Real é a terceira mais desvalorizada entre 61 economias, segundo o BIS
O índice de taxa de câmbio efetiva real (EER, na sigla em inglês) do BIS mostra que somente o iene do Japão e o rand da África do Sul estavam mais desvalorizados que a moeda brasileira no fim de julho. Em contrapartida, o bolívar da Venezuela era o mais apreciado em termos reais. O renminbi da China também vem ganhando valor gradualmente.
O EER representa a média cambial da moeda de um país relativa a uma cesta de outras divisas ajustadas pelo preço ao consumidor. O índice abaixo de cem significa que a moeda está desvalorizada.
Em março de 2012, a taxa de câmbio real efetiva era equivalente a 100,22 por unidade da moeda brasileira. Depois, passou a cair e chegou a 92,38 em julho do ano passado.
Um ano depois, chegou a 87,14 em julho de 2013. No caso do Japão, o indicador fechou em 78,41 por unidade do iene em julho – mantendo a moeda japonesa em primeiro lugar no ranking das mais desvalorizadas. Em segundo lugar, aparece o rand da África do Sul com 81,06.
Em quarto, a rupia da Índia em 88,30. Depois da Índia, vem a Turquia com 90,68. A taxa efetiva real do renminbi chinês ficou em 117,27, e o bolívar venezuelano, em 136,00.
Sem surpresas, o governo japonês anunciou ontem que o déficit comercial quase dobrou para US$ 10 bilhões de euros em julho. Se de um lado a moeda japonesa perdeu valor ante o dólar desde janeiro, favorecendo suas exportações, de outro esse movimento encareceu o custo de certas importações, sobretudo a fatura de petróleo e gás natural que o país compra bastante.
Conforme o BIS, o real se valorizou cerca de 45% entre 2005 e 2011 em relação às moedas dos principais parceiros comerciais e teve a segunda maior alta globalmente no período. Mais recentemente o banco alterou o ano-base de seu índice, de 2005 para 2010, para “refletir mudanças no comércio mundial”, como a importância da China como principal parceiro de várias economias, incluindo o Brasil.
Para calcular o peso da taxa de câmbio real da moeda brasileira, o BIS leva em conta a participação da China, Estados Unidos, Argentina, zona do euro e outros parceiros no comércio brasileiro (matérias-primas não são incluídas no cálculo), além de um fator que reflete a concorrência em outros mercados nos quais os dois países são exportadores (por exemplo, Brasil e China competindo no mercado americano.
O peso da China no cálculo da taxa real de câmbio da moeda brasileira passou de 2,8 sobre 100 no período entre 1999 e 2001; para 9,7 em 2005-2007; e 14,3 em 2008-2010. No caso dos EUA, o peso declinou de 31,2 para 23,4 e, agora, para 18,9.
E, no caso da zona do euro, passou de 24,5 para próximo de 21 desde 2005. O peso da Argentina ficou estável, em torno de 10.
_________________________________________________________
Importações e mercado de trabalho sustentam alta da arrecadação em julho
Valor Econômico
Apesar das desonerações tributárias, o desempenho do mercado de trabalho e o avanço das importações contribuíram para sustentar o aumento real de 0,89% na arrecadação federal em julho, sobre igual mês de 2012.
O valor recolhido somou R$ 94,3 bilhões no mês, segundo a Receita Federal. Em um ano de forte desvalorização do real frente o dólar, o Imposto de Importação tem ajudado no aumento de recursos que entram nos cofres públicos. Somente em julho, a arrecadação desse tributo foi de R$ 3,4 bilhões.
Em relação a igual mês do ano passado, a alta real foi de 17,9% – ritmo mais elevado que o avanço de 10% registrado no primeiro semestre. Segundo a Receita, o avanço reflete, entre outros fatores, a alta da taxa média de câmbio no período.
Mesmo com o real menos favorável à importação, as compras de mercadorias estrangeiras continuaram a se expandir, contribuindo também para a maior arrecadação do imposto. O desempenho dos recolhimentos em julho também foi influenciado pelo aumento de 2,1% nas receitas previdenciárias, que somaram R$ 26,5 bilhões.
O custo de mão de obra tem sido alvo de medidas adotadas pelo governo federal para aumentar a competitividade dos produtos nacionais e, assim, estimular a atividade econômica.
Mesmo com a desoneração da folha de pagamentos para diversos setores, a arrecadação previdenciária cresceu no mês por causa do dinamismo no mercado de trabalho em junho, disse o coordenador de previsão e análise da Receita, Raimundo Eloi de Carvalho.
