecer as dores, as necessidades e as aspirações das porções mais carentes do Brasil, não só pelo aprendizado médico em si, mas pelo que essa população pode ensinar sobre um outro viver.

Tornar-se médico – e não apenas um técnico em medicina – não passa pela capacidade de escutar o outro como alguém que tem algo a dizer não apenas sobre seus sintomas, mas sobre uma visão de mundo singular e uma interpretação complexa da vida?

Ao ler a maioria das críticas sobre o programa, o que chama a atenção é a impossibilidade de seus autores se verem como parte da construção de um SUS mais forte e eficiente, o que significa ser parte da construção de um Brasil melhor para todos – e não só para uma minoria. No geral, o que se revela nitidamente é um olhar de fora, como se tudo tivesse que estar pronto, em perfeitas condições, para que só então o médico atuasse. Mas é no embate cotidiano, no reconhecimento das carências e na pressão por mudanças que o SUS será fortalecido, como tem mostrado em sua prática uma parcela dos médicos tachada – às vezes pejorativamente – como idealista. Nesse sentido, também os estudantes de medicina e seus professores farão uma enorme diferença ao estar no palco onde esse embate é travado. Ao estar presentes – promovendo saúde, denunciando distorções e pressionando por qualidade – mais do que hoje.

Acredito que a vida da maioria só muda quando os Brasis se aproximam e se misturam. Tenho esperança de que esse programa – se bem executado, o que só pode acontecer com a adesão e o compromisso de todos os envolvidos – possa ser inscrito nesse gesto. O conjunto de medidas do “Mais médicos”, que inclui também a atuação de profissionais estrangeiros em áreas carentes, já promoveu pelo menos um impacto positivo: colocou o SUS no centro da pauta nacional. Seria tão importante que os protagonistas desse debate superassem a polarização inicial entre governo e entidades médicas para fazer uma discussão séria, com a participação da população, que pudesse resultar no acesso real da maioria a um sistema de saúde com qualidade. E seria uma pena que essa oportunidade fosse perdida por interesses imediatos e menos nobres, tanto de um lado quanto de outro.

É grande o debate sobre se faltam profissionais ou se eles estão mal distribuídos. O que me parece é que não faltam doutores no Brasil – o que falta são médicos. São muitos os doutores que ainda nem sequer se formaram, mas já assumiram o título e o encarnam num sentido profundo. O SUS terá mais chance quando existirem menos doutores e mais médicos trilhando o mapa do Brasil.

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Encomenda de máquinas tem recorde negativo

O Estado de S. Paulo

O ingresso de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para a indústria caiu 47% neste ano. Entre janeiro e maio, o setor recebeu US$ 5,8 bilhões, abaixo dos US$ 10,9 bilhões no mesmo período de 2012. Os dados são do Banco Central e foram compilados pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).

A queda dos recursos para a indústria supera o recuo total de IED para a economia brasileira, que caiu 23% no mesmo período, de US$ 21,7 bilhões para US$ 16,7 bilhões. O setor de serviços foi o único a apresentar crescimento no período, alta de 6% (de US$ 7,5 bilhões para US$ 8 bilhões). A agropecuária teve queda de 7% (de US$ 3 bilhões para US$ 2,8 bilhões).

“Estamos surfando numa onda negativa de investimento para o setor industrial no mundo e o Brasil não é uma exceção. Há vários fatores contra nós, como perda de dinamismo, redução do consumo e da renda real por causa da inflação mais alta”, afirmou Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet. As principais quedas na indústria são verificadas nos setores de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-79%), metalurgia (-75%) e produtos químicos (-55%).

A indústria também vem perdendo participação do IED. Até maio, 35% dos investimentos fora para o setor – é o número mais baixo desde 2008, quando a fatia industrial foi de 32%.

No ano passado, o agravamento do cenário internacional, sobretudo na Europa, deixou evidente a dificuldade de circulação de fluxos de investimentos em todo o mundo. Em relação a 2011, a queda foi de 18%, e com isso os investimentos estrangeiros ficaram abaixo do período pré-crise mundial.