As desonerações tributárias têm originado grandes perdas à arrecadação. No acumulado do ano, essa renúncia chegou a R$ 43,7 bilhões, segundo dados da Receita; o montante está “dentro do esperado”, afirmou o secretário-adjunto da Receita, Luiz Fernando Teixeira.
Nesse total está incluída a queda na receita por causa da desoneração da folha de pagamentos (R$ 7 bilhões), de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns itens (R$ 6,6 bilhões), da Cide-combustível (R$ 7,5 bilhões), de mercadorias da cesta básica (R$ 3,1 bilhões) e de alguns tipos de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para pessoa física (R$ 2,1 bilhões), entre outros.
Mesmo assim, as receitas com impostos e tributos federais somaram R$ 638,3 bilhões de janeiro a julho – valor recorde para o período, com alta real de 0,55% na comparação com os sete primeiros meses do ano passado.
Esse desempenho foi influenciado por uma arrecadação extraordinária de R$ 4 bilhões em meses anteriores. Após corte de 3,5% para 3% na estimativa do governo para o crescimento da economia no ano, a Receita também diminuiu a previsão de arrecadação.
A alta deve ficar “em torno de 3%” em 2013 em relação ao ano anterior. Isso representa expectativa menor, já que a projeção anunciada no mês passado variava de 3% a 3,5%, com perspectiva de que o resultado ficasse mais próximo do teto. “Houve pequeno ajuste para 3%”, disse Carvalho.
Além do aumento do PIB, a Receita considera a taxa de câmbio, a inflação, a massa salarial e a produção industrial, por exemplo, para calcular a projeção dos recolhimentos no ano
_________________________________________________________
Dívida do Tesouro com o FGTS já atinge quase R$ 10 bilhões
Valor Econômico
A dívida do Tesouro Nacional com o Fundo Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) já está próxima dos R$ 10 bilhões, segundo números preliminares divulgados com exclusividade pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.
Isso se deve ao fato de o governo não repassar ao FGTS os 10% da multa adicional cobrada das empresas, em caso de demissão sem justa causa, e a utilização cada vez maior de recursos do trabalhador para bancar os subsídios do programa Minha Casa, Minha Vida.
De acordo com o balanço contábil do FGTS, o débito do Tesouro fechou 2012 em R$ 7,2 bilhões. Porém, conforme uma fonte ligada ao conselho curador do fundo, esse valor segue crescendo e está próximo dos R$ 10 bilhões.
No primeiro semestre deste ano, o governo já embolsou cerca de R$ 2 bilhões com a arrecadação da multa adicional de 10%. Além disso, assim como aconteceu em 2012, o FGTS tem bancado, de forma praticamente integral, os subsídios concedidos pelo Minha Casa, Minha Vida.
Segundo um técnico ligado ao conselho curador do fundo, ainda não há um acordo sobre como o Tesouro Nacional vai pagar o débito. Enquanto isso não acontece, a dívida é corrigida pela taxa básica de juros (Selic), atualmente em 8,5% ao ano.
A multa adicional de 10% do FGTS para o caso de demissão sem justa causa foi instituída em 2001 para compensar as perdas dos trabalhadores com mudanças de planos econômicos Verão (1998) e Collor (1990).
Apesar dessa dívida já ter sido quitada, a multa não foi revogada e o recurso, que é do fundo, desde o ano passado integra as receitas do Tesouro Nacional. Essa operação entra no balanço do fundo como uma dívida do governo.
Recentemente, o Congresso aprovou o fim da cobrança da alíquota adicional, porém, a presidente Dilma Rousseff acabou vetando. Há forte pressão do Legislativo para que o veto seja derrubado.
O governo tem utilizado o recurso para ajudar no cumprimento da meta de superávit primário. Somente neste ano, o Tesouro espera receber cerca de R$ 3 bilhões com a multa adicional do FGTS.
Outra dívida do governo federal com o FGTS se refere aos subsídios concedidos ao principal programa habitacional do governo. Pelas regras do programa, famílias de baixa renda podem receber até R$ 23 mil em subsídios para adquirir a casa própria. Quanto menor a renda mensal, maior a ajuda financeira do governo aos mutuários.
Uma parte do subsídio (82,5%) é bancada com recursos do FGTS e o restante pelo Tesouro Nacional. Porém, o governo não tem repassado o valor integral para as contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.. Em setembro de 2011, o Executivo reduziu sua participação no subsídio – que passou de 25% para 17,5%.
Com isso, a contribuição do FGTS saltou de 75% para 82,5%. “Não tem um fluxo definido [de pagamento da dívida pelo Tesouro]”, disse a fonte. Segundo ele, o tema deve ser colocado em discussão na pauta na reunião do Conselho Curador do FGTS, em setembro.
Os recursos do FGTS vêm contribuindo significativamente para o cumprimento da meta de superávit primário, que neste ano é de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), o que pode ser constatado com o crescimento da dívida do governo para com o fundo dos trabalhadores.
Com a arrecadação subindo aquém do desejável, a avaliação do governo é que fica difícil abrir mão de receita, principalmente, no caso da multa adicional do FGTS. A alegação do governo é que a extinção da multa vai afetar diretamente a execução do Minha Casa, Minha Vida.
_________________________________________________________
Ação do BC e do Tesouro não evita que dólar suba a R$ 2,414
O Estado de S. Paulo
O Tesouro fez leilão de recompra de papéis pré-fixados e o Banco Central vendeu US$ 3,6 bilhões para conter a valorização do dólar. Mas a operação fracassou e a moeda fechou em R$ 2414 – a maior cotação desde 2 de março de 2009. Acorrida por títulos dos EUA, provocada pelo temor de redução dos estímulos monetários pelo Fed, provocou uma disparada dos juros pagos pelos títulos do Tesouro americano e fez o dólar subir fortemente ante moedas de países emergentes.
Depois dos ruídos na semana passada causados pelas declarações do ministro da Fazenda Guido Mantega – ao dizer o câmbio atual toma o setor produtivo brasileiro mais competitivo o Tesouro Nacional e o Banco Central atuaram de forma coordenada ontem para conter a valorização do dólar, cuja força .pressiona a inflação. A operação : conjunta, no entanto, fracas sou e a moeda fechou em 2.414 – maior cotação desde 21 de março de 2009.
Com o câmbio e os juros futuros em alta, o BC lançou mão de uma bateria de leilões de contra-; tos de swap cambial, que equivalem à venda de dólares no mercado futuro – 110 total, foram US$ 3,6 bilhões. Ao mesmo tempo, o Tesouro fez um leilão extraordinário de recompra de papéis do governo prefixados para diminuir a volatilidade e a pressão sobre os juros e o dólar.
O alivio nas cotações foi temporário, A estratégia fracassou e o dólar fechou o dia no maior valor desde março de 2009, Contaminado pelo câmbio, o mercado de juros também fechou com taxas mais salgadas, apesar da ação do Tesouro. Ou seja, os investidores apostam que o Banco Central terá de elevar mais os juros no futuro.
A contaminação mais forte dos dois mercados foi provocada pelo aumento das incertezas em relação às taxas de juros dos EUA e das desconfianças em relação ao futuro da economia brasileira. O nervosismo do mercado foi ampliado pela expectativa da divulgação da ata da Fed, o banco central dos EUA, na quarta-feira, quando se espera uma sinalização mais clara da retirada dos estímulos da economia americana.
A iminência de retirada desses estímulos tem afetado várias moedas, mas sobretudo o real Ontem à noite, em São Paulo durante o evento Valor 1000, que premia empresas que mais se destacaram em 25 setores da economia brasileira, o ministro Mantega atribuiu a disparada do dólar a uma situação provocada pelos EUA, e voltou a dizer que o câmbio é flutuante e “não tem teto nem tem piso”. “É preciso tomar cuidado para não se entusiasmar ao falar que o câmbio vai muito longe.”
Com a subida do dólar, os investidores enxergaram risco maior para a inflação e a possibilidade de o BC acelerar o ritmo de alta da Selic na próxima reunião do Copom. Para se protegerem da possibilidade de alta dos juros, eles aumentaram a procura por proteção no mercado futuro, o que pressionou ainda mais a taxa.
A volatilidade levou até mesmo o presidente do BC, Alexandre Tombini, numa ação pouco usual, a divulgar uma nota oficial no fim do dia, advertindo que o movimento de alta dos juros futuros incorporou “prêmios excessivos”. Ele também aleitou para o risco de perdas dos investidores que apostam numa única direção de alta do dólar, E não descartou vender parte das reservas.
Em sintoma com o BC, o Tesouro informou que atuou para reduzir os prazos de vencimentos dos títulos e a procura por operações de hedge. Segundo uma autoridade do Tesouro, como há grande correlação entre o mercado de juros e o dólar, a ação conjunta alivia a pressão sobre os juros, corno também sobre o câmbio. “É uma ação que ajuda a normalizar o mercado disse a autoridade.