Na indústria global, a queda de recursos disponíveis para fusões e aquisições no setor foi de 33%, de US$ 205 bilhões para US$ 137 bilhões, e de 42% para novos projetos, de US$ 453 bilhões para US$ 264 bilhões.

Com um cenário internacional menos amigável, ficou evidente a perda de competitividade da indústria brasileira, com um encarecimento da produção. Isso ajuda a afastar novos investimentos e abre caminho para a importação. Segundo o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, o valor do aço no Brasil é cerca de 40% a 60% mais caro do que na Europa. “O custo médio de capital de giro para uma empresa associada da Abimaq é de 30% a 40% ao ano. Não dá para competir com uma empresa da Alemanha, onde esse custo não passa de 3%”, afirmou Velloso.

As barreiras que travam e encarecem a produção da indústria nacional, aliadas ao real valorizado, fizeram com que o produto brasileiro ficasse 34,2% mais caro em 2012 em relação aos principais parceiros comerciais que exportam para o Brasil, segundo estudo da Fiesp.

“Essa relação deve mudar com o real mais desvalorizado este ano. A competitividade melhora, mas, para o consumidor, o mercado vai diminuir de tamanho”, disse José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp. “Para a indústria, a alta do dólar pode trazer mais impactos positivos do que negativos.”

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Medicina em crise: Médicos vão à Justiça contra o governo

O Globo

O Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou com uma ação civil pública contra a União para suspender o programa Mais Médicos, do governo federal. O Conselho questiona a possibilidade de o governo trazer médicos formados no exterior sem que eles passem pela revalidação do diploma e sem a comprovação de domínio da língua portuguesa. O CFM também prometeu para os próximos dias novas ações judiciais atacando outros pontos do programa.

A ação foi proposta na sexta-feira na Justiça Federal. O CFM pede que, até uma decisão definitiva da Justiça, os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) não sejam obrigados a fazer o registro provisório dos médicos formados no exterior inscritos no Mais Médicos. Para conseguir o registro, defende o CFM, é preciso comprovar a revalidação do diploma e apresentar certificado Celpe/Bras, atestando o domínio da língua portuguesa.

Segundo o CFM, caso isso não seja feito, haverá riscos à saúde da população, principalmente para os mais pobres, moradores das regiões que serão atendidas pelo programa. “O ingresso de médicos estrangeiros no território brasileiro para serem “jogados” nos mais longínquos rincões ou mesmo nas periferias das regiões metropolitanas, sem nenhum controle de sua capacidade técnica, é uma atitude, no mínimo, temerária, para não dizer criminosa”.

Segundo o CFM, sem a revalidação do diploma, o governo tem a intenção de permitir o exercício irregular e ilegal da Medicina no país.

Mas a portaria dos ministérios da Saúde e da Educação, publicada em 9 de julho, diz que “será aplicada avaliação para certificar que os médicos intercambistas possuam conhecimentos em língua portuguesa em situações cotidianas da prática médica no Brasil”.

Segundo o Ministério da Saúde, os médicos estrangeiros selecionados passarão por capacitação de três semanas em instituições de ensino públicas, antes de começarem o trabalho. Essa fase terá carga horária mínima de 120 horas e abordará a legislação referente ao sistema de saúde brasileiro, ao funcionamento e às atribuições do SUS, além de língua portuguesa.

Outras entidades médicas, como a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a Associação Médica Brasileira (AMB), fazem forte oposição ao Mais Médicos.

Governo faz mutirão

Ministros e secretários do governo estão rodando o país num esforço para promover o programa Mais Médicos e conseguir a adesão dos gestores municipais. Até amanhã, representantes de três ministérios deverão ter percorrido 11 estados, entre eles São Paulo, Minas, Rio, Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco. Estão sendo organizados encontros com prefeitos e secretários municipais de Saúde para tirar dúvidas.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tem uma agenda de viagens cheia. Na sexta-feira, ele foi a Salvador. No sábado, estava em Montes Claros, Minas Gerais. Hoje, está previsto ir ao Pará e ao Maranhão. Amanhã, será a vez do Amazonas. Secretários do ministério também já foram ao Ceará e a Minas, e devem ir ainda a Pernambuco e São Paulo.