De acordo com o Tesouro, depois de dois ou três dias de leilão, a demanda pela recompra tende a diminuir. Para o governo, há uma pressão muito mais de demanda por hedge (proteção) do que de saída de recursos do País.
_________________________________________________________
Xisto muda geopolítica da energia
Valor Econômico
Balanço zero: para Ernest Moniz, secretário de energia dos EUA, a América do Norte terá independência energética Há uma “revolução do xisto” em curso nos Estados Unidos: ela já despertou investimentos de US$ 100 bilhões na indústria americana, derrubou as tarifas do gás e promoveu a abertura de um milhão de postos de trabalho em meio à maior crise econômica do país desde 1929.
E essa “revolução” tende a culminar em uma nova geopolítica do petróleo: com um aumento contínuo de sua produção, a América do Norte deverá alcançar sua independência energética, em aproximadamente uma década. “Seremos exportadores e importadores ao mesmo tempo, mas o resultado líquido poderá ser zero”, disse ao Valor o secretário de Energia dos EUA, Ernest Moniz.
Na sexta-feira, após um almoço com dezenas de empresários na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de reuniões com autoridades brasileiras, ele fez um relato detalhado das transformações energéticas em andamento no país que mais consome combustíveis fósseis no planeta.
Com a exploração de recursos não convencionais, o preço do gás natural está hoje em US$ 3,50 por milhão de BTU, menos da metade do que valia uma década atrás. Antigas usinas térmicas movidas a carvão, um insumo caro e poluente, estão sendo progressivamente substituídas por novas plantas que usam gás natural.
E a indústria petroquímica vive um período de crescimento com a oferta de matérias-primas associadas ao gás de xisto. Leia abaixo os principais pontos da entrevista concedida pelo secretário americano ao Valor:
Valor: Qual tem sido o peso do gás de xisto no esforço do governo americano em recuperar a economia dos Estados Unidos?
Ernest Moniz: O gás de xisto tem tido um impacto enorme na economia, no mix energético e no desempenho ambiental dos Estados Unidos. Os preços do gás natural despencaram para US$ 3,50 por milhão de BTU, o que é metade ou até menos da metade de dez anos atrás, no Henry Hub [ponto de distribuição em Louisiana que baliza todo o mercado]. Essa queda de preços tem implicações enormes – deixe-me falar antes das ambientais. O presidente Obama apresentou uma meta de reduzir as emissões de gases-estufa em 17% até 2020, com base nas emissões de 2005, e já atingimos metade dessa meta. Da redução obtida até agora, cerca de 50% foram graças ao uso do gás de xisto no setor elétrico. Isso não ocorreu por causa de políticas públicas, mas pela dinâmica do mercado. Com o gás natural a esse preço, fica mais barato usá-lo como insumo em modernas usinas térmicas, o que gerou uma substituição de antigas termelétricas movidas a carvão.
Valor: Na indústria, quais foram os reflexos mais diretos?
Moniz: Temos uma estimativa de que US$ 100 bilhões foram investidos em nova capacidade industrial, nos últimos cinco ou seis anos, devido à revolução do gás de xisto. Sem falar no que consumidores de gás residencial estão economizando diretamente por causa dos preços menores, por exemplo, para o aquecimento das casas. A nossa projeção é que um milhão de empregos, diretos e indiretos, foram criados com essa revolução do xisto. Os custos de energia caíram para qualquer indústria manufatureira. Mas outra questão importante, perdoe-me pelo tecnicismo, é a riqueza criada com o chamado “wet gas”. “O gás de xisto tem tido um impacto enorme na economia, no mix energético e no desempenho ambiental dos Estados Unidos”.
Valor: O que é isso exatamente?
Moniz: Há uma série de líquidos associados à extração do gás natural, como o propeno, o butano e o etano. Eles são indexados aos preços do petróleo e, portanto, valem mais do que o próprio gás. Explico: um barril de petróleo tem o equivalente a seis milhões de BTUs [unidade térmica britânica]. Quando dizemos que o milhão de BTU vale US$ 3,50, você multiplica esse valor por seis e tem US$ 21 por “barril” de gás. Ocorre que o petróleo custa US$ 100. Então, esses líquidos são cotados a um preço cinco vezes maior do que o gás ao qual estão associados. O propeno é uma commodity em si mesma. Mas veja o que ocorre com o etano. Ele é matéria-prima do etileno. E com o etileno você faz plástico. Então, o gás de xisto tem gerado insumos para impulsionar diretamente a indústria petroquímica. Temos visto novas plantas sendo construídas para usar esses insumos [o secretário esclareceu que o cálculo de US$ 100 bilhões inclui essas plantas].