Balanço do Ministério da Saúde mostra que, até quinta-feira, havia 13.857 médicos inscritos, sendo que 11.147 se formaram no Brasil e 2.710, no exterior. Por nacionalidade, são 12.701 brasileiros e 1.156, estrangeiros.

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Campo da OGX não teve aval da ANP

Valor Econômico

A Agência Nacional do Petróleo (ANP), não aprovou o plano de desenvolvimento da produção da OGX para o campo de Tubarão Azul, na bacia de Campos. Agora, analisa nova versão da empresa de 30 de abril. O campo foi o primeiro a produzir petróleo mas deve parar em 2014 por inviabilidade econômica. Uma fonte da agência disse ao Valor que os técnicos não concordaram com as estimativas de volume de óleo na área. “A agência não aprovou à época porque não se sentiu confortável com os volumes de óleo”, disse a fonte.

A declaração de comercialidade é uma decisão unilateral das companhias, já que a produção efetiva só pode ser feita a partir da aprovação do Plano de Desenvolvimento da Produção por parte da agência reguladora ou quando é produzido o chamado “primeiro óleo”. A partir daí passa a contar o prazo de concessão de 27 anos. Se não for comercial, a área tem que ser devolvida e volta a ser de propriedade da União.

Oficialmente, a assessoria da ANP informa que tem até setembro para analisar o novo plano de Tubarão Azul, que é o que define os investimentos, inclusive em poços e plataformas, com base na estimativa de óleo no reservatório. A cada pedido de informação ou revisão da ANP, a OGX ganha novo prazo, além dos 180 dias legais.

A OGX declarou a comercialidade de parte do complexo Waimea (onde estão os reservatórios Tubarão Azul, Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia) em maio de 2012. A descoberta de Tubarão Azul é de dezembro de 2009 e um ano depois a empresa apresentou o Plano de Avaliação de Descoberta (PAD). A petroleira de Eike Batista declarou a comercialidade do campo em maio de 2012, época em que apresentou o plano de desenvolvimento.

Como a OGX foi autorizada a fazer um Teste de Longa Duração (TLD) em Tubarão Azul, a avaliação da agência é de que o risco foi do investidor e que não havia porque negar a autorização à empresa de investir por sua conta e risco, observou uma fonte da agência ouvida pelo Valor. Ainda não está claro se esse campo será devolvido, com as perdas relativas aos investimentos já feitos lançadas em balanço, ou se poderá ser oferecido a outro investidor.

Tubarão Azul foi o primeiro campo da OGX a produzir petróleo (ela extrai gás no Maranhão). Ali foram perfurados três poços e instalada a plataforma OSX-1, que pertence à unidade de leasing do estaleiro OSX e que está à venda. O campo se mostrou inviável comercialmente e deve ter a produção paralisada em 2014, disse a empresa em comunicado em 1º de julho.

Já Tubarão Martelo, que faz parte do complexo de Waikiki, tem início da produção previsto para dezembro. O plano de desenvolvimento já foi aprovado pela ANP e, por isso, explicou a fonte, a diretoria se sentiu confortável para aceitar o pedido de uso da produção futura de óleo na área como garantia do Programa Exploratório Mínimo de R$ 700 milhões. Assim, a OGX poderá adquirir as 13 concessões vencidas no leilão de maio, se pagar R$ 376 milhões em bônus.

A ANP ainda não deu o aval para a venda de 40% de Tubarão Martelo à Petronas, da Malásia. Segundo outra fonte da agência, há problemas de documentação e ainda falta a aprovação final do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que o tema seja analisado pela diretoria colegiada. Só depois do aval da agência a OGX vai receber da Petronas US$ 250 milhões relativos à primeira parcela da venda, que foi de US$ 850 milhões. A segunda parcela, de US$ 500 milhões, será paga após o primeiro óleo.

A discordância da ANP quanto aos volumes de óleo de Tubarão Azul são indicativo de que a direção da OGX tinha pleno conhecimento dos riscos envolvidos na exploração da área. Em artigo, publicado na edição de sexta-feira no Valor, Eike diz que relatório da consultoria DeGolyer & MacNaughton (D&M), cujo “prognóstico”, nas suas palavras, era de que a OGX detinha recursos de 10,8 bilhões de barris de óleo equivalentes (contingenciais e prospectivos). A D&M é uma consultoria especializada das mais respeitadas do mundo e audita as reservas da Petrobras, inclusive as adquiridas no processo de cessão onerosa.

“Meu corpo técnico me reafirmava, dia após dia, a mesma coisa”, disse Batista no artigo. “Eu não investi na indústria do petróleo sem me cercar daqueles que eu e o mercado entendíamos estar entre os mais capacitados profissionais com que se podia contar”.

Essa afirmação deixou surpresos executivos que trabalharam na OGX. “Os riscos sempre foram informados e estão escritos com detalhes no relatório. É só olhar”, afirma um deles. “Mas não era interessante destacar isso na época porque estava sendo criada a OSX e ela precisava de encomendas de plataformas”, afirmou outro, pedindo para não ter o nome revelado.

O ex-executivo também questiona a afirmação de Batista de que não foi informado corretamente sobre os riscos por seu corpo técnico. “Eike Batista é um vendedor que conhece bem o mercado e sempre fez questão de ter a última palavra em tudo. Foi por muito tempo presidente da companhia e do conselho de administração. O problema é que ele só queria ouvir coisas boas e esculachava quem era mais realista. Para o resto não dava atenção”, disse.

Batista disse, no artigo, que continua acreditando na OGX e que nos últimos meses a companhia está sendo reinventada. Para fontes, é esperar para ver o resultará desse processo. Credores e investidores aguardam os próximos capítulos e torcem para não estarem vivendo, de fato, o obituário empresarial de Eike.

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Congresso não vota projetos anticorrupção

Valor Econômico

Estopim da maior crise política do governo Lula e alvo de operações da Polícia Federal que levaram à cadeia um de seus diretores, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ganhou um programa de prevenção à fraude, inédito na administração pública federal. O gaúcho José Luis Boll, funcionário de carreira da Controladoria-Geral da União (CGU) e nomeado recentemente chefe da auditoria interna dos Correios, está à frente do projeto.

Um dos pilares do programa é a identificação de cada etapa dos processos “críticos” e de quem são os funcionários responsáveis por eles: licitações, contratos, convênios, patrocínios, informática. A ideia é aumentar o rigor no monitoramento dessas ações.

“Os problemas encontrados nos Correios tiveram origem nas falhas dos controles internos”, diz Boll, referindo-se a escândalos que a estatal protagonizou na década passada. “Onde há possibilidade de fraudes, o programa propõe maior controle para mitigar esses riscos”, acrescenta.

A prevenção inclui, por exemplo, orientações a servidores que atuam em comissões de licitação a fim de identificar antecipadamente práticas como o conluio entre fornecedores. Estão sendo fechadas parcerias com órgãos como a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU) para aperfeiçoar a apuração de suspeitas de irregularidades, bem agilizar investigações no primeiro indício de irregularidades.

A auditoria interna dos Correios, formada por uma equipe de aproximadamente 250 profissionais, está sendo dividida em núcleos especializados, como o de contratos e o de licitações. Isso permitirá, segundo Boll, uma vigilância mais atenta sobre procedimentos que merecem cuidado especial. “A ideia é que tenhamos, com esse projeto-piloto, uma referência para toda a administração federal”, comenta.

Foi na estatal que teve início a maior crise política do governo Lula – o mensalão. Um vídeo, que mostra o então funcionário Maurício Marinho recebendo dinheiro de empresários, esteve na origem da CPI dos Correios. No vídeo, Marinho dizia ter autorização do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), que acabou denunciando o esquema de pagamentos conhecido como mensalão.

Depois, em 2008, uma operação da Polícia Federal desmontou um esquema de fraudes em agências franqueadas da ECT. Por ter ocorrido no mesmo alvo do escândalo anterior de corrupção, ficou conhecida como Operação Déjà Vu. Foram presos empresários e servidores, entre os quais o diretor comercial dos Correios.