Valor: A exploração de reservas de gás e petróleo não convencionais permitirá aos Estados Unidos entrarem na lista de exportadores?
Moniz: Ainda somos importadores líquidos de petróleo e de gás. No caso do gás, ainda compramos alguma coisa do Canadá, mas isso mudará em poucos anos. No caso do petróleo, aumentamos a produção em cada um dos últimos quatro anos e as nossas importações estão no menor nível em muito tempo. O primeiro impacto disso é no balanço de pagamentos. Há alguns anos gastávamos US$ 1 bilhão por dia nas importações de petróleo. Isso diminuiu em centenas de milhões de dólares. É uma excelente notícia para a economia americana.
Valor: Os Estados Unidos também se tornarão autossuficientes em petróleo? Se isso for confirmado, obviamente terá implicações geopolíticas importantes…
Moniz: A Agência Internacional de Energia prevê que seremos os maiores produtores globais de petróleo em 2020. Hoje em dia a Rússia, com pouco mais de 10 milhões de barris por dia, é a maior produtora. A Arábia Saudita caiu abaixo desse patamar recentemente. Somos os terceiros do mundo neste momento. Mesmo se chegarmos a 10 ou 11 milhões de barris por dia em 2020, talvez ainda estaremos importando algum petróleo, mas é importante notar de onde ele virá. Os nossos maiores fornecedores serão o Canadá e o México. Então, a ideia de uma independência energética da América do Norte, genericamente falando, não é nenhuma loucura. Em um prazo de uma década, ela é possível. Seremos exportadores e importadores ao mesmo tempo, mas o resultado líquido poderá ser zero.
Valor: Diante da desaceleração chinesa e do novo cenário energético dos Estados Unidos, qual é o cenário para os preços do petróleo?
Moniz: Quem já se atreveu a prever um cenário de preços para o petróleo nos dez anos seguintes acabou se mostrando tolo. Os preços podem disparar e recuar, sem uma dinâmica clara. Daqui a dez anos, não dá para saber se a demanda global estará em 80, em 90 ou em 100 milhões de barris de petróleo por dia. Isso faz uma enorme diferença para o mercado e para os preços.
Valor: Por que não é possível fazer essa estimativa para a demanda de petróleo?
Moniz: Veja o nosso caso. Somos os maiores consumidores de petróleo do mundo e há três fatores que se somam para reduzir o uso de combustíveis fósseis nos Estados Unidos. No ano passado, o presidente Obama negociou novos padrões de eficiência energética com as montadoras. Até 2024, haverá a necessidade de fazer 54 milhas por galão de gasolina [23 km/l], o dobro do índice de eficiência atual. Em segundo lugar, a produção de biocombustíveis passou por solavancos ultimamente, mas continua a avançar. Em terceiro lugar, há o avanço dos carros elétricos. Neste ano, pela primeira vez, talvez alcancemos o patamar de 100 mil veículos elétricos vendidos no mercado americano. Ainda é um número pequeno. Foram 40 mil no primeiro semestre, o dobro do mesmo período do ano passado, mas é um crescimento muito rápido. Mesmo nos Estados Unidos, os carros elétricos ainda são muito caros, custam US$ 80 mil. Precisamos de uma redução dos custos da bateria para transformá-los em um produto de massa, ainda é um mercado de nicho, mas é assim que muitos paradigmas foram quebrados.
Valor: O quadro que o sr. traçou nesta entrevista foi de independência energética da América do Norte e demanda incerta por petróleo em termos globais. Isso não reduz o interesse de empresas americanas na exploração do pré-sal brasileiro?
Moniz: Eu acredito que não. Por um fato: as “supermajors” [grandes companhias petrolíferas da iniciativa privada] ainda preferem produzir petróleo ao gás. E isso tem a ver com o que eu disse antes: o barril de óleo vale mais do que seis milhões de BTUs de gás. A realidade é que as “supermajors” têm acesso limitado às reservas mundiais de petróleo. As maiores reservas estão sob o controle de empresas estatais. A Petrobras pode ser uma companhia estatal, mas o Brasil tem um ambiente muito mais competitivo e dá boas-vindas aos investimentos estrangeiros. Uma grande petroleira não pode ir à Arábia Saudita e produzir petróleo. As empresas americanas tiveram sucesso no leilão de maio [a 11ª Rodada da ANP] e certamente terão interesse nos contratos de partilha do pré-sal. Elas estão se acostumando a trabalhar em ambientes geológicos difíceis, como ocorre com o xisto e com o pré-sal.