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Setores desonerados ainda perdem para importados

Valor Econômico

A desoneração da folha de pagamentos – medida que reduz o custo da mão de obra – e a alíquota adicional de imposto na importação não atingiram pelo menos um dos objetivos: a entrada de produtos estrangeiros cresceu, mesmo com os incentivos. Apesar da política de estímulo à competitividade da indústria nacional, a compra externa de mercadorias produzidas pelos setores beneficiados ganhou mais peso nas importações totais do país.

O desembarque de itens beneficiados nos ramos de couro e calçados, confecções, têxtil, móveis, plástico, materiais elétricos, bens de capital e transporte (autopeças, ônibus e naval) subiu, em média, 6% nos últimos 11 meses – quando a desoneração da folha já estava em vigor – em relação a igual período anterior.

Apesar dessa e de outras medidas, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a entrada de bens estrangeiros dos setores beneficiados avançou mais do que a média nacional. Considerando tudo que o país importou de agosto do ano passado a junho de 2013, as compras internacionais subiram 0,2% na comparação com o mesmo período anterior.

Ao decidir incluir um segmento na lista de desoneração da folha, o governo escolhe detalhadamente os itens que, quando produzidos no país, têm direito à redução no pagamento de contribuição previdenciária – um dos maiores custos da indústria. A descrição dessas mercadorias é bem específica. Se um produto com essas mesmas características entrar no Brasil, haverá uma cobrança adicional de Cofins, que pode variar de 1% a 2% a mais em relação à alíquota normal.

Junto com a medida para reduzir os gastos dos setores com mão de obra, foi criada, então, mais uma “barreira” à importação. A ideia é aumentar a competitividade das empresas brasileiras, diante da forte entrada de produtos estrangeiros.

Levantamento feito pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, mostrou que, nos últimos 11 meses, os desembarques de itens beneficiados nos setores têxtil, couro e calçados, confecções, móveis, plástico, materiais elétricos, bens de capital e transporte somaram US$ 60,4 bilhões, o que representa 28,4% do total importado no período (US$ 212,4 bilhões). No período anterior – agosto de 2011 a junho de 2012 -, a compra externa dessas mercadorias foi de US$ 57 bilhões, ou seja, 26,9% dos US$ 211,9 bilhões importados pelo país.

“A desoneração da folha de pagamento levou a uma desaceleração na entrada desses produtos, mas, de fato, esse movimento foi menor que o verificado na importação total”, disse uma fonte do governo.

Para analistas e para representantes dos setores, a medida é importante, mas não suficiente para aumentar a competitividade da indústria. Outros fatores influenciam, como o câmbio. O real deveria estar ainda mais desvalorizado, segundo empresários. Uma reforma tributária mais ampla é defendida por eles.

“As desonerações da folha estão custando caro, sem gerar o efeito esperado”, disse Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, relacionando a medida ao aperto fiscal deste ano. Apenas com esse estímulo haverá renúncia fiscal de R$ 16 bilhões em 2013, prevê o Ministério da Fazenda. Para 2014, essa estimativa é de R$ 24,7 bilhões.

As empresas beneficiadas deixam de pagar contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos e, em troca, desembolsam um percentual sobre o faturamento. “Essa substituição foi pior do ponto de vista fiscal. É um imposto de pior qualidade e desestimula a atividade ao tributar o faturamento”, diz Salto. Segundo o economista, a forma escolhida pelo governo para desonerar a folha beneficia as atividades intensivas em mão de obra, mas não aumenta a competitividade de outros ramos. “Alguns setores se beneficiam e outros não”, completou.

Procurado, o Ministério da Fazenda não quis comentar os dados. Informou apenas que realiza estudos sobre os efeitos da desoneração – ainda não finalizados – e que serão apresentados à comissão formada por representantes do governo, empresas e trabalhadores para acompanhar e avaliar a medida. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) não respondeu até o fechamento da edição.

 

O levantamento foi feito apenas com os produtos listados na lei de desoneração da folha de pagamentos. Cada um tem uma Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), uma espécie de código de barras. Isso possibilita saber o desempenho das importações e das exportações apenas dos itens beneficiados pela medida, e não do setor como um todo